Quando o Papa fez 83 anos (17 de Dezembro passado), ofereceram-lhe uma estampa que sintetiza o programa pastoral em que ele se tem empenhado tanto. Este programa é o da santidade «della porta accanto», a santidade «ao pé da porta», do dia-a-dia, da simplicidade do quotidiano. O Papa falou dessa estampa na audiência do dia seguinte, a dezenas de milhares de peregrinos, e partilhou a fotografia na sua conta do Instagram.
Muitos pensam que Deus aprecia feitos extraordinários, como fazer uma investigação teológica brilhante, ou aguentar estoicamente a intempérie, ou a tortura. A verdade é que Deus prefere o sorriso, o trabalho ordenado, a amizade, o cuidar da família, o descanso sereno, as horas de brincadeira, de música e de ternura.
Por isso o Natal continua a ser uma revolução na história das religiões. Em vez de nos propor o modelo do herói ou do sábio, Deus fez-Se bebé. Talvez soe melhor dizer que Deus Se fez homem, mas, de facto, fez-Se bebé. Espreguiçou-Se, adormeceu, aprendeu a andar, passeou, balbuciou as palavras mais ternas, como qualquer bebé. Jesus assumiu o dia-a-dia, sem pensar que as coisas simples fossem demasiado simples para Deus.
As figuras do presépio são a imagem acabada de uma banalidade que está chamada a ser santa. A Carta apostólica que o Papa assinou no dia 1 de Dezembro de 2019, em Greccio, intitula-se justamente «Admirabile signum» (sinal admirável), porque o presépio é um sinal simples e maravilhoso da fé cristã. Todas aquelas figuras, até os pastores, os aldeões, os rebanhos, o boi e o burro, simbolizam o mundo real em que Deus quis encarnar. Os deuses pagãos representam-se solenes e poderosos, assentes em tronos ou com gestos imperiais, o Deus cristão apresenta-Se ao colo da mãe, ou deitado na manjedoura.
O santinho que ofereceram ao Papa no dia de anos chama-se «Lasciamo riposare mamma» (deixemos a mãe descansar). Francisco disse aos peregrinos na praça de S. Pedro que esta cena, tão íntima e caseira, o comoveu porque reflecte a mensagem cristã do presépio:
– «“Deixem a mãe descansar” é a ternura da família e do casal. (…) Podemos convidar a Sagrada Família para nossa casa, onde há alegrias e preocupações, onde cada dia acordamos, tomamos as refeições e descansamos junto das pessoas mais queridas. O presépio é um “Evangelho doméstico”».
Quando S. Josemaria Escrivá (fundador do Opus Dei) ensinava que todos são chamados à santidade, alguns eclesiásticos consideraram que isso era uma heresia. Daí vem o mito de que o Opus Dei propõe uma santidade secreta. Parecia-lhes escandaloso que se chamasse santidade ao amor de Deus na vida comum, como dizia S. Josemaria: «Fazei tudo por Amor. – Assim não há coisas pequenas: tudo é grande. – A perseverança nas pequenas coisas, por Amor, é heroísmo». Anos depois, o Concílio Vaticano II ratificava esta mensagem como genuinamente cristã. Obviamente, bastaria lembrar a parábola de Cristo: «…servo bom e fiel, porque foste fiel no pouco, entra na alegria do teu Senhor!». No nosso tempo, Francisco fez desta mensagem um programa pastoral.
Há momentos em que Deus realiza milagres, mas parece haver algo errado se não os realiza, pela nossa tendência a rejeitar a normalidade: «Não é este o filho de José?», «o filho de Maria?», «aquele que vive connosco?»…
Pelo contrário, Deus abençoa a normalidade. A mãe santa de Jesus cantava, sorria, trabalhava e, cansada, adormecia. Bendito sono! Bendito José, seu marido, que velava o sono de Maria e entretinha Jesus para que ela não acordasse!
Poucos dias depois de ter celebrado o nascimento de Jesus, a Igreja celebra hoje a festa da Sagrada Família. Seria difícil encontrar um contraste mais flagrante com as concepções religiosas dominantes. O próprio Jesus comentou, um dia, que «ninguém é profeta em sua terra»: ninguém acredita que Deus possa estar presente na insignificância de uma família normal. Pois (é o que nos diz a festa de hoje), é mesmo aí que Deus está.