O presidente da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, Humberto Brito, declarou na segunda-feira, em Assembleia Municipal, que só pagará à Águas de Paços de Ferreira, caso seja essa a decisão do Tribunal de Contas. Para o autarca, a decisão de alteração do tarifário cabe apenas à autarquia. O PSD sugere, no entanto, que a baixa do preço da água aconteceu em 2017 por ser ano de eleições.
Na semana passada, a Águas de Paços de Ferreira enviou aos consumidores do concelho uma carta a avisar que, a partir desta terça-feira, iria aumentar o preço da água, aplicando o tarifário anterior, que vigorava antes de Maio de 2017. Esta decisão implica também que volte a ser paga a tarifa de disponibilidade, abolida nessa altura.
A empresa referiu que a redução do tarifário tinha sido aprovada no âmbito do processo de reposição do equilíbrio económico financeiro da concessão e, por isso, “só o acordo de reposição financeira legitimava a aplicação do tarifário, e esta não podia existir sem aquela”, defende a concessionária.
A Águas de Paços de Ferreira disse ainda que o acordo que legitima o tarifário não foi assinado pela Câmara, o que faz com que o tarifário actualmente em vigor não tenha “suporte legal e contratual sem a concretização do referido acordo que o legitimou”.
A Câmara Municipal e o PSD têm vindo a manifestar-se sobre o assunto. Por um lado, o PSD referiu, em comunicado, que “o acordo não foi sequer por ele [Humberto Brito] assinado, apesar de aprovado em reunião de Câmara e Assembleia Municipal”.
Por outro lado, o município garantiu, também em comunicado, que a decisão foi “unilateral” e que esse aumento “é ilegal”, já que a competência para a fixação do tarifário da água e saneamento é, em exclusivo, da Câmara Municipal.
“Não colocarei nenhuma assinatura minha em documentos sem ter visto do Tribunal de Contas e da ERSAR”
Em Assembleia Municipal na segunda-feira, Hugo Lopes, representante da bancada do PS, referiu que “o PSD tratou sempre a questão da água dentro de um quarto escuro” e que “a gestão do contrato de concessão foi sempre feita às escondidas e alvo de um conjunto de decisões, instruções e alterações sem o devido escrutínio público”, entre 2004 e 2013, ano em que “foi descoberto um pedido de reequilíbrio económico-financeiro da concessão superior a 100 milhões de euros e guardado pelo PSD a sete chaves no local do costume”.
“Iniciámos as necessárias conversações com a concessionária no sentido de que a inevitável indemnização resultante dos evitáveis e imperdoáveis erros de gestão pudesse ser resolvida. No entanto, o actual executivo sempre colocou como condição para se chegar a um entendimento com a empresa privada, a obtenção de autorizações superiores designadamente os vistos do Tribunal de Contas e parecer da ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos)”, continuou.
Humberto Brito, presidente da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, explicou que o memorando de entendimento em causa foi votado em assembleia a 28 de Setembro de 2018 e que o tarifário “posto em causa pela concessionária” tinha entrado em vigor em Maio de 2017, “muito antes de o memorando vir aqui e ser apresentado”. “Aí fica mais que cabalmente demonstrado que a assinatura não tem nada a ver com o tarifário”, conclui. “Não colocarei nenhuma assinatura minha em documentos sem ter visto do Tribunal de Contas e da ERSAR”, continua.
Para o presidente o argumento da falta de assinatura “não é válido”, uma vez que “as deliberações ou as minutas que são propostas não têm de ser assinadas, são assinados os contratos”. “Muito menos um memorando que é um acordo de princípio, não é nenhum contrato. As alterações contratuais só são válidas e eficazes a partir do momento em que o Tribunal de Contas valida e, aí sim, serão assinados os contratos porque temos uma entidade superior a dizer ‘pode assinar’. Nunca na vida, sem dar conhecimento aos órgãos autárquicos e ter a aprovação, assinaria uma coisa destas”, garante.
Foi ainda explicado pelo presidente que o processo “está em aberto” e, por agora, “está cá para responder a um conjunto de questões”. “Em nenhuma questão do Tribunal de Contas é falada a assinatura”, indica, perguntando ao PSD de que lado estão. “Não pagaríamos um cêntimo sem que o Tribunal de Contas e a ERSAR dissesse que tínhamos de pagar e é isso que vou fazer, custe o que custar”, sublinhou ainda.
“Esteve a prejudicar os munícipes durante quatro anos”, acusou PSD
Luís Miguel Martins, líder da bancada do PSD, afirmou, em Assembleia Municipal, que o partido está “do lado da população” e leu uma propaganda eleitoral de Humberto Brito, apresentada durante a campanha eleitoral de 2017. Neste panfleto, o deputado leu que o município tinha celebrado um acordo com a Águas de Paços de Ferreira “no sentido de regularizar o contrato de concessão e reduzir o preço da água, acordo muito difícil de alcançar” e que tinha dado o prazo limite de dois meses para que a ERSAR e o Tribunal de Contas se pronunciassem. “Assim, sendo, com ou sem o parecer da ERSAR, o tarifário acordado entrará em vigor a partir de Maio de 2017. Para além disso e conforme compromissos assumidos na última campanha eleitoral a tarifa da água de disponibilidade deixa de existir”, continua a leitura do documento, referindo que “para isto, não precisou do parecer da ERSAR nem do Tribunal de Contas”.
Humberto Brito explicou que o primeiro memorando data de 2015 e que foi enviado para a entidade reguladora, que deu sucessivas opiniões, e, em 2017, a ERSAR acabou por só se pronunciar 30 dias antes das eleições a dizer que não aprovava o documento, mas, nessa altura, o tarifário já estava em vigor. “Era um benefício para a população. Estou aqui para dar a cara”, exclamou.
Luís Miguel Martins questionou ainda o que os cidadãos devem fazer: Pagar ou não a alteração que a empresa referiu no preço da água. “Fui eleito democraticamente para tomar decisões e as que tomo no seio do executivo municipal, são para serem aplicadas na esfera jurídica municipal e se alguém entende que não é bem assim tem os seus direitos, recorre graciosamente ou judicialmente. Não tivemos nada disso e devo dizer que a concessionária nunca questionou sequer um memorando. Não há nenhuma carta sequer a questionar que o memorando deixou de ser válido e deixou de ser eficaz”, refere Humberto Brito, acrescentando que “a resposta está dada naturalmente” se for cumprida a lei.
Pedindo esclarecimentos sobre a “alteração do tarifário antes da campanha” das autárquicas, o representante da bancada do PSD também questionou o porquê de o tarifário da água não ter sido baixado entre 2013 e 2017, uma vez que “o senhor presidente disse que quem tem a responsabilidade de fazer o tarifário ou de alterar é exclusivamente a Câmara”. “Esteve a prejudicar os munícipes durante quatro anos”, sublinhou Luís Miguel Martins, acusando ainda o presidente de que estava a “fazer um comício”.
O deputado sugeriu ainda que fosse marcada uma reunião com a empresa em questão, que contaria com os membros do PS e do PSD para “perceber o que se passa”, “ouvir e tentar encontrar soluções”.
“Eu não aumentei o preço da água, que fique claro, e cá estarei para resolver este problema, não abandonarei o barco para que este problema seja resolvido, mais um entre muitos que os senhores deixaram por resolver. Nos últimos dois anos e atá à data, a população beneficiou de um tarifário bastante mais aceitável do que aquele que durante muitos anos os senhores abarcaram e que fazia com que se pagasse a água mais cara de Portugal”, rematou Humberto Brito.