Foi em 2014 que João Monteiro teve um acidente com uma máquina agrícola, quando ajudava os avós, em Sever do Vouga, a sua terra natal. Perdeu parte da perna esquerda, mas quem o ouve percebe que esse episódio foi apenas uma contrariedade e não uma fatalidade, que o levou a reforçar o gosto que já tinha pelo desporto, sobretudo pela bicicletas.
No último ano, tem-se ouvido falar muito do ciclista João Monteiro, que tem subido a vários pódios, com a camisola da equipa Paredes/Fortunna, onde tem conseguido vários títulos de campeão nacional. O atleta, com 36 anos, é oficial dos quadros do Exército Português e, no tempo que tem livre, salta para cima da bicicleta, onde faz treinos semanais de 10 a 12 horas.
Em entrevista ao Verdadeiro Olhar, percebe-se que consegue ser tão veloz a correr em cima das duas rodas como a falar, e passa pelo acidente como se de um episódio comum de vida se tratasse. “Sou uma pessoa normal, com uma vida normal”, diz, ao mesmo tempo que, recorda que, as bicicletas já faziam parte da sua vida, apesar de andar apenas como amador. Quando era mais novo, começou por jogar futebol, mas a modalidade não o convenceu, sobretudo “pela exigência colocada, que não é nada saudável”.
A bicicleta foi sempre a sua paixão e, por isso, começou a correr como profissional, depois de ter sido alertado para essa possibilidade por um amigo. E em boa hora seguiu esse caminho.
Primeiro começou a usar as bicicletas que tinha em casa e, depois, passou para as profissionais. Há um ano que compete pela Paredes/Fortunna, mas, antes, passou pela Associação Mouzinho Aventura, de Penafiel, onde começou a correr “com uma bicicleta de dois lugares”, uma vez que ainda “não tinha prótese”. Em 2015, ou seja, um ano após o acidente, já estava a participar na primeira prova. Recorda que foi em Gondomar, a contar para a Taça de Portugal.
Hoje, reconhece que o desporto foi a chave do sucesso da sua recuperação, mas, não só, “também a namorada, a família e os amigos” que nunca o perderam de vista. “O desporto fez-me sentir normal”, sendo certo que nos seus percursos de vida, todas as pessoas “têm as suas dificuldades” e isto que lhe aconteceu, somado ao ciclismo, traduziram-se num “desafio”, porque “em cima da bicicleta somos todos iguais”.
O facto de estar no Exército também ajudou, não perdeu o emprego, o que poderia ter acontecido se tivesse outra atividade profissional. Dali, recorda, “teve apoio total” e, em fevereiro de 2015, regressou ao quartel para “fazer o que fazia antes”, disse ao Verdadeiro Olhar.
Em todo esse processo de readaptação, João Monteiro só teve que se “focar e olhar em frente, para não ir abaixo. Mostrar que estava bem”. Aliás, estava mais atormentado com aqueles que o rodeavam e com aquilo que sentiam em relação ao seu acidente e ao facto de ter perdido a perna. Herdou esta preocupação dos avós que sempre o ensinaram a olhar para os outros. Perante isto, “mostrava sempre que estava bem e a recuperar, apesar de, às vezes, não ser bem assim”.
Confessa que, nunca se questionou “sobre o porquê de ter tido o acidente, não valia a pena, porque todos temos problemas”. Encarou aquele dia, não como um fim, mas como um “ponto de partida” e seguiu em frente.
Quando fala dos avós, tenta disfarçar a emoção, mas a verdade é que, ainda hoje, a avó trata-o “como se estivesse doente”, o que é compreensível. Mas João Monteiro só está focado em lhe “dar alegrias”. No entanto, reconhece que essa é uma “situação difícil de gerir”, tanto mais que, na altura em que tudo aconteceu, os avós tiveram que “ser preparados psicológicamente”, para as consequências que advieram daquele dia, até, porque se culpabilizam pelo que aconteceu.
E se os avós ainda tentam recuperar, o ciclista já o fez, há muito. Há um ano, entrou para a equipa da Paredes/Fortunna. “Precisava de uma mudança e de um ‘boost’ de motivação. E, desde o primeiro momento, eles acreditaram em mim”. E ainda bem que assim foi, porque o atleta tem somado muitas conquistas. Só este fim de semana, sagrou-se campeão nacional de CRI e de Fundo, em paraciclismo, Classe C. Vitórias que o deixam “muito feliz, porque, deste modo, pode retribuir a confiança” que a direção e a equipa depositiaram nele.
João Monteiro sublinha ainda o facto de já ter participado em estágios com os juniores e cadetes da equipa de Paredes. “Foi uma boa experiência, porque são miúdos muito alinhados, mas com sangue na guelra”, diz a sorrir. Apesar de dizer que o ciclismo é um “desporto individual”, é certo que, apela muito à “capacidade de sofrimento e onde se leva o corpo ao limite”.
Todos têm que trabalhar em conjunto e é isso que também tenta transmitir no contacto com estes ciclistas mais novos. É que “ninguém faz a academia sozinho e há que pensar enquanto grupo de trabalho, porque o importante é que algum dos nossos ganhe”.
E mesmo que, no futuro, estes atletas não queiram seguir o ciclismo, a verdade é que “vão ter uma bonita história para contar, uma vez que todas estas experiência vão ser úteis para a vida”. O ciclista congratula-se também pelo facto de a Paredes/Fortunna não exigir a ninguém que ganhe as provas”. Querem é que todos adquiram “ferramentas, a que, mais tarde, possam recorrer. Vão ser boas memórias que vão utilizar ao longo da vida”.
João Monteiro destaca ainda o “apoio” que a direção da Paredes/Fortunna dá a “todos os escalões”, e também o “brainstorming que é feito no final de cada prova”. São tudo mais valias que acrescentam e que fazem com que todos se tornem melhores seres humanos”.
Sobre o futuro, o ciclista, que já foi chamado à seleção, recorda que, o ano passado, “ambicionava participar nos Jogos Paraolímpicos”, mas, 12 meses depois, já largou essa pretensão. Ali, corre-se a “um nível muito alto, é uma competição extremamente difícil”. Por isso, hoje, só quer “ser competitivo a nível nacional” e, vai continuar a somar pódios que, de certeza, vão ser aplaudidos, não só pelos responsáveis da Paredes/Fotunna, mas, sobretudo, pelos seus avós. E não vai ser nada difícil, tendo em conta toda a força de vontade e a motivação que mostra tanto na vida, como no ciclismo.