O jobel, o jobil e o jobal

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José Maria AndréA mensagem que o Papa Francisco escreveu com antecedência à juventude das Jornadas Mundiais que estão a decorrer em Cracóvia tem várias palavras em hebreu, algumas em grego, mas uma proposta muito clara.

A introdução da mensagem fala de uma trombeta. Ou corneta (feita de um corno). Os eruditos pensam que este corno se chamava «jobel» por influência árabe, porque há grande proximidade linguística entre o hebreu e o árabe. O certo é que este jobel ressoou há vários milhares de anos na Terra Santa para convocar (jobil) o povo inteiro para o grande momento da reconciliação (jobal).

A Igreja, diz Francisco, toca este ano o jobel – por isso este ano se diz jubilar – para convocar todos os homens a reconciliar-se entre si e com Deus.

Agora, surpresa! Que acontece quando as pessoas se reconciliam com Deus? O Papa cita várias parábolas de Jesus: «impressiona a alegria de Deus, a alegria que Ele sente quando reencontra o pecador e o perdoa. Sim, a alegria de Deus é perdoar! Aqui está a síntese de todo o Evangelho».

Sejamos realistas: «Cada um de nós é aquele filho que esbanjou a própria liberdade, seguindo ídolos falsos, miragens de felicidade, e perdeu tudo».

Mas o realismo completo inclui que «Deus não Se esquece de nós, o Pai nunca nos abandona. (…) Espera-nos sempre! Respeita a nossa liberdade, mas permanece fiel. E, quando voltamos para Ele, acolhe-nos como filhos na sua casa (…). Nem sequer por um momento, deixa de esperar por nós com amor. E o seu coração fica em festa por cada filho que volta para Ele. Fica em festa, porque Deus é alegria. Vive esta alegria, cada vez que um de nós, pecadores, vai ter com Ele e Lhe pede perdão».

Aos 2 milhões de jovens que agora enchem os relvados de Cracóvia, o Papa explica que a misericórdia de Deus é muito concreta e propõe-lhes que se confessem.

Este tem de ser um momento decisivo de reinício. Ontem, dizia-lhes que tinha pena da gente nova «que parece “reformada” antes de tempo. Preocupa-me ver jovens que “atiram a toalha” antes de começar o jogo». Ou «que se “rendem” sem começar a jogar». «São uns jovens essencialmente enjoados …e enjoativos. Custa (…) ver jovens que largam a vida à procura da “vertigem” ou daquela sensação de se sentir vivos por caminhos obscuros que acabam por “pagar”, e pagar caro, correndo atrás de vendedores de falsas ilusões».

Neste momento, várias dezenas de milhares de padres estão a confessar os 2 milhões de jovens, de línguas tão diferentes, alguns vindos da América, da África ou da Ásia. Aparentemente, a juventude presente nas Jornadas Mundiais correspondeu ao apelo do Papa e Francisco fez-lhes o elogio de dizer que «toda a Igreja está a aprender com eles».

Na mensagem que lhes escreveu com antecedência, o Papa entrou em aspectos muito pessoais. «Quando tinha dezassete anos, num dia em que devia sair com uns amigos, decidi passar antes pela igreja. Ali encontrei um sacerdote que me inspirou particular confiança e senti o desejo de abrir o meu coração na Confissão. Aquele encontro mudou a minha vida». A descrição alonga-se em mais pormenores e desemboca num desafio. «Talvez algum de vós sinta um peso no coração e pense: Fiz isto, fiz aquilo… Não temais! Ele espera-vos. É pai; sempre nos espera. Como é belo encontrar no sacramento da Reconciliação o abraço misericordioso do Pai, descobrir o confessionário como o lugar da Misericórdia, deixar-nos tocar por este amor misericordioso do Senhor que nos perdoa sempre!».

Não ficam muitas alternativas. «Gostaria aqui de lembrar o episódio dos dois malfeitores crucificados ao lado de Jesus: um deles é presunçoso, não se reconhece pecador, insulta o Senhor. O outro, ao contrário, reconhece ter errado, volta-se para o Senhor e diz-Lhe: “Jesus, lembra-Te de mim, quando estiveres no teu Reino”. Jesus fixa-o com infinita misericórdia e responde-lhe: “Hoje estarás comigo no Paraíso”. Com qual dos dois nos identificamos? Com aquele que é presunçoso e não reconhece os próprios erros? Ou com o outro, que se reconhece necessitado da misericórdia divina e implora-a de todo o coração?»

O Papa quase inverte as posições, porque afinal quem implora é Cristo, que «deu a vida por nós na cruz». Vamos resistir àquele «amor sempre incondicional, que reconhece a nossa vida como um bem e nos dá sempre a possibilidade de recomeçar»?