Na Quinta-feira Santa, saiu um novo livro do Papa, intitulado «Contra a Guerra. A Coragem de Construir a Paz» (título original em italiano: «Contro la guerra. Il coraggio di costruire la pace»).
Além de Encíclicas, Exortações apostólicas, Cartas Pastorais, Mensagens, Bulas, etc., os Papas, desde João Paulo II, começaram a publicar livros. A diferença do formato não diz respeito ao número de páginas, porque há documentos papais com duas centenas de páginas, mas na índole pessoal do texto e também no desejo de chegar a um público mais amplo, além dos confins da Igreja católica.
Diversos livros atribuídos aos Papas são apenas colectâneas de discursos, seleccionados tematicamente por algum colaborador. Só em língua italiana, já há meia centena de livros deste tipo atribuídos ao Papa Francisco, sem contar com os volumes oficiais que publicam todas as suas intervenções de cada ano. O novo livro retoma intervenções conhecidas, mas é mais que uma colectânea de textos.
Não é o primeiro livro do Papa Francisco a pedir a paz. Há quase um ano, saiu «Paz na Terra. A Fraternidade é Possível» («Pace in terra. La fraternità è possibile», no título original), com prefácio do Patriarca copto-ortodoxo Tawadros II. Ainda assim, o novo livro está a ter um grande impacto, pela proximidade da guerra na Ucrânia e o apelo particularmente forte e angustiado ao fim da guerra.
Uma das ideias-chave do anterior livro de Francisco sobre a paz pode ser resumida em duas citações: «a indiferença é cúmplice da guerra» e «a paz e a fraternidade são possíveis». Uma das teses principais do novo livro é que «a guerra não é solução».
Parece-me que há um fio condutor entre as duas obras. No primeiro livro, o Papa afirma que não podemos alhear-nos dos horrores da guerra, como se não tivéssemos responsabilidade pela paz. Francisco chega mesmo a dizer que os políticos que fugirem à responsabilidade «hão-de prestar contas a Deus». Neste segundo livro, insiste-se em que alimentar a guerra em vez de acabar com ela não é solução.
A meu ver, esta posição contrasta com a atitude de boa parte da comunidade internacional que, em vez de parar o agressor, fornece armamento aos ucranianos para que eles se defendam como puderem. É sem dúvida mais cómodo, mas o resultado é uma guerra de atrito com numerosas mortes de ambos os lados, principalmente entre os mais vulneráveis.
No meu ponto de vista, o mínimo que os países livres podem fazer pela Ucrânia é ajudá-la com armas. No entanto, esse mínimo é insuficiente, porque já produziu muitas dezenas de milhares de mortos entre a população ucraniana, milhões de refugiados que tiveram de fugir para o estrangeiro e milhões de famílias divididas. É verdade que também morreram milhares de militares da força invasora, mas essas baixas são pouco visíveis num regime ditatorial e não chegam para a Rússia desistir da «operação especial».
A dificuldade da comunidade internacional em conseguir a paz na Ucrânia deve-se principalmente àqueles países que se opõem à democracia, como é o caso das ditaduras comunistas (chinesa, cubana, norte-coreana e venezuelana) e de alguma democracia disfuncional (em particular a indiana). Embora estes regimes julguem tirar vantagem da desgraça alheia, a invasão prejudica o mundo inteiro e atinge-os especialmente a eles, mesmo que os seus dirigentes não se dêem conta. O turismo internacional e os intercâmbios comerciais e culturais estavam a promover a fraternidade universal e a valorizar os méritos próprios de cada cultura. Ajudavam os povos ainda sem liberdade a abrir-se ao valor da paz e da harmonia social. A interdependência económica e cultural era uma oportunidade para o desenvolvimento dos mais pobres, em espírito de cooperação pacífica.
Depois da invasão da Ucrânia, os países livres reagiram limitando a sua dependência em relação a regimes inseguros e reforçando as defesas militares, para não serem os próximos alvos. Por um lado, é uma pena que se perca a oportunidade de estreitar os laços de cooperação internacional, que poderiam produzir frutos de amizade e paz a longo prazo. Por outro, o investimento na defesa, que me parece prudente nas circunstâncias actuais, desvia-se nalguns casos para armas de destruição das cidades, em lugar de armas de defesa do próprio país. O Papa Francisco critica directamente esta estratégia de ameaçar populações civis, porque não é eficaz para conter agressões e, em vez de limitar a guerra, estende o seu potencial de extermínio a toda a humanidade.
É cada vez mais claro que o Concílio Vaticano II tinha razão ao proclamar que compete à comunidade internacional assegurar a paz e não é saudável que cada país tenha a sua própria força armada. De momento, ainda há demasiados países subjugados por ditaduras belicistas, mas não podemos desistir de construir um mundo mais fraterno, em que não seja preciso cada um armar-se contra os outros e a comunidade internacional tenha a capacidade de impedir as agressões.
O Presidente do Cazaquistão anunciou a visita do Papa ao país no próximo mês de Setembro e a Santa Sé já confirmou a viagem. João Paulo II decidiu ir ao Cazaquistão 11 dias depois do atentado às Torres Gémeas, apesar de ter sido durante muito tempo uma colónia soviética e ter uma maioria muçulmana. Francisco também aposta na inteligência dos cazacos, para serem mediadores de paz entre mundos em conflito.
Os auto-denominados “países livres” (ou seja, os Estados Unidos e seus satélites) dedicaram as últimas décadas a perseguir a Igreja de todas as formas possíveis, inclusive incendiando os seus templos, um desporto popular sobretudo nos EUA e em França, cada vez com mais adeptos.
Claro que os outros países, que o ocidente apelida de ditaduras e autocracias, também se chamam livres a si próprios, e apelidam o ocidente de decadente, e apresentam a ideologia de género como o exemplo mais caricato dessa decadência.
A dificuldade da “comunidade internacional” (ou seja, os Estados Unidos e seus satélites) em conseguir a paz na Ucrânia, deve-se à eterna postura belicista dos Estados Unidos, resultado da mistura explosiva da sua extrema arrogância, e da sua extrema ignorância nas relações internacionais.
Se há país que nunca teve qualquer tipo de fraternidade são os Estados Unidos. Um dos expoentes dessa falta de fraternidade foi a destruição do Iraque, que levou à morte de mais de 500.000 crianças e 1.000.000 de civis. A recém falecida Madeleine Albright teve ainda o descaramento de afirmar que essas mortes se justificaram, porque permitiram depor Saddam Hussein. A imprensa ocidental branqueou estas mortes, mas as 200 crianças e alguns milhares de civis mortos na invasão russa justificam apresentar a Rússia como a nova encarnação do diabo. Esse mesmo número de mortos há 30 anos foram classificados como “promoção humanitária da paz”, no bombardeamento da Jugoslávia pela NATO.
A dissolução do pacto de Varsóvia e da URSS nos anos 90, foi acordada entre os EUA e Rússia sob a condição de que a NATO nunca se expandisse a esses países. Ou seja, o acordo que permitiu a independência da Ucrânia foi violado pelos EUA (e seus satélites) passados poucos anos.
Em 2014, uma revolução promovida pelos EUA (e seus satélites) depôs um presidente democraticamente eleito, e colocou um presidente pró-ocidente em seu lugar.
Nos últimos 10 anos, a autonomia prometida ao leste da Ucrânia nos acordos de Minsk, foi enfiada numa gaveta pela Ucrânia, que se dedicou com o seu batalhão nazi a massacrar as populações civis dessa região, num total 15000 mortos civis, com a sua quota de torturados, violados, queimados vivos, bombardeados, etc., que a amorosa imprensa ocidental ignorou.
Nos meses antes do início da invasão russa, Zelensky rompeu os compromissos assinados e iniciou a aproximação da Ucrânia à NATO.
O mesmo Zelensky que proibiu 11 partidos políticos legítimos. Presidente de um país que também matou vários jornalistas que denunciavam a corrupção vigente. Destaque para Pavel Sheremet, que criticou o presidente da Bielorrúsia e sobreviveu, criticou Putin e sobreviveu, e em 2016 criticou os políticos ucranianos por estarem acima da lei, e de terem alianças com sindicatos do crime. Morreu em Kiev num automóvel armadilhado.
Ao Santo Padre pede-se que seja coerente.
Não pode num ano dizer que não há guerras justas, e no ano seguinte reconhecer que a reacção militar ucraniana (uma guerra) é legítima.
Não pode reconhecer como legítima a reação militar ucraniana, e manter no catecismo os critérios que definem a guerra justa, sendo que a Ucrânia não cumpre nenhum desses critérios (ponto 2309 do catecismo).
Também é estranho que deva haver um exército da “comunidade internacional”, quando essa mesma comunidade está dividida em blocos antagónicos e que se excluem mutuamente.
Começa agora o rearmamento da Alemanha, que o artigo classifica como “prudente”. Espantoso!
Para terminar, é bíblico que a “fraternidade universal” não existe nem pode existir. A humanidade foi dividida em duas descendências desde o Génesis, com mútua inimizade assegurada pelo próprio Deus, e assim permanecerá dividida até ao último dia do Apocalipse.
Apenas quem nega ou ignora a Bíblia pode pretender ou apelar a uma fraternidade universal. Não por acaso é um conceito saído da Revolução Francesa anti-Deus.
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