Eutanásia? Não! Sou radical.

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A assembleia da república prepara-se para deliberar, por decreto, sobre o direito de nos matar em determinadas circunstâncias. Não, não vão decidir sobre a pena de morte. Vão decidir quando e em que circunstâncias nos podem matar ou, no mínimo, querem ter o direito de escolher o dia em que, para eles, a nossa morte é mais importante do que a nossa vida. Querem decidir quando nos deixam morrer. Talvez, num tempo próximo, queiram até estabelecer o valor económico da vida para decidir sobre a morte. Ultrapassas o valor médio estabelecido pelo estado e, truz, tiram-te a tosse. Quiçã, vais além da esperança média de vida e, truz, morres porque a vida é um número, a vida é estatística e a velhice, quase sempre, custa mais e rende menos ao Estado.

Perante a gravidade do que os deputados vão decidir devemos colocar, no mínimo, quatro questões que exigem resposta antecipada à decisão:

– Durante a campanha eleitoral nenhum, mas mesmo nenhum partido, fez da eutanásia assunto de discussão. Porquê?

– Durante a campanha eleitoral todos os partidos invocaram a necessidade do Estado investir na melhoria da qualidade dos serviços paliativos. Porquê?

– A Assembleia da República tem, de facto, o direito de deliberar sobre a eutanásia?

– Não ao referendo? Porquê?

A resposta à primeira pergunta parece-nos óbvia: nenhum partido prometeu “dar-nos” a eutanásia porque sabia que, em bom juízo, a maioria dos eleitores não abdicava do direito à vida e, por isso, negaria o seu voto a quem quisesse decidir sobre a sua morte.

A resposta à segunda pergunta também nos surge com facilidade. Nem o governo fez, até agora, qualquer investimento na melhoria dos cuidados paliativos, nem os partidos da oposição se mostraram tão reivindicativos quanto se esperava.

À terceira pergunta, mesmo correndo o risco de interpretar de forma simplista a Constituição, não encontramos qualquer artigo algo que nos permita concluir que o direito à vida ou o dia da morte possa ser decidido pelos deputados.

Dizem-nos, também, que a legitimidade lhes vem do voto. Aceitamos, mas perguntamo-nos se a esta “legitimidade necessária” avocada pelos parlamentares para decidir sobre este assunto não se sobreporão tantas “legitimidades obrigatórias” para que cumpram primeiro o que prometeram, nomeadamente, nesta área da Saúde, apostando na ciência, criando todos os serviços que visem não só o prolongamento da vida com qualidade e a criação dos necessários cuidados paliativos quando esse dom, o da vida, se vai perdendo.

A última pergunta, sobre a possibilidade de um referendo que legitime mais o sim ou o não à eutanásia também não merece a nossa concordância. A Igreja quer o referendo porque acredita que os crentes dirão não. O CDS não propõe, mas aceita o referendo apesar de, para os centristas, “ o direito à vida não ser referendável”. Aceita, por crer, tal como a Igreja, que o não vencerá.

Os restantes partidos não querem o referendo, mas não abdicam de decidir no parlamento, porque acreditam que num referendo, os representantes do povo serão contrariados por quem os elegeu. Querem decidir pelos que representam, como se uma consulta popular colocasse em causa a sua própria legitimidade. Sabem, claro, que o não à eutanásia sairia vencedor. No fundo e no limite, dando uso ao “cartão de crédito” resultante das eleições, querem gastá-lo sem prestar contas a quem lho concedeu. A coisa soa-nos ainda pior: dêem-nos o voto, mas nunca nos peçam explicações pela forma como o usamos. Pior ainda: para os deputados que se opõem à consulta direta, o povo é estúpido e, por isso, não sabe pensar. Para esses, para os que se opõem ao referendo, mas querem decidir o sim à eutanásia, o voto vale muito antes das eleições, mas o eleitor vale nada depois de eleitos.

Por fim, para nós, nem referendo, nem sim. É não à eutanásia, ponto!

Acreditamos que não são os direitos de todos que estão em causa. Trata-se, neste caso, de respeito pelos direitos individuais. E sobre a eutanásia, os direitos de cada um são tão legítimos como os direitos coletivos. São, até, superiores ao poder de decisão dos deputados.

Acrescentamos, por experiência sentida, que a eutanásia não se resume aos direitos dos pacientes. Cuidar deles é função natural de quem ama e privilégio merecido por quem é amado. É dever da sociedade e é obrigação do Estado.

A medicina tem-nos ensinado que a doença sem dor nem sofrimento já é possível, mesmo para doentes incuráveis.

A morte não mata só quem morre. A morte é um pedaço de vida que se perde em todos os que são capazes de amar o próximo.

Para nós, dar ao Estado o direito a decidir sobre a eutanásia é condenar a sociedade a uma lenta e progressiva cacotanásia. Ao contrário do que nos tentam impingir, a eutanásia não é progresso social ou vanguardismo sensacional. É retrocesso civilizacional.

 

O fascínio da imagem

Os OSCARS, este ano, tiveram também, finalmente, o seu Castello-Branco.