Apaixonado pelo Rio Mezio desde a juventude, altura em que se lembra de um curso de água usado para banhos e estimado pelos agricultores das suas margens, foi sem hesitação que Filipe Costa, de Casais, se juntou, com a família, a um projecto que tem como meta proteger e monitorizar os rios e ribeiros do concelho de Lousada.
Nos últimos meses é um dos cerca de 50 “guarda rios” que adoptaram troços de um curso de água no concelho. Todas as semanas percorre as margens da zona que apadrinhou em busca de problemas, que reporta, e executa acções de limpeza.
“Adoro este rio há muitos anos e gostei do projecto por poder participar na manutenção do rio”, descreve o lousadense de 36 anos. “Antigamente todos os proprietários com terras ao pé do rio tinham tudo limpo e antes de existir o Parque de Lazer de Casais era aqui, neste troço, que toda a gente se vinha refrescar”, recorda.
Além da vigilância, contribui, com a mulher e os dois filhos, para manter as margens sem excesso de vegetação. “Ter muita vegetação não ajuda à reprodução de peixe, por isso é que estamos a reduzi-la e a fazer mondas”, explica.
Para exercer esta função de guardião, Filipe Costa inscreveu-se, recebeu um kit e formação. “Fui dos primeiros a adoptar e todas as semanas patrulho esta área a ver se há lixo, alguma anomalia com os açudes ou poluição a reportar”, dá como exemplo.
Tem um restaurante, mas também se dedica à agricultura num campo nas margens do rio que está na família há mais de 50 anos. “Sempre que é necessário intervir no rio temos a ajuda de voluntários. É simples fazer este trabalho e era importante que mais gente adoptasse troços de rio”, apela.
Ainda há dezenas de troços de rios e ribeiras para adoptar
Se aquilo que Filipe Costa faz pode ser considerado uma gota de água num oceano, o objectivo do projecto Guarda Rios é sensibilizar toda uma comunidade, para que muitas gotas atenuem os problemas dos rios e ribeiras do concelho.
O inventário realizado explica o vereador do Ambiente da Câmara Municipal de Lousada, permitiu caracterizar 11 cursos de água distribuídos por todo o concelho, com um total de 52 quilómetros de extensão. “De entre estes, destacam-se pela sua dimensão e características ecológicas os rios Sousa e Mezio e as ribeiras de Caíde, de Barrosas, de Ponterrinhas e de Sá. A caracterização destas massas de água permitiu definir 127 troços disponíveis para adopção e monitorização, dos quais cerca de quatro dezenas estão já adoptados. Mais de 50 cidadãos já adoptaram troços de rio, seja a título individual ou colectivo, através de associações, empresas e até entidades públicas locais”, afirma Manuel Nunes. “Também as escolas se envolveram com determinação neste projecto, adoptando diversos troços por todo o concelho e envolvendo mais de 200 alunos em acções de monitorização, limpeza e recuperação ecológica. Destas acções resultaram, até ao momento, a plantação de centenas de árvores e a recolha de mais de 5.000 litros de lixo do leito e das margens dos rios e ribeiras”, acrescenta.
Mas o que pretende afinal este projecto lançado em Setembro de 2018 e integrado numa estratégia mais vasta para a conservação da natureza e educação ambiental e para o ordenamento e a valorização do território municipal.
“O projecto tem diversos propósitos. Desde logo visa o envolvimento das comunidades locais e o trabalho em parceria, num programa de inspecção e monitorização do estado ecológico das massas de água de Lousada, através da adopção de troços de rios ou ribeiras e a participação em acções de limpeza e melhoria ambiental, como seja a remoção de plantas invasoras ou infestantes, a plantação de árvores ou a renaturalização de áreas degradadas. Por outro lado, com a criação destas patrulhas voluntárias de Guarda Rios, pretende-se conhecer em tempo real os problemas de que estas massas de água possam padecer e garantir uma resposta imediata em termos de fiscalização formal, com o apoio das entidades competentes”, clarifica o autarca.
Os problemas identificados têm sido muitos, desde a destruição da vegetação ribeirinha a descargas de efluentes provenientes quer de explorações agropecuárias, quer de pequenas unidades industriais, passando pela deposição ilegal de resíduos e ainda pela utilização massiva de químicos (tanto adubos como pesticidas) nas áreas agrícolas que marginam muitos dos cursos de água.
“Há quem use as margens do rio como lixeiras, para pôr sofás, electrodomésticos, esferovite, sacos com entulho das obras…”
Daniela Barbosa, bióloga do município e coordenadora do projecto, conhece de cor estas situações. “Cá há muitos focos de poluição, alguns pontuais, que conhecemos e sobre os quais já actuamos, de vacarias, por exemplo. E há quem use as margens do rio como lixeiras, para pôr sofás, electrodomésticos, esferovite, sacos com entulho das obras… Já encontrei animais mortos. Todas as semanas faço muita fiscalização”, explica.
Depois de se inscreverem como patrulhas guarda rios e escolherem o troço a adoptar, os envolvidos recebem um kit (inclui um colete, uma sacola, fichas de registo e um manual) e formação sobre as práticas no voluntariado ambiental, a biodiversidade dos rios, o que é um rio e uma margem bem preservada, as árvores e animais que existem, o que é uma água com qualidade e as leis em vigor, entre outros. “O grande problema no caso dos rios é a falta de conhecimento. Mesmo os próprios agricultores, que são quem mais usufrui do rio e quem mais o pode preservar e quem muitas vezes o maltrata, têm de ser sensibilizados”, defende a bióloga.
Quem apadrinhar um troço de 250 metros de rio tem depois de visitar a área pelo menos quatro vezes por ano e preencher uma ficha de caracterização. As informações recolhidas permitem a Daniela Barbosa conhecer os principais problemas e saber quais os locais prioritários onde devem actuar. “Isto é para proteger a água, um património que é de todos. É preciso perceber que esta água que passa no rio é água que vai parar às nossas torneiras”, refere.
Crianças patrulham e retiram plástico do Rio Sousa
Quem também percorre as margens dos três troços dos rios que adoptaram, realizando acções de monitorização ou à procura de focos de poluição, é a patrulha InRios.
Cerca de 25 crianças de um centro de estudos de Meinedo trocam, pontualmente, as explicações por idas ao terreno em que aprendem mais sobre os animais e vigiam o estado do Rio Sousa.
“Dão uma volta, vêem se há lixo e preenchem uma ficha sobre como estão as margens e o rio. Desde que começaram as patrulhas detectamos sobretudo plásticos. Embora sejam daqui, vêm entusiasmados e atentos ao que se está a passar. Estes projectos são bons porque os miúdos ficam sensibilizados”, resume Fátima Couto, explicadora.
As crianças confirmam. “Vemos se o rio tem condições ou se está poluído. Se estiver poluído recolhemos o lixo e deitamos nos sítios certos. Exploramos os animais que existem, desde lontras a alfaiates. Temos encontrado lixo, sobretudo plástico. É muito importante preservar os rios. Ou daqui a pouco não teremos nada, serão uma lixeira”, acredita o pequeno Martim Moreira, de 12 anos.
“Já tinha vindo aqui algumas vezes com os meus pais. E via aqui pessoas a nadar e a lanchar que atiravam lixo para os rios. Com estas pequenas coisas conseguimos ajudar. Estamos a tirar pedaços de poluição”, acrescenta Daniel Ribeiro, de nove anos, de Bustelo. “Já conhecia o rio. Agora preocupo-me mais a protegê-lo porque percebi que está poluído. Isso faz mal à natureza”, sustenta Ruben Monteiro, de oito anos, de Meinedo.
Um pouco mais velho, Hugo Mendes salta para dentro de água para ajudar a recolher lixo. Tem 15 anos e lembra-se de vir pescar com os pais quando o rio era diferente. “Agora não vimos. O rio está poluído”, diz. Para ajudar a reverter a situação, a “turma” tem ajudado a preencher as fichas sobre como estão as margens do rio, explica. “Há quatro ou cinco anos havia mais animais, sobretudo peixes. Agora tentam fugir deste habitat, mas ainda existem alguns e anfíbios e répteis, libelinhas e alfaiates”, refere o jovem.
Voluntários dão apoio na limpeza
Nem sempre são as patrulhas que resolvem todos os problemas. Para os mais significativos são convocados voluntários.
“Ao longo dos últimos meses, seja por via das escolas ou por acções das patrulhas que já adoptaram troços de rios, o número de voluntários em trabalho de campo tem sido uma constante. Todavia, desde Junho que o município tem vindo a promover acções de voluntariado ao abrigo do Programa Voluntariado Jovem para a Natureza e Florestas, apoiado pelo IPDJ, especificamente dirigidas aos vários projectos ambientais em curso, entre eles o Guarda Rios. De resto, entre 2 e 13 de Setembro, em parceria com a Associação APRISOF e a Associação BioLiving, Lousada acolhe, ao abrigo do projecto Guarda Rios, um Campo Internacional de Voluntariado designado EcoRivers, orientado para a conservação dos ecossistemas ribeirinhos”, adianta o vereador do Ambiente.
No Rio Mezio, nas margens patrulhadas por Filipe Costa, Natália Teixeira, de 22 anos, está de férias mas veio ajudar, limpando o terreno em torno de árvores recentemente plantadas, para que possam crescer. “Aqui aprendemos mais sobre os rios e sobre os animais. Lousada tem muitos rios mas estão um bocado mal preservados”, comenta a jovem que terminou uma licenciatura em Marketing. De lado, não está a hipótese de também ela adoptar um troço de rio. “Também já fiz limpeza no rio e na Mata de Vilar. Toda a gente pode contribuir. São apenas algumas horas e é uma maneira de ajudar e aprender mais”, atesta.
Dentro de água, Carolina Oliveira, de 19 anos também acaba de se juntar ao voluntariado. Achou que seria uma boa maneira de ocupar o tempo livre durante as férias. “A parte do ambiente sempre me interessou e vivemos numa área propicia a estas acções”, acredita a jovem de Lousada. Esteve a arrancar ervas para que a água possa circular. “Não estou habituada a trabalho pesado, mas com a ajuda dos biólogos e dos outros voluntários não é muito difícil”, garante a estudante do ensino superior.
Francisco Leal, estudante de Filosofia, de Paços de Ferreira, também esteve a fazer o mesmo trabalho. “Inscrevi-me com uns amigos. Somos um grupo que gosta deste tipo de actividades e que está atento às alterações climáticas. É a primeira vez que venho ajudar e isto não custa muito e é divertido”, assegurava, realçando a importância de estarem a ajudar o ambiente. “Há muitos rios a precisar desta intervenção. O Rio Ferreira, em Paços de Ferreira, também está a precisar”, deu como exemplo.
Projecto já faz a diferença
Desde o início do projecto, já há diferenças, garante Manuel Nunes. “Para além do aumento da sensibilização da comunidade para a importância dos ecossistemas aquáticos, os resultados mais notórios repercutem-se no reconhecimento da população da existência da figura do guarda rios. O reporte e denúncia de ameaças tem sido frequente, promovendo desta forma a fiscalização e a resolução rápida dos problemas”, explica o autarca.
Com a presença regular no terreno, a meta da autarquia é que seja alterado “o paradigma de alheamento e indiferença com que se encararam, durante muito tempo, os rios e ribeiras do concelho”. “Enquanto esse paradigma não mudar radicalmente, convertendo a população, ela própria, em Guarda Rios, o projecto manter-se-á”, adianta.
A longo prazo, a Câmara de Lousada espera que melhore o estado das massas de água do concelho, seja reduzido o número de ocorrências graves e que haja mais consciência colectiva acerca da importância destes ecossistemas frágeis para a qualidade de vida das populações e para as suas dinâmicas sociais, culturais e económicas.