Dois reclusos do Estabelecimento Prisional do Vale do Sousa estão há cerca de cinco meses a trabalhar para a Junta de Freguesia de Paços de Ferreira. Para os presos é uma aproximação àquilo que há-de ser o regresso à liberdade, para a junta uma forma de apoiar a reinserção social destes homens.
A autarquia aguarda ainda por um terceiro elemento e mostra-se satisfeita com a mão-de-obra e a qualidade do trabalho executado. Mas Alexandre Costa não deixa de salientar que, contratar um recluso, fica mais caro e é mais burocrático que ir buscar um funcionário ao centro de emprego no âmbito de um contrato de emprego inserção (CEI), por exemplo.
“Estando em meio livre vamos ganhando hábitos de trabalho que não tínhamos”
Durante o dia, Jorge e Manuel vestem a “farda” da Junta de Freguesia de Paços de Ferreira. À noite, regressam ao Estabelecimento Prisional do Vale do Sousa onde acabam de cumprir pena. São dois dos poucos reclusos daquela prisão que usufruem do Regime Aberto para o Exterior (RAE), uma medida que visa a reintegração na sociedade.
Jorge Fernandes é de Aveiro, tem 43 anos e está preso desde 2012 por furto. Manuel Teixeira tem 36 anos, é da Lixa e cumpre pena há quatro anos por tráfico de droga. São ambos reclusos do EP do Vale do Sousa e agarraram a oportunidade de trabalhar em regime aberto ao serviço da Junta de Paços de Ferreira. Nos últimos meses fazem trabalhos de construção civil, pinturas, limpeza de ruas e trabalhos de jardinagem. “Voltar a tentar reinserir-me na sociedade civil é muito bom. Sou electricista de profissão e na prisão já tirei um curso de pintura e trabalhei em várias obras”, explica Jorge.
“Estar cá fora vai ajudar quando puder sair de forma definitiva. Estando demasiado tempo na cadeia temos os efeitos tóxicos dessa exposição prolongada”, confessava o recluso que, entretanto, já conseguiu a desejada liberdade condicional. “Estou preparado, já tenho trabalho. Isto foi uma fase má da minha vida e não vou voltar ao mesmo de certeza”, garantia.
Manuel também vive com o desejo da liberdade e assume que este “emprego” é importante por deixá-los conviver com “pessoas normais”. “Andamos todo o dia em meio livre e convivemos com as pessoas. Só o simples facto de sairmos de manhã da cadeia às sete horas e só voltarmos às seis da tarde é diferente”, afirma o preso. Esta abertura ao exterior motiva e dá esperança. “Damos mais valor à liberdade. Quando estava livre não lhe dava tanto valor. Achava que nunca ia ser detido, que só acontecia aos outros”, confessa.
Antes dos seis anos em que se dedicou ao tráfico de droga trabalhava na construção civil. Esta experiência, está a permitir ganhar novos hábitos, assume. “Estando em meio livre vamos ganhando hábitos de trabalho que não tínhamos. Já não estava habituado a trabalhar quando traficava droga”, sustenta, assumindo que conta que este seja um percurso que o ajude a alcançar a liberdade condicional no final do ano. “Quando sair vou voltar às obras. Tenho trabalho. Adapto-me facilmente”, adianta.
“Tenho a convicção que estas pessoas saem com muito maior capacitação para enfrentar o mundo do trabalho e o mundo exterior”
Esta foi a primeira junta de freguesia a celebrar um protocolo para reinserção de reclusos com o EP do Vale do Sousa, confirma a directora. “Existem projectos de reinserção há alguns anos. Já existiu protocolo, no passado, com a Câmara de Paços de Ferreira, e existe também com a Transbase do Intermarché e com empresas privadas. Com juntas de freguesia este é o primeiro”, adianta Elisabete Ferreira Dias. A Junta aguarda a colocação de um terceiro recluso e há um quarto numa empresa privada. “Não há muitas entidades a fazer este pedido actualmente”, refere.
De qualquer forma, dos 363 reclusos do Estabelecimento Prisional só alguns podem ter acesso a este regime. “O número nunca é muito elevado porque há uma série de exigências a cumprir, nomeadamente em termos das condições da pena, é numa fase já próxima da libertação, porque é um projecto de aproximação à liberdade, e exige requisitos em termos jurídicos e em termos de comportamento. O que faz com que nem todos os reclusos possam chegar a esta fase”, justifica. E apesar de o processo ser burocrático, pode estar concluído em dois a três meses, garante.
Já os reclusos aproveitam estas oportunidades de reintegração gradual. “Este regime permite uma atitude quase como se tivessem em liberdade total. Saem de manhã e voltam ao fim do dia e durante o dia são trabalhadores como qualquer outro. Sentem-se como pessoas que estão em liberdade. Apesar de terem de regressar à cadeia ao final do dia percebe-se a satisfação do trabalho e isso é muito importante”, defende Elisabete Ferreira Dias. “Sei que vão munidos de muitas mais ferramentas e são muito mais capazes. Tenho a convicção que estas pessoas saem com muito maior capacitação para enfrentar o mundo do trabalho e o mundo exterior”, acrescenta a directora do EP.
Além deste projecto, os reclusos podem frequentar a escola até ao nível secundário e até mesmo fazer cursos superiores. Em Paços de Ferreira, no EP do Vale do Sousa, existem ainda, por exemplo, formações em pintura da construção civil, jardinagem, técnico de vendas, canalizador e vai começar uma na área do turismo.
“As juntas e câmaras deviam ter muitos mais trabalhadores reclusos do que aqueles que têm hoje e não têm pela questão do custo”
O presidente da junta recorda que, na sua juventude, era normal ver reclusos a trabalhar em instituições de Paços de Ferreira. “Havia essa proximidade”, diz.
Por isso, a autarquia contactou o estabelecimento prisional para perceber como estavam a funcionar estes protocolos. “Havia a ideia de benefício económico, o que era interessante para a junta. Percebemos depois que isso mudou muito em relação ao passado, quando a mão-de-obra era barata”, assume Alexandre Costa.
Ainda assim, avançaram. Era mais barato e até menos burocrático ir buscar alguém ao centro de emprego. Mas o autarca defende que estes trabalhadores têm qualidade e há outras questões a ter em conta. “O nosso factor de decisão não podia ser só o económico, também tinha que ser um factor social, de inclusão e reintegração”, sustenta.
O processo demorou um pouco. Os protocolos foram assinados em Outubro do ano passado e os reclusos estão a trabalhar ao serviço da junta há cerca de cinco meses.
O custo por cada colaborador é de cerca de 400 euros, cabendo ainda à junta 50% dos custos com a alimentação (a outra metade das refeições é oferecida por um restaurante). O custo do transporte é suportado por uma empresa do concelho. “Não consigo compreender que por um CEI se pague cerca de 200 euros por mês e quando se fala de um recluso tenho que pagar o dobro. É evidente que isto desincentiva as autarquias a fazer essa contratação. As juntas e câmaras deviam ter muitos mais trabalhadores reclusos do que aqueles que têm hoje e não têm pela questão do custo”, acredita. “Um recluso tem um estigma mais pesado e a reinserção tem que ser suportada pelas entidades contratantes. O apoio do Estado devia ser idêntico. Se isso fosse feito conseguiríamos ter mais reclusos cá fora a trabalhar”, acrescenta.
Apesar disso, o autarca diz-se satisfeito com a qualidade do trabalho e adianta mesmo que pretende recorrer a mais protocolos com o estabelecimento prisional, passando a ter quatro a cinco reclusos ao serviço da junta.
“São pessoas muito qualificadas e que já trazem alguma experiência. Estes dois fazem serviço de electricista, trolha, pintor, jardineiro que é o que qualquer presidente de junta pode querer”, salienta.
O autarca realça ainda o contributo deste “emprego” no futuro dos reclusos. O dinheiro é-lhes entregue quando são libertados e é um “pé de meia” importante para recomeçarem a vida, acredita.