Quando o Papa João Paulo II publicou a sua primeira Encíclica social, a «Laborem exercens» (1981), seguida da «Sollicitudo rei socialis» (1987), da «Centesimus annus» (1991) e de outros documentos, vários economistas importantes e os responsáveis de várias multinacionais, em particular norte-americanas, manifestaram-se surpreendidos e desagradados com a posição do Papa.
Não eram católicos, muitos deles, mas, até então, reconheciam uma certa autoridade moral à Igreja católica, porque defendia a liberdade, a propriedade privada e temperava tudo isso com uma preocupação real pelos pobres. A doutrina da Igreja parecia-lhes equilibrada, até o Papa João Paulo II publicar a «Laborem Exercens».
Gostavam que o Papa tivesse defendido os direitos humanos, na sua amplitude religiosa, política, social… mas achavam que falhava no aspecto económico. Por exemplo, declarar a primazia do trabalhador sobre o capital parecia-lhes uma forma de roubo: então os donos das empresas valiam menos que os empregados?! Que reviravolta tinha acontecido no Vaticano? O Papa polaco vida estava infectado pelos russos?
Para esclarecer o assunto, constituiu-se uma comissão conjunta, para estudar a «Laborem exercens». As sessões, tiveram algum impacto. Os responsáveis de várias multinacionais compreenderam que a Igreja se movia por um critério de amor pelas pessoas, que ultrapassava largamente a honestidade da relação contratual. Nem todos gostaram. Achavam que esse critério criava uma insegurança jurídica: onde é que a coisa pára? Cumprimos o contrato e isso não basta? Temos de fazer ainda mais coisas? Outros ficaram verdadeiramente impressionados com a preocupação do Papa pelos pobres. Parecia-lhes que o Papa olhava para eles com se estivesse na posição de Deus. – «É que é isso mesmo!», respondiam os representantes da Santa Sé, perante a cara atónita dos homens de negócios. Aquelas sessões deram frutos variados, nalguns casos foram importantes num percurso até à conversão.
Quando Bento XVI publicou a Encíclica «Caritas in veritate» houve uma reacção parecida. E quando fez o discurso de Ratisbona (Regensburg), que irritou alguns a ponto de assassinarem católicos, os principais líderes muçulmanos rejeitaram aquela violência e aproveitaram para pedir ao Vaticano que lhes explicasse a doutrina da Igreja. Assim se constituiu uma comissão de alto nível, católico-muçulmana, que tem dado frutos maravilhosos.
Quando o Papa Francisco começou a falar «da economia que mata», «da globalização da indiferença», «de uma Europa que tem o coração endurecido» com os refugiados que lhe batem à porta, da ganância que «destrói a nossa casa comum»… voltaram as incompreensões. E, claro, constituiu-se uma comissão. No passado dia 15 de Abril, o Vaticano acolheu vários líderes mundiais, para debaterem a dimensão social da doutrina da Igreja, aproveitando os 25 anos da «Centesimus annus» de João Paulo II. Havia opiniões para todos os gostos. Alguns dos presentes, entre os quais o candidato presidencial norte-americano Bernie Sanders, mostraram compreender a posição da Igreja em matéria económica. Outros, não tanto. Talvez, aos poucos, o mundo ocidental perceba que o cuidado dos pobres não se esgota em cumprir uma relação contratual ou dar um subsídio.
Isto de Deus amar os homens, cada um de nós, tão radicalmente é uma coisa muito séria. Um pouco vertiginosa. Faz-nos perceber a diferença entre o olhar de Deus e o nosso. Para alguns, este é um primeiro passo no caminho da conversão.
Bernie Sanders, candidato à Presidência dos EUA, no Vaticano (15 Abril de 2016).