Há uns anos, encontrei um professor católico na Universidade de Singapura, exemplar raro naquele cantinho da Ásia onde o número de cristãos é baixíssimo. Apercebi-me de que os alunos apreciavam muito as aulas dele, o que lhes deve ter aguçado a curiosidade. Um dia, um grupo foi perguntar-lhe: «É verdade que o professor fala com Deus?». «Sim…». Silêncio, para recuperar da surpresa e ganhar balanço para a nova pergunta: «Quando é a próxima vez em que volta a falar com Ele?».
Lembrei-me deste diálogo quando o Pedro Aguiar Pinto morreu, porque ele também era professor (da Faculdade de Agronomia de Lisboa) e porque, de facto, ele falava com Deus. O mais extraordinário é que Deus também falava com ele, a ponto de o Pedro achar normal uma pessoa ouvir Deus. Ao longo de anos, foi uma autêntica experiência de diálogo, sem toques de sentimentalismo nem derivas esotéricas. Um diálogo propriamente dito, não uma imitação. Um diálogo muito íntimo. Só a amizade muito forte abria pequenas fragilidades nessa intimidade tão bem guardada e nos permitia espreitar lá para dentro.
Felizmente, o Pedro tinha muitos amigos, de quem se sentia responsável e procurava aproximar de Deus. Há poucos dias, tinha-lhes escrito uma carta, que depois publicou, a convidar quem quisesse ir com ele a Fátima. «Porque se vai a pé a Fátima?» – começava a carta – «Em primeiro lugar para responder ao pedido de Nossa Senhora (…), depois, por muitas razões que nem nós sabemos. Julgamos que vamos com um objectivo e o que acontece no caminho mostra-nos que afinal era de outra coisa que nós precisávamos». Sem entrar em pormenores, queria empurrar os seus amigos por uma experiência de oração que os abrisse às surpresas de Deus. Porque há quem reze para convencer Deus e o Pedro rezava para se deixar convencer por Deus.
Ele era um bocadinho engenheiral, mais dado a experiências concretas e a cálculos do que a hipérboles literárias. Por isso, a oração dele não era preguiça nem imaginação, era intelectualmente lúcida e activa. Naquele convite, prometia a quem fosse à peregrinação: «uma verdadeira experiência, porque nela descobrimos a inteligência do sentido das coisas». Não se referia a curiosidades eruditas, referia-se àquela compreensão dos planos divinos que abre o caminho a uma entrega mais plena. É esse desejo de oração, esse amor activo, que ele queria para os seus amigos.
A morte do Pedro ocorreu a meio desse percurso, quando ninguém estava à espera. Saudável e satisfeito, guiava um grande grupo de peregrinos. Bastantes pertenciam ao Movimento Comunhão e Libertação, como ele, mas muitos outros eram apenas amigos. No momento da morte, a pequenina carta, de dias atrás, adquiriu um sentido novo e respondeu à surpresa: «Julgamos que vamos com um objectivo e o que acontece no caminho mostra-nos que afinal era de outra coisa que nós precisávamos».
Sem o Pedro prever, as pequenas sementes que ele lançou ao longo da vida cresceram com exuberância. Por exemplo, uns «emails» que enviava ocasionalmente a alguns amigos alargaram-se em poucos anos a uma «mailing list» quilométrica, alimentaram um blogue muito visitado («o Povo»), expandiram-se por várias redes sociais, até levar diariamente, a dezenas de milhar de leitores, uma selecção de textos sobre os grandes temas da pessoa humana e da sociedade e sobre Deus. (Algumas vezes, esta divulgação incluiu artigos que escrevi para o «Verdadeiro Olhar» e outros jornais).
Agora, vou dar uma notícia em primeira mão: mal chegou ao Céu, o Pedro correu a inscrever-se em Agronomia Geral e noutras cadeiras de que foi professor. Sentado na primeira fila, queria finalmente esclarecer umas dúvidas, por exemplo, acerca daquela técnica do «grão de trigo que, se não morrer fica infecundo e se morrer dá muito fruto» (Jo 12, 24-25). Que aula! – dizia ele todo satisfeito – Agora sim! Isto «é uma verdadeira experiência, porque nela descobrimos a inteligência do sentido das coisas».