Quando o tribunal declarou a insolvência da PFR Invest, empresa municipal de Paços de Ferreira, ficou em cima da mesa, entre outras, uma questão: o que iria ser dos terrenos da antiga Esquadra 12, no coração da cidade?
Em entrevista ao Verdadeiro Olhar, em 2017, o presidente da Câmara de Paços de Ferreira, Humberto Brito, afirmava que o município teria “sempre uma palavra a dizer” sobre o que viesse a acontecer à Esquadra 12. “Enquanto presidente de câmara terei todo o interesse em manter aquele espaço sob a esfera municipal”, referia, aludindo à existência do direito de preferência sobre aqueles terrenos e os de algumas escolas.
Mas o espaço, que fazia parte da massa insolvente da PFR Invest, acabou vendido por cerca de 1,5 milhões de euros a um privado. Recentemente, a própria Câmara anunciou que já foi apresentado um projecto para lá instalar um empreendimento habitacional, um hotel, um supermercado e um restaurante de fast food.
Questionada, a autarquia pacense não explica se procurou ou não ficar com os terrenos e o porquê de não ter exercido o direito de preferência.
Contactado, o presidente da Junta de Paços de Ferreira e actual presidente do PSD local, Alexandre Costa, defende que o espaço devia ter sido para equipamentos desportivos e de educação, ainda que pudesse ser complementado com habitação e comércio. Mas visto que a venda já está concretizada, alerta para a necessidade de garantir que qualquer projecto ali implementado não deixe de evocar as memórias da Esquadra 12, em termos arquitectónicos ou de materiais usados, preservando-se a história do concelho e da cidade.
“Não estou preocupado com essa situação porque será sempre o município a decidir o que é que lá pode e não pode ser feito”
No âmbito de um largo projecto de regeneração urbana, o executivo da Câmara de Paços de Ferreira, na altura liderado pelo PSD, previa para os terrenos da antiga Esquadra 12, a instalação de uma Cidade Tecnológica, num investimento de 3,4 milhões de euros. A meta era criar numa área, com cerca de 30 mil metros quadrados, um “Innovation Hub” promotor do empreendedorismo, juntando ensino, investigação e desenvolvimento, com edifícios destinados ao acolhimento de empresas, incubação, formação profissional, ensino superior, laboratórios, workshops e o Centro de Avançado de Design de Mobiliário.
Era a PFR Invest que lideraria o processo com um conjunto de parceiros. Por isso, os terrenos foram vendidos à empresa municipal por cerca de 2,2 milhões de euros, com os votos contra dos socialistas, na altura na oposição, que consideram se tratava de “engenharia financeira”. “A PFR Invest está ao serviço de uma política de gestão municipal, tem outra margem de manobra e maior facilidade de gestão”, referiu o, à época, presidente da autarquia, Pedro Pinto (PSD).
Mas o projecto da Cidade Tecnológica acabou por ficar pelo caminho e, em 2014, o novo executivo camarário, já liderado pelo PS, optou por avançar com um Processo Especial de Revitalização da PFR Invest para contornar as dívidas superiores a 42 milhões de euros.
O processo, longo, acabaria com a primeira declaração de insolvência da empresa em 2015, que só acabou por ser oficializada em 2017. Os terrenos da antiga Esquadra 12 faziam parte da massa insolvente.
Em 2017, em entrevista concedida ao Verdadeiro Olhar no âmbito das eleições autárquicas, o presidente da Câmara de Paços de Ferreira dizia que não estava preocupado com o desfecho desses terrenos, nem com os de escolas que também estavam na alçada da antiga empresa municipal porque havia “o direito de superfície e o direito de preferência do município”.
Humberto Brito referia que os terrenos estavam “contratualizados com o município”. “Quando formos chamados a pagar o valor não é assim tão grande quanto isso que não possa ser liquidado e os terrenos serão naturalmente do município”, disse. “A passagem da Esquadra 12 para a PFR Invest foi uma decisão que o anterior executivo tomou e foi contestada, nomeadamente por mim, na altura. A questão que se coloca é: por que é que a Esquadra 12 passou para a PFR? Claramente que foi uma operação de natureza financeira de financiamento do município. A Esquadra 12 tem serviços que são ocupados pelo município, há contratos que estão estabelecidos de utilização dos espaços e temos instrumentos ao dispor do município, nomeadamente via Plano Director Municipal, sobre a legalização de qualquer infra-estrutura que lá se possa colocar… (…) Não estou preocupado com essa situação porque será sempre o município a decidir o que é que lá pode e não pode ser feito. A câmara municipal terá sempre uma palavra a dizer sobre o que venha a acontecer à Esquadra 12. Enquanto presidente de câmara terei todo o interesse em manter aquele espaço sob a esfera municipal”, afirmava à época o actual edil.
Terrenos adquiridos por 1,5 milhões de euros
O certo é que os terrenos acabaram por ir a hasta pública em Janeiro de 2020. Foram adquiridos por uma empresa privada por cerca de 1,5 milhões de euros (€1.455.000,00) e a escritura foi feita no final de Agosto do ano passado.
Em Janeiro deste ano, a Câmara de Paços de Ferreira divulgou que tinha sido apresentado “um projecto imobiliário e uma nova centralidade nos terrenos da antiga Esquadra 12” pelo Grupo Ferreira, que terá adquirido o espaço. “A exemplo do complexo urbanístico de Vale Pisão, em Água Longa, projectado pelos mesmos investidores, o empreendimento contempla a construção de habitação de qualidade, um hotel, um supermercado, um restaurante baseado no conceito fast food, para além de um conjunto de lojas e espaços para serviços”, descreveu o município, apontando ainda a “total requalificação da zona envolvente, com a criação de espaços verdes e a abertura de uma nova via no interior do empreendimento, oferecendo mais alternativas de mobilidade no centro da cidade”. Depois de conhecer o projecto e de uma visita técnica ao local, a autarquia adiantava que iria ser apresentado “um projecto ainda mais detalhado e enquadrado na tipologia da regeneração urbana em curso”.
O Verdadeiro Olhar perguntou à Câmara de Paços de Ferreira porque decidiu não exercer o direito de preferência sobre aqueles terrenos, como tinha sido defendido por Humberto Brito, se concorda com o investimento imobiliário e comercial previsto e se o licenciamento já deu entrada nos serviços, mas não obteve resposta.
“Deviam ter sido feitos esforços para que aquilo não fosse para privados” e é preciso que se preserve a história
Contactado sobre este tema, o presidente de Junta da Freguesia de Paços de Ferreira, e agora também presidente do PSD, que já em 2015 se mostrava preocupado com o destino daqueles terrenos e defendia que deviam ser acautelados, continua a achar que o espaço da antiga Esquadra 12 devia ser ocupado com equipamentos desportivos e de educação, ainda que o projecto pudesse ser complementado com habitação e comércio.
“Foi pena aqueles terrenos terem sido vendidos e não terem sido acautelados por parte da autarquia aquando do processo de insolvência da PFR Invest. Devia ter havido essa preocupação”, argumenta Alexandre Costa. “Deviam ter sido feitos esforços para que aquilo não fosse para privados, como aconteceu, por exemplo, com os terrenos do Parque Urbano, agora um equipamento muito utilizado pelos pacenses. Não vou dizer que era fácil, mas se tivesse sido esse o caminho teria a anuência do PSD”, acrescenta, dizendo que devia ter havido discussão em torno do tema.
Agora que a venda está concretizada e já há um projecto privado, o presidente da junta acredita que é preciso garantir que qualquer ideia ali implementada não deixa de evocar as memórias da Esquadra 12, ou através da arquitectura ou de materiais usados. “O espaço da antiga Esquadra 12 tem uma grande simbologia na cidade e concelho. São muitas as famílias que se fixaram cá devido à Esquadra 12 e existe um grande legado histórico que devia ser preservado”, alega Alexandre Costa, que apela à Câmara de Paços de Ferreira que faça essa sensibilização junto dos investidores, caso ainda não o tenha feito.
Isso não aconteceu, por exemplo, também com a mais antiga fábrica de mobiliário em Freamunde, que foi demolida para dar lugar a um supermercado. Também aí os empresários deviam ser motivados a preservar a história daquele lugar com alguns elementos no novo edifício, defende. “Em ambos os casos devia ter havido discussão pública, sem pôr em causa os investimentos, e ter-se procurado manter a identidade”, afirma o líder do PSD pacense.
O Verdadeiro Olhar também tentou ouvir a autarquia sobre estas declarações, mas sem sucesso.