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A equipa de sub 19 do Shakhtar Donetsk sagrou-se, recentemente, campeã da Ucrânia. À frente dela está um técnico da região: Fernando Valente, natural de Lousada, mas com a vida intrinsecamente ligada ao concelho de Paredes, onde vive há 35 anos.

Fernando Valente é treinador dos sub 21 e coordenador técnico dos sub 19 e sub 17 do clube, tendo “intervenção directa e próxima do processo de treino destas equipas”.

Numa curta entrevista, o treinador, que já foi jogador profissional de futebol, fala da sua carreira e da ligação ao Shakhtar, clube com o qual terminará a relação no final do mês, mas onde as portas poderão estar abertas a outros voos.

Fernando Valente tem 61 anos, é casado e tem dois filhos, Zé e Rui Valente, também jogadores de futebol, e uma filha, Ana Leonor, fotógrafa que vive em Berlim.

Como e quando chega ao Shakhtar e quais os principais desafios que enfrentou?

Eu cheguei ao Shakhtar em Junho de 2019, por convite do José Boto, uma referência do Scout mundial e actualmente com funções alargadas na gestão desportiva do Shakhtar, para assumir a liderança da  2.ª equipa do clube os sub 21. 

O principal desafio, e também o motivo que me levou ao Shakhtar, foi tentar aproximar o estilo de jogo dos sub 21 ao estilo da 1.ª equipa, que tem no seu plantel 14 jogadores brasileiros que desenvolvem um jogo ofensivo, curto e apoiado, assim como desenvolver jogadores para a 1.ª equipa do clube.

Joga-se um futebol diferente?  

Joga-se um futebol diferente porque é uma exigência do presidente do clube que quer um jogo que seja dominador, ofensivo e esteticamente bem jogado, por isso, o mais importante não é só ganhar, mas a maneira como o consegues.

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Tentou implementar o seu estilo de treino?

Ao ao longo da minha carreira e nos clubes por onde passei desenvolvi sempre um jogo esteticamente bem jogado e que é fruto de um processo de treino que desenvolvi e que não depende da qualidade dos jogadores, mas acima de tudo do entendimento que os jogadores ganham sobre o jogo, baseado no desenvolvimento de conceitos básicos e que dão um conjunto de recursos ao jogadores para desenvolverem todo o seu potencial.

Neste momento é responsável pelas equipas de sub 17, sub 19 e sub 21.

Sou treinador dos sub 21 e coordenador técnico dos sub 19 e sub 17, mas com intervenção directa e próxima do processo de treino destas equipas, porque há jogadores que circulam nestas três equipas em função do calendário e do projecto  de desenvolvimento de cada um deles. E também porque a ideia é desenvolver um processo que coloque todas as equipas a jogar duma determinada maneira, com um estilo aproximado do da 1.ª equipa.

Esta conquista do título de campeão da Ucrânia pelos sub 19 era esperada? Foi um campeonato difícil e renhido?

O foco está sempre no desenvolvimento do projecto dos melhores jogadores, mas quando percebemos que a 1.ª equipa não ia ganhar o titulo era importante investir na conquista do titulo dos sub 19, com vista à participação no próximo ano na Youth Champions League, uma competição importante na promoção dos nossos melhores jogadores. Foi muito difícil porque o Dynamo Kiev, nosso principal rival, já tinha cinco pontos de avanço, mas conseguimos recuperar no confronto directo,  com a participação dos jogadores que já estavam nos sub 21, mas com idade de 17 anos… Esta conquista foi importante porque premeia uma ideia de jogo que deu resultados, que promoveu jogadores e que abriu as portas da Youth Champions League da próxima época.

Pretende ficar na Ucrânia? Até quando dura a ligação ao clube?

Apesar de ainda ter mais um ano de contrato, até Maio de 2022, resolvemos terminar o vinculo no final deste mês de Junho, porque a Federação cancelou o campeonato de sub 21. Isso quer dizer que não teria equipa na próxima época para treinar, ficaria só como coordenador técnico, o que não seria do meu agrado, porque gosto de treinar. A intenção do clube passará por me convidar, mais tarde, para treinar uma filial que actua na 1.ª divisão onde são colocados muitos jogadores do Shakhtar vindos da Academia. Vamos aguardar e ver se isso na realidade acontece.

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Sente que o seu trabalho é reconhecido na Ucrânia? Mais do que em Portugal?

O reconhecimento sempre existiu, porque é testemunhado principalmente pelos meus jogadores cá na Ucrânia e em Portugal, quando eles levam um pouco de mim, principalmente no aspecto mental que é onde eu intervenho mais. Levo-os a acreditar que têm todos os recursos internos para atingirem todos os seus objectivos e desenvolverem o seu potencial para outro nível.

Sente que está a treinar os jogadores de futuro da Ucrânia (e da Europa)?

Sinto que estou a contribuir, como outros que passaram nas carreiras destes jogadores, para o crescimento destes jovens futebolistas. Sinto um orgulho grande quando vejo um jovem jogador como o Sudakov, 19 anos, que começou a época comigo nos sub 21 e que acaba a época na selecção principal da Ucrânia, passando pela 1.ª equipa do Shakhtar,  com uma mentalidade competitiva que o pode levar ao topo do futebol mundial.

O que mais gosta na Ucrânia? E no Shakhtar?

Gosto essencialmente das pessoas… sempre amáveis e disponíveis para ajudar. Moro em Kiev, na capital, uma cidade fantástica com tudo o que precisamos para viver bem. Estou num grande clube, onde apreciam o meu trabalho, com boas condições de trabalho e bons jogadores. Mas acima de tudo continuo feliz, a fazer o que gosto, com muito profissionalismo, competência e acima de tudo com muita paixão, o que torna tudo mais fácil.

Que metas ainda pretende atingir em termos pessoais e/ou desportivos?

Em termos pessoais o que pretendo é continuar a ser feliz a influenciar positivamente quem trabalha comigo, principalmente ajudar os jogadores  a prepararem-se para fazerem carreira como futebolistas profissionais e, ao mesmo tempo, continuar a fazer o que fiz em todos os clubes, desenvolver um estilo de jogo esteticamente bem jogado que tem deixado marca, principalmente pela maneira como finalizamos. E acima de tudo que dê vitórias, porque sem vitórias não teria chegado aqui.

Num ano atípico, marcado pela pandemia, tem sido mais difícil estar longe de casa e da família? Tem conseguido visitar o país? Como se matam as saudades?

Não há dúvida que são tempos difíceis para as famílias, mas que com alguma imaginação e paciência temos conseguido comunicar através das novas tecnologias. No início da pandemia fiquei dois meses e meio retido num quarto de hotel, mas depois fui conseguindo viajar para Portugal sempre que foi possível. Sempre que estamos longe da família ficam marcas que se não houver amor e aceitação tudo fica mais difícil, mas tem outras vantagens que no futuro serão importantes para a estabilidade familiar.

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Olhando à sua carreira, jogou futebol profissional durante cerca de 15 anos. Quais os clubes que mais o marcaram? Que conquistas destaca?

É verdade, comecei a jogar em Paços de Ferreira e acabei no União de Paredes, onde joguei também futsal mais 15 anos… O clube que mais me marcou como treinador foi o União de Paredes. Subi duas vezes, uma delas como campeão da 3.ª divisão. Mas acima de tudo o envolvimento que tive no clube durante mais de 12 anos, criando estruturas que ainda hoje são o suporte do desenvolvimento do União.

 A construção do projecto da Cidade Desportiva tem muito de mim, porque com os jovens arquitectos do gabinete Spaceworkers, Henrique Marques e Rui Dinis passamos horas a criar uma estrutura que, apesar de não ter sido terminada, garante o futuro do União, ao promover a prática desportiva a custo zero a centenas de jovens. Com a recuperação do antigo estádio das Laranjeiras pela autarquia o União fica com um centro de treinos e um estádio no centro da cidade, numa posição de ambicionar por outros patamares desportivos.

Sempre teve vontade de ser treinador e porquê? O que o levou a dar o salto?

Sim, muito cedo decidi ser treinador. Ainda jogador tirei o meu 1.º nível de treinador com 23 anos… O futebol sempre foi a minha paixão, mas quando percebi que não ia garantir o meu sustento, aos 27 anos, dediquei-me à vida empresarial no ramo da hotelaria e, ainda hoje, tenho em Paredes o Restaurante “Casa do Baixinho”, gerido pela minha esposa há mais de 20 anos, que é uma marca de prestigio na rota da gastronomia do Vale do Sousa.

Que treinadores o inspiraram?

Criei o meu próprio processo de treino e um estilo de jogo diferenciado, que tem sido a marca do meu percurso e que me levou ao Shakhtar… Procuro inspiração e inovação em tudo o que me ajude a promover o futebol bem jogado e a promover os meus jogadores.

Não procurei inspiração em Guardiola, porque sou bem mais velho, mas revejo nele tudo aquilo em que acredito: o controlo do jogo pela bola, com a diferença na qualidade dos seus jogadores e, no meu caso, no desenvolvimento de ideias que ajudem todos os jogadores que colocam ao meu dispor a evidenciarem um desempenho elevado e que lhes permita terem prazer e melhorarem o seu rendimento para jogarem noutros patamares… Acredito que o futebol se joga com boas ideias.

O que destaca deste seu já longo percurso? Qual o momento ou momentos/conquistas que mais o marcaram? Onde falhou?

Enquanto treinador, passei pelo Freamunde, Paredes, Lousada, Espinho, Aves, Santa Clara dos Açores, Shandong Luneng – China (dois anos),  Varzim e, agora, Shakhtar, na Ucrânia…

O percurso é longo, mas a paixão é maior e nunca existe falhanço, existe aprendizagem em tudo o que não corre bem, porque a vida é tão boa connosco que nos dá sempre a oportunidade de recolher informação naquilo que corre mal para se fazer melhor e seguir em frente… Tem sido assim a minha vida.

Todos os clubes me marcaram. Ganhei , empatei e perdi como todos os treinadores, mas o que fica na nossa carreira são as memórias e as emoções que deixamos no coração de todos os que viveram esses momentos connosco… Mas Paredes e o União de Paredes deixaram uma marca para sempre, porque é onde resido e onde nasceram os meus filhos, mas essencialmente porque ao longo dos anos lidei com muitas gerações de jovens em várias actividades onde sempre procurei cultivar relações pessoais de amizade, respeito e honestidade e onde me orgulho de ter sempre sido um cidadão que procurou promover com as suas actividades o bom nome de Paredes. 

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Que clubes ainda gostava de treinar em Portugal? Um dos “três grandes”? E fora de Portugal?

A vida ensinou-me a não criar expectativas, o que eu quero é continuar a ser feliz, se possível dentro do futebol. Treinar é a minha paixão e basta encontrar um clube que me dê essa oportunidade para eu me sentir realizado e feliz… dentro ou fora de Portugal.

Como é que se define enquanto treinador? Quais acredita serem os seus pontos fortes e fracos?

Sou um treinador que ao longo dos anos desenvolveu uma marca relacionada com uma determinada maneira de jogar e que desenvolveu um processo de treino que permite a qualquer grupo de jogadores apresentarem um jogo que lhes dê prazer e que é esteticamente bem jogado. Promovo relações fortes nos meus grupos e procuro sempre fugir dos padrões de jogo que normalmente se desenvolvem em Portugal, principalmente se eles não promoverem a modalidade. Como todos tenho montes de defeitos, que vão desde a elevada emoção pelo que faço até à desvalorização de opiniões que me desviem do meu caminho, normalmente chamada de teimosia…

Como classifica o seu “estilo” de treino? O que procura transmitir aos seus jogadores?

O meu treino caracteriza-se pela importância que dou ao desenvolvimento dos princípios básicos do Jogo , como base de sustentação de qualquer “jogar”. Sem o domínio do básico não conseguimos desenvolver um jogo de qualidade e acima de tudo “jogar bem” que para mim é não perder a bola e marcar golos… Por isso, todos os meus jogadores têm que dominar o básico, e desenvolver acções de jogo que lhes dê maior probabilidade de não perder a bola, sem isso não avançamos.

Que jogadores gostaria de treinar?

Eu costumo dizer que sou um treinador de jogadores… Quais? Os que houver. Gosto de jogadores que tenham uma mentalidade competitiva forte, mas acima de tudo disponíveis para aprender e para arriscar sem medo de falhar… Adoro os que são tecnicamente evoluídos e que levam o virtuosismo ao limite durante o jogo, fazendo coisas que ninguém está à espera… um pouco loucos.

Gostava mais de jogar ou gosta mais de treinar?

Sempre gostei mais de jogar. Ainda hoje pago para fazer um joguinho com os amigos. A minha primeira decisão como director técnico no Shakhtar foi obrigar os treinadores a fazer um joguinho duas vezes por semana uns contra os outros comigo incluído…

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Costuma dar dicas aos filhos ou não se “intromete” nos treinos que recebem nos clubes por onde passam?

Os meus filhos sabem bem o que devem fazer e acima de tudo percebem que a primeira regra quando chegam a um clube novo é perceberem o treinador e fazerem o que ele lhes pede, só assim conseguem um lugar na equipa… gostem das ideias do treinador ou não. Esta é a regra mais importante.

Como classifica o futebol em Portugal actualmente? Há muito a mudar?

A minha opinião há muitos anos sobre o futebol em Portugal é bastante negativa. Sempre assumi publicamente que se deveriam promover ideias que valorizassem o Jogo e os jogadores, por isso, costumo dizer que a qualidade dos jogadores portugueses está muito acima da qualidade do jogo que se joga em Portugal e isso é culpa dos treinadores, porque preferem jogar para não perder do que arriscar a jogar para ganhar… Todos esperam um erro do adversário para ver se conseguem marcar um golo, não importa de que maneira… são ideias pobres.

Os jogadores portugueses quando vão para o estrangeiro normalmente têm sucesso porque conseguem se adaptar e mostrar todo o seu potencial. Recuso-me aceitar esta postura, porque temos o poder de decidir a maneira como queremos perder… a tentar ganhar ou a tentar perder por poucos.