Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Uma auditoria ao município de Penafiel para controlo do endividamento e da situação financeira evidenciou “indícios de infracções financeiras” e a Inspecção-Geral de Finanças (IGF) – Autoridade de Auditoria elaborou uma “proposta de encaminhamento dirigida ao Ministério Público junto do Tribunal de Contas”.

De acordo com o parecer, houve “violação, em 2017, do regime legal relativo ao limite da dívida total de operações orçamentais, tendo sido ultrapassado o valor máximo admissível desse ano (taxa de utilização de 112%)”. O documento aponta ainda o “desrespeito pelas regras previsionais relativas às receitas orçamentais resultantes da venda de bens imóveis e de empréstimos, factos que contribuíram para a prática de sobreavaliação na sua previsão das receitas, o que potenciava e gerou uma gestão orçamental e uma situação financeira de curto prazo desequilibradas”. Entre as infracções está também “o incumprimento da obrigação de redução, entre Setembro de 2016 e o final de 2017, do stock de pagamentos em atraso prevista na Lei do Orçamento de Estado para 2017, que cresceu cerca de 21%”.

O parecer da IGF conclui que “os factos descritos são susceptíveis, em abstracto, de gerar responsabilidade financeira sancionatória imputável ao presidente da Câmara Municipal em funções na época, cabendo a apreciação desta matéria ao Ministério Público junto do Tribunal de Contas”.

Há sanções que podem ser imputadas ao presidente da Câmara

“O regime legal de endividamento municipal é cumprido e a gestão orçamental e financeira é equilibrada e/ou sustentável ?”, foi a questão-chave que deu mote à acção de controlo realizada ao município de Penafiel.

A auditoria abrangeu, “especialmente”, o ano de 2017, e incidiu, principalmente, sobre a actuação do Departamento de Gestão Organizacional, mais concretamente, a Secção de Contabilidade e Tesouraria, lê-se no documento a que o Verdadeiro Olhar teve acesso.

A Câmara de Penafiel foi ouvida em 2019, para contraditório. A IGF explica que, como existiam “situações susceptíveis de relevar em sede de responsabilidade financeira sancionatória, foi, ainda, realizado, ao eleito local a quem foi imputada a eventual responsabilidade pela sua prática [Antonino de Sousa], o contraditório formal pessoal, através do envio, na mesma data da remessa do projecto de relatório para contraditório institucional, de um ofício e respectivos anexos, constando a análise da resposta recebida de uma informação autónoma que, após a homologação da tutela, será objecto de encaminhamento para o órgão jurisdicional competente para a sua apreciação (o Ministério Público junto do Tribunal de Contas)”.

As principais conclusões da auditoria revelam que no final de 2017, a Câmara de Penafiel cumpriu o limite da dívida total de operações orçamentais, mas violou o valor máximo admissível desse ano, com uma taxa de utilização de 112%, “situação que é susceptível, em abstracto, de relevar em termos financeiros (sancionatórios), sendo a eventual responsabilidade associada à prática descrita imputável ao Presidente da Câmara Municipal à data dos factos”. “A Autarquia cumpriu, quanto àquele exercício, a obrigação de prestação periódica de informação à Direcção-Geral das Autarquias Locais (DGAL) nesta matéria, mas os dados reportados não reflectiam, com fiabilidade, o valor da dívida total de operações orçamentais, pois foram apuradas diferenças, para menos, materialmente muito relevantes, no início e final daquele ano (1,9 milhões de euros e 4,2 milhões de euros)”, lê-se.

Também nesse ano, o Município “desrespeitou as regras previsionais relativas às receitas orçamentais resultantes da venda de bens imóveis e às de empréstimos, situação igualmente susceptível de configurar a prática de ilícitos de natureza financeira (sancionatória), imputáveis ao então Presidente da Câmara Municipal”. Outra das responsabilidades que pode ser atribuída a Antonino de Sousa é o não cumprimento da obrigação, prevista na Lei do Orçamento de Estado 2016, de redução do stock de pagamentos em atraso entre Setembro de 2016 e Dezembro de 2017, que aumentou nesse período em 2,1 milhões de euros”.

Gestão orçamental e situação financeira de curto prazo desequilibradas

A Inspecção-Geral de Finanças revela ainda que, em 2017, a Câmara de Penafiel “sobreavaliou a previsão das receitas orçamentais, com riscos elevados de realização e/ou existência de despesa (21,3 milhões de euros) sem que dispusesse de meios monetários para efectuar o seu pagamento, potenciando uma gestão orçamental e uma situação financeira de curto prazo desequilibradas, que acabaram por se concretizar”.

Outra conclusão é a de que a dívida global da autarquia penafidelense ascendia, no final desse ano, a um “valor materialmente relevante (32,3 milhões de euros), crescente face ao ano anterior e desadequado ao seu quadro financeiro, nomeadamente, das receitas orçamentais, as quais encontravam-se praticamente comprometidas logo no início do exercício (83,1%) face apenas a um conjunto de despesas certas que, em regra, se repetem todos os anos e apresentam um acentuado grau de inflexibilidade”.

O município de Penafiel também não cumpriu a regra do equilíbrio financeiro mínimo e apresentou “uma situação financeira de curto prazo desequilibrada, com um elevado saldo real de operações orçamentais negativo no valor de 21,9 milhões de euros” e “prazos médios de pagamentos a terceiros e a fornecedores superiores aos parâmetros legalmente previstos (268 e 220 dias, respectivamente)”.

“No final do referido exercício, apesar de estarem reunidas as condições legais para que o município de Penafiel pudesse recorrer a um processo de saneamento financeiro, tal facto não se verificou, não obstante a situação descrita quanto à dívida de curto prazo”, descreve o relatório.

Contas não reflectiam “com fiabilidade a situação financeira da autarquia”

Para a IGF, os documentos de prestação de contas “não reflectiam, com fiabilidade, a situação financeira da autarquia, nomeadamente, em termos de passivo exigível, dado que as correcções efectuadas foram materialmente relevantes (1,97 milhões de euros), ao que acresce um conjunto adicional de fragilidades em termos da adopção do POCAL, como a falta de implementação da contabilidade de custos e de utilização das contas de compromissos de exercícios futuros”. Aponta ainda que a Câmara tem uma “Norma de Controlo Interno desajustada da catual orgânica dos serviços municipais e que nunca foi revista no sentido da sua adequação às normas e princípios decorrentes das alterações legislativas mais recentes e um Plano de Gestão de Riscos de Corrupção e Infracções Conexas omisso em matéria de controlo do endividamento municipal, ao que acresce que não dispõe de nenhum serviço específico ou elemento responsável pela função de controlo interno”.

O documento termina com algumas propostas ao presidente da autarquia: definir e assegurar a adopção de procedimentos de controlo que permitam acompanhar a evolução da dívida total de operações orçamentais face às obrigações decorrentes do regime relativo ao respectivo limite, de modo a garantir o seu cumprimento em cada exercício; promover a identificação de todas as entidades relevantes para o limite legal de endividamento e criar procedimentos periódicos de circularização, recolha e validação de informação, o que permitirá a prestação de informação fiável à DGAL e o acompanhamento e controlo sistemáticos da posição da Autarquia nessa matéria; adoptar mecanismos e procedimentos de controlo que garantam cumprimento da obrigação de redução dos pagamentos em atraso anualmente imposta pelo Orçamento do Estado e o cumprimento das regras previsionais relativas às receitas orçamentais legalmente previstas; elaborar orçamentos rigorosos ao nível da receita prevista, conjugada com uma execução prudente do orçamento da despesa, visando, em especial, a manutenção de uma gestão orçamental equilibrada e garantir o pagamento atempado dos compromissos assumidos; proceder à revisão da Norma de Controlo Interno e do Plano de Gestão de Riscos de Corrupção e Infracções Conexas no sentido de, respectivamente, proceder à sua articulação com a actual estrutura orgânica dos serviços municipais e incluir os necessários procedimentos e controlos relacionados com endividamento municipal; e designar um serviço ou pessoa responsável pela função de controlo interno.

Partido Socialista diz que há muito alerta para uma “uma gestão financeira da autarquia apenas e só focada no calendário eleitoral”

O Partido Socialista de Penafiel emitiu um comunicado denunciando a questão. “É com muita preocupação, mas não com surpresa que o Partido Socialista de Penafiel tomou conhecimento das conclusões do relatório da IGF sobre a situação financeira da Câmara Municipal de Penafiel. Com efeito, o referido relatório revelou indícios claros de infracções financeiras, tendo as suas conclusões sido remetidas pela IGF ao Ministério Público, para efeitos de apuramento de responsabilidade financeira do doutor Antonino de Sousa”, destaca o presidente da comissão política, Nuno Araújo.

“A IGF concluiu que a Câmara Municipal de Penafiel tem uma situação financeira desequilibrada; que há falta de fiabilidade da informação contabilística; que foi prestada informação incorrecta à DGAL; que a dívida global é relevante e desadequada do quadro financeiro da autarquia; que houve desrespeito de regras previsionais; sobreavaliação na previsão de receitas orçamentais, entre outras infracções financeiras de relevo. Este relatório é revelador de uma situação financeira desastrosa e claramente comprometedora do futuro dos penafidelenses”, aponta o PS, acrescentando que há muito que tem alertado para “uma gestão financeira da autarquia apenas e só focada no calendário eleitoral e desprovida de qualquer compromisso com a verdadeira melhoria da qualidade de vida dos penafidelenses”.

“O Partido Socialista acompanhará com a atenção e preocupação que esta situação impõe, o processo de investigação do Ministério Público e agirá em conformidade”, conclui comunicado.

Câmara garante que já corrigiu situações levantadas

Já a Câmara Municipal de Penafiel esclarece que a referida Auditoria menciona uma “eventual” violação de normas do regime legal relativo ao limite da dívida total de operações orçamentais em 2017, mas, sustenta o município, “as situações referidas, de carácter meramente contabilístico, foram corrigidas de imediato, tendo sido dado conhecimento à IGF de todas alterações efectuadas”.

“As circunstâncias referidas, que datam de 2017, estão hoje totalmente ultrapassadas, tendo sido implementados processos administrativo/financeiros com vista à correcção dos pontos em questão”, garante o município em resposta enviada.

A autarquia sustenta ainda que “apresenta actualmente as melhores contas dos últimos anos, a todos os níveis, fruto de uma gestão rigorosa, que mereceu aprovação por unanimidade no exercício de 2020”, tendo também as contas de 2021 sido aprovadas em reunião de Câmara, no passado dia 19, “sem quaisquer votos contra”.