Vários dezenas de familiares com utentes da Casa do Gaiato, em Beire, Paredes, também conhecida por Calvário, juntaram-se, este sábado, para participar numa acção de sensibilização contra o encerramento da Obra do Pai Américo em Beire e contestar a forma como a Segurança Social retirou, recentemente, 40 utentes da instituição, alegando falta de vigilância.
De entre os vários familiares que se juntaram, hoje à tarde, na Casa do Gaiato de Beire, se alguns manifestaram já conhecer o destino para onde foram transferidos os utentes, outros afirmaram desconhecer, pelo menos, para já, o destino dos seus entes mais próximos, aproveitando para criticar o procedimento usado sem primeiro dar conhecimento prévio às famílias.
Fonte do Calvário revelou, entretanto, aos jornalistas que já se inteirou para onde foram levados os utentes do Calvário, tendo feito diligências no própria dia em que os técnicos da Segurança Social estiveram na Casa do Gaiato de Beire.
Ao Verdadeiro Olhar, Gonçalo de Sousa, um dos familiares que esteve no local, reiterou continuar preocupado com a solução que foi encontrada para a sua esposa, garantindo que a mesma quer voltar para Paredes.
“Já estive em Aveiro, o local tem excelentes condições, mas a minha esposa não quer estar lá. Quer voltar para Beire, Paredes, porque se sente bem aqui. Apesar de ser o tutor dela e de ter a faculdade de a retirar de onde ela está, vou colocá-la aonde? Ela para casa não pode ir, não pode viver em sociedade porque tem uma demência”, afirmou, salientando que a esposa esteve várias vezes internada num hospital, foi depois para um centro de dia, que não era o mais adequado para tratar este tipo de doentes. mas a falta de recursos económicos e as várias soluções que lhe foram apresentadas pela Segurança Social levaram-no a contactar, mais tarde o Padre Júlio Pereira, da Casa do Gaiato.
“Desde Maio,/Junho que a minha esposa se encontra em Beire. Estava satisfeita. Tinha as amigas dela, um quarto só para ela. Vivia com dignidade. Ela passou até a reduzir a medicação, estava estabilizada”
“Desde Maio,/Junho que a minha esposa se encontra em Beire. Estava satisfeita. Tinha as amigas dela, um quarto só para ela. Vivia com dignidade. Ela passou até a reduzir a medicação, estava estabilizada.”, acrescentou, salientando que só teve conhecimento que a sua esposa tinha sido retirada pelo jornal.
“Nunca fui contactado pela Segurança Social. Estou designado pelo tribunal como seu tutor e nessa qualidade deveria ter sido informado”, sustentou, afirmando estar deverás preocupado com o estado mental da esposa que já lhe manifestou quer regressar a Beire.
“Não faço a mínima ideia onde está a minha tia e por isso vim inteirar-me disso. Não tive qualquer informação da Casa do Gaiato nem da Segurança Social. Não sabemos absolutamente nada”
Armando Palhares, de Matosinhos, com uma tia na Casa do Gaiato de Beire, há 24 anos, assumiu ter ficado surpreendido com este desfecho e pela forma como tudo se processou.
“Fui informado por uma pessoa que pertence à Casa do Gaiato do que tinha acontecido e que a minha tia tinha sido uma das pessoas retiradas. Não faço a mínima ideia onde está a minha tia e por isso vim inteirar-me disso. Não tive qualquer informação da Casa do Gaiato nem da Segurança Social. Não sabemos absolutamente nada”, adiantou.
Questionado sobre os argumentos apresentados pela Segurança Social para a retirada da familiar, Armando Palhares referiu desconhecer a fundamentação jurídica que terá sido apresentada.
“O que me disseram é que as pessoas foram retiradas da Casa de Beire sem qualquer ordem jurídica, sem fundamentação jurídica”, declarou, mostrando-se, também, estupefacto com este desfecho.
“Venho visitar a minha tia de dois em dois meses, tenho livre entrada para o pavilhão onde ela se encontrava e nunca tive a percepção que faltasse de coisa alguma. Sempre me disseram que não precisava de trazer roupa ou outras coisas. Que tinham tudo. E a verdade é que ela já teve várias situações de necessidade médica, já foi internada e nunca teve falta de tratamento. Já partiu um braço, foi tratada devidamente. Nem ela mesmo me transmitiu o que quer que seja”, sublinhou.
“Foi uma surpresa para todos”
Lupricínio Ramos Correia, um ex-gaiato, conhecido pelos utentes do Calvário, desempenhando várias tarefas na instituição, mostrou-se indignado com a forma como os utentes e os familiares foram tratados neste processo.
“Conheço bem a casa, ajudo a dar banhos e a dar de comer aos utentes. mas quando soube da notícia foi um choque imenso. Pela informação que me deram é que vinham fazer uma inspecção, mas depois já estavam as carrinhas prontas para transportar os doentes. Foi uma surpresa para todos”, afiançou, reforçando que os utentes que ficaram no Calvário estão a sofrer com esta situação e desejam o regresso dos utentes que foram levados.
Quanto à inexistência de condições de segurança, o ex-gaiato esclareceu que estas não têm qualquer fundamento.
“Fala-se na vigilância, mas não sei que vigilância é porque existiu sempre pessoas especializadas, voluntários que se desdobram a ajudar. Eu faço parte desta família. Estou muito chocado com tudo isto e já me deram a informação quer há doentes que foram levados, estão revoltados e querem regressar. Quem fez isto não pensou nisso. Os utentes foram levados sem medicação, sem documentos. Há familiares que são tutores dos utentes e que não souberam para onde foram levados os seus familiares”, justificou.
“Já fui visitá-la, está fora do ambiente e quer regressar a Beire”
Altino Duarte, irmão de uma das utentes que foi também levada da Casa do Gaiato de Beire, mostrou-se visivelmente emocionado com esta situação.
“Ela esteve em vários sítios, a sua situação nunca foi compreendida, mas desde que tinha vindo para Beire fazia uma vida normal”, confirmou, esclarecendo saber onde a irmã está e que esta quer voltar para Paredes.
“Já fui visitá-la, está fora do ambiente e quer regressar a Beire”, declarou, acrescentando que a Segurança Social ficou de o convocar para uma reunião na Maia ou no Porto, mas até à data ainda não o contactaram.
Refira-se que a Segurança Social justificou o encerramento da Casa do Gaiato de Beire com “deficientes condições das instalações e de segurança e insuficiência de recursos humanos”.
Segundo a Segurança Social, a acção de fiscalização aconteceu no “seguimento de denúncias, e após solicitação e comunicação do Ministério Público efectuada no âmbito de um inquérito”.
“Após avaliação das condições de funcionamento e face às graves irregularidades verificadas – deficientes condições das instalações e de segurança e insuficiência de recursos humanos, que colocava em perigo iminente a integridade de utentes, portadores de deficiências físicas e/ou mentais, entre outras – concluiu-se pela necessidade de proceder ao encerramento urgente da resposta social”, lê-se nas respostas que a entidade enviou ao Verdadeiro Olhar.