Foto: Rute Escola

Carlos Barros tem 27 anos e nunca emigrou. Mas conviveu, desde cedo, com a realidade que é receber, uma a duas vezes por ano, familiares que tiveram que ir à procura de melhor sorte noutros países.

Agora, o investigador e doutorando em Psicologia no Centro de Investigação em Ciência Psicológica da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, natural de Valongo, está a usar o seu projecto de doutoramento para tentar perceber o impacto da emigração de portugueses, “quer nos próprios emigrantes quer nas suas famílias que ficam em Portugal”. O objectivo é ajudar a que tenham uma vida melhor.

“Pretendo, com o meu trabalho, compreender de que modo a solidariedade inter-geracional pode amenizar o impacto desta mudança na vida destes portugueses/as e suas famílias, num contexto em que as políticas sociais se verificam como insuficientes para a protecção”, explica.

O estudo, designado “Famílias pelo Mundo”, procura estudar duas vagas migratórias com a colaboração dos jovens adultos, que emigraram mais recentemente, mas também dos pais que emigraram nas últimas décadas.

Trocou a história do mundo pelas histórias das pessoas

Carlos Barros nasceu em Sobrado, Valongo. Desde pequeno, sentiu os efeitos que uma família com elementos longe provocava. “Tinha vários primos, tios e tios-avós emigrados que nos iam visitando ao longo do ano e que traziam o factor ‘novidade’ que não era tão frequente na freguesia. Quando havia estas visitas era uma espécie de boa-estranheza por descobrir línguas que eu não entendia, comidas que eu não conhecia e modos de ver o mundo que me eram um pouco mais distantes”, conta o investigador em Psicologia. Uma realidade que se acentuou quando alguns familiares regressaram a Portugal.

O jovem fez o ensino básico em Sobrado e o ensino secundário em Valongo. Confessa que nunca foi “um aluno de excelência”, mas um bom aluno. “Safava-me. Interessava-me muito mais o que podia aprender informalmente e com as ferramentas que me davam”, recorda. “Por exemplo, havia alguns livros obrigatórios na escola que eu detestava, mas depois essa sensibilização para a leitura fazia com que eu quisesse ler outros livros. Acho que acabei por compensar no pro-activismo que tive na escola. Hoje em dia, considerando que ‘sobrevivi’ a uma licenciatura, mestrado e tendo o doutoramento em curso, acho que acabei por ser um bom aluno, apesar dos ‘apesares’”, brinca.

Ingressou no ensino superior na Universidade do Porto. Começou por frequentar o curso de História, mas rapidamente se apercebeu que estava mais interessado na história das pessoas do que na história do mundo. “Quando era estudante em História, apercebi-me de que as pessoas se relacionavam em ‘padrões’ sociais, económicos, políticos e até religiosos ao longo do tempo e isso fez-me questionar: mas e o que motiva a que as pessoas, individualmente e colectivamente, tomem decisões e construam o seu mundo? E foi aí que passei da História para as histórias das pessoas, das suas vidas e fui para Psicologia”, conta Carlos Barros.

Mora em Lisboa mas nunca perdeu a ligação a Valongo

Projecto pode ser conhecido na plataforma Famílias pelo Mundo (www.familiasmundo.com)

Já durante os tempos da licenciatura tinha-se mudado para a cidade do Porto. Mas sem nunca perder a ligação a Valongo. “Fiz sempre questão de manter raízes e colaborar o mais possível, como quando promovi trabalhos no museu de Valongo, ou ainda hoje em dia ao estabelecer acordo de cooperação entre a Câmara de Valongo e o meu projecto de investigação sobre a emigração”, explica.

Em 2016, rumou a Lisboa para terminar o doutoramento em Psicologia. Tudo aconteceu de forma repentina e, na cabeça, levava a frase da célebre música de Sérgio Godinho “Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”, que lhe tinha sido apresentada, anos antes, por uma professora de português. “Surgiu uma oportunidade de terminar o doutoramento na Universidade de Lisboa, num programa de doutoramento estratégico sobre migrações e com financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia”, recorda. “Foi tudo muito repentino, mas tive dois factores a meu favor: sempre gostei muito de cidades grandes, com diversidade, com realidades diferentes e fui crescendo com a ideia de que o lar é onde nós estamos, por isso acabou por ser mais amena a transição. No início foi difícil, chegar a um lugar onde não se conhece ninguém consegue ser agressivo, mas também profundamente recompensadora a oportunidade de conhecer tudo”, reconhece Carlos Barros.

A experiência está a ser profícua, garante. “Está ser mesmo muito bom conhecer e viver Lisboa, tal como ser doutorando e investigador na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. Faz bem construir uma realidade pessoal baseada em mais experiências e grupos de trabalho, sobretudo sabendo que estão bem vivos os laços de amizade e de gratidão com os meus colegas e professores da Universidade do Porto”, diz o valonguense que se considera um “cidadão do mundo” e diz que se sente em casa em todos os lugares onde já viveu (Sobrado, Porto e agora Lisboa).

“Eu nunca estive emigrado, porém vivi sempre a emigração no papel de pessoa que fica cá”

E é em Lisboa, no âmbito do doutoramento que está a realizar, que surge a ideia de estudar a emigração portuguesa e nasce o projecto “Famílias pelo Mundo”, inserido na investigação científica Solidariedade Inter-geracional em Famílias Transnacionais. O objectivo é contribuir para o estudo nos domínios das migrações e famílias em Portugal através da participação voluntária das famílias.

“A ideia de estudar a emigração surge de um casamento feliz entre eu ter crescido numa família com emigrantes e conhecer alguma da sua realidade e entre ter encontrado lacunas no estudo da emigração de portugueses/as, sobretudo numa época tão importante como foi a crise em que tínhamos tanta emigração e de perfis de pessoas tão diferentes”, explica Carlos Barros, que nunca esteve emigrado – apenas passou alguns períodos curtos no Brasil a trabalho – mas que conhece o papel de quem fica.

“Eu nunca estive emigrado, porém vivi sempre a emigração no papel de pessoa que fica cá. A emigração é muito mais do que a análise das pessoas que vão, é também o impacto nas pessoas que ficam, nas famílias, nos amigos”, defende o valonguense.

É precisamente essa a meta do trabalho que está a desenvolver: compreender como é que a emigração é vivida e sentida quer pelo emigrante, quer pela sua família que fica em Portugal. “Quero entender como é que a família vive em conjunto, ou não, esta separação geográfica. Não posso assegurar que seja um retrato da emigração portuguesa. Mas, de facto, a família, na teoria e no que tenho tido oportunidade de observar, tem sido um sistema de ajuda, quase como que uma mini Segurança Social em que as pessoas vão cooperando com o que podem/querem: seja com amor, presença, chamadas, dinheiro para ajudar no dia-a-dia para o bem-estar”, explica o investigador. E esta realidade afecta os dois lados da moeda. “Isto pode vir do emigrante para com quem fica, bem como o contrário, daí que um dos meus focos seja a solidariedade entre quem fica e quem vai, mas também o stress que isto pode causar”, refere.

Famílias que queiram colaborar só têm que preencher um formulário e ter uma conversa com o investigador

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Daquilo que vai percebendo das interacções já criadas, Carlos Barros adianta que em quem fica sente que “há muito a sensação de ninho vazio” porque “custa ver um filho/a, ou uma mãe ou um pai partir, mesmo que seja para algo bom”. Já em quem parte nota “que há muito a tentativa de se manter ligado com Portugal, mas também que isso não seja limitador do bem-estar”.

O estudo não esquece as mudanças que aconteceram na emigração nos últimos anos e aborda a emigração mais recente, de jovens adultos, mas também a dos pais, que emigraram em décadas anteriores. “Os emigrantes de hoje tendem a ter mais qualificações académicas e profissionais e vão mais seguros do que podem encontrar. Em grande parte dos casos não há tanto o ‘véu’ do desconhecimento do que será o país para onde vão emigrar. A realidade pode, depois, ser outra, mas as pessoas tendem a ir melhor preparadas quer para competir profissionalmente, quer no saber minimamente a língua”, reconhece o doutorando. “Os ‘novos’ emigrantes tendem a incluir-se e misturar-se mais nos países, enquanto os emigrantes de outrora tendem a juntar-se mais em comunidades. O que pode até ser bom, mas não é tão facilitador para a integração no país, sobretudo no aprender da língua”, sustenta.

Para conseguir realizar este projecto, Carlos Barros tem apelado às famílias de emigrantes que participem. Basta que quem parte e alguns dos familiares que ficam preencham um formulário e aceitem ter uma entrevista/conversa, presencial ou via Skype, com o investigador. “Já temos um número razoável de famílias a juntar-se ao projecto”, adianta o natural de Valongo, apelando a mais participação. O estudo tem financiamento até 2020 e todos os dados serão tratados de forma confidencial, garante.

Levar a repensar as políticas de protecção social aos emigrantes é objectivo

Carlos Barros acredita que os resultados do projecto poderão ter duas aplicações distintas: “promover a reflexão da comunidade científica, mas também, o que para mim é mais importante, levar a que se possam repensar as políticas de protecção social a estes emigrantes e famílias que muitas das vezes estão desprotegidos”. “É ainda minha intenção que se possa criar materiais para profissionais que trabalhem com estas realidades (psicólogos, médicos de família, assistentes sociais, educadores, agentes políticos) para que saibam como se pode intervir de forma mais informada”, acrescenta.

Considerando a migração um processo natural e em que agora é mais fácil “reduzir o sofrimento da distância”, o investigador diz que o importante é que as pessoas possam emigrar porque querem e não porque são obrigadas, por falta de oportunidades de trabalho ou de dinheiro.

Para saber mais sobre este projecto basta consultar o site www.familiasmundo.com.