O grau de civilização de determinada sociedade pode ser medido pela forma como trata os seus animais. Assim disse Mahatma Gandhi e, até certo ponto, é verdade. Temos, portanto, razões para nos regozijarmos com a evolução registada nas últimas décadas em Portugal (apesar da persistência das touradas).
A proibição do abate para controlo dos animais errantes constituiu o culminar da legislação que visa proteger os animais de companhia. Penso que a legitimidade da lei não se pode contestar, goste-se muito ou pouco dos amigos de quatro patas. O problema reside na sua aplicação. É verdade que a legislação caminha sempre à frente da realidade, mas, neste caso, começou em passo de tal forma rápido, que se tornou impossível cumpri-la.
Com uma lei a galope e pouco dinheiro para gastar com os animais, muitas autarquias não conseguem evitar os animais errantes. Em troca da adoção, vão prometendo a esterilização, chip e vacinação, insuficientes para conseguir dar um lar a todos os animais. Por isso, não é de estranhar que, um pouco por todo o país, vamos observando situações que nos entristecem.
O que sucedeu há alguns dias em Santo Tirso chocou-nos a todos. Ninguém consegue aceitar que tantos animais vivam em tais condições de insalubridade. Por isso, são legítimas as manifestações que se foram fazendo um pouco por todo o país. Vi pessoas dominadas pela emoção reclamando justiça, outras querendo até fazer justiça. A situação impunha a presença das televisões e o mediatismo instalou-se.
Infelizmente, os nossos governantes, a comunicação social e as instituições em geral reagem à quantidade. Terão morrido cerca de sete dezenas de animais num só dia e, portanto, o caso obrigou a uma reação. Até agora, no entanto, nunca tinha visto tal indignação. E não faltam motivos para tal. Só na minha rua, nos últimos meses, vagueavam cerca de uma dezena de cães, seis dos quais provenientes de uma ninhada. Escusado será dizer que vagueavam famintos, com as costelas bem salientes. Alguns já não se veem por cá, não porque tenham sido recolhidos, uma vez que os canis estão a abarrotar. O mais provável terá sido o atropelamento, destino de muitos animais abandonados. Basta passar algumas vezes na Serra de Campelos para perceber a realidade. Eu até acho, perante a passividade de quem nos governa, que são os atropelamentos que vão resolvendo o problema.
Portanto, sejamos sérios, deixemo-nos de hipocrisias: o que aconteceu em Santo Tirso é uma gota no oceano. Se, na minha rua, consegui contar 10 casos de animais a necessitarem de ajuda, se ao descer a variante para Lousada conto mais cinco, imaginem o retrato do país! O caso está mesmo a precisar de uma mega manifestação!
A lei aprovada deixou o PAN satisfeito, mas, sinceramente, serviu para pouco mais. Defraudou todas as expectativas daqueles que são sensíveis ao sofrimento dos animais. O próprio primeiro-ministro admitiu que as autarquias não conseguem correr atrás da lei. Então, está à espera de quê?
É até paradoxal que o fim da eutanásia tenha contribuído para prolongar o sofrimento de alguns animais, contrariando a etimologia da palavra (“eutanásica”: morte doce) e agravando o sofrimento que conduz à morte.
É urgente uma ação mais musculada, que efetivamente acabe com os animais abandonados. A esterilização e identificação de TODOS os animais é um caminho. Tem custos? É certo! Custa menos ver o sofrimento animal? Para alguns, talvez. Para a maioria, não!