Na enorme Sala Clementina, onde, desde há muitos séculos, decorrem as recepções mais imponentes, o escrutínio para entrar foi terrível. Só mesmo Cardeais e as poucas centenas de pessoas que receberam a cobiçada credencial. Felizmente, a Televisão Vaticana transmitiu a cerimónia para todo o mundo.
O que mais chamou a atenção da imprensa internacional foi a imagem de Francisco e Bento XVI a cumprimentarem-se. A alegria, espelhada nos rostos e nas mãos, valia por todos os discursos. As vozes do coro da Capela Sistina, «in insigni die solemnitatis vestræ…», ecoavam pela imensidão da sala.
Primeiro, interveio o Papa Francisco. Efusivo, com aquele seu estilo directo e claro. Já há vários dias se tinha referido a esta sessão e conhecia-se o prefácio que tinha escrito para o livro. Nesse prefácio, refere que o seu predecessor faz «teologia de joelhos», expressão com que Urs von Balthasar designava a teologia ungida de oração, aquela que fala realmente de Deus. O discurso de Francisco situou-se nesta linha, glosando a pergunta de Jesus a Pedro: «Tu amas-Me?». Francisco falou sobre a vocação e a resposta ao amor como a perspectiva que domina a vida inteira de Bento XVI. Foi ele quem definiu a teologia como a «busca do amado» e Francisco comenta que essa definição se aplica directamente ao trabalho e ao testemunho da vida do seu autor. No seu empenho actual de oração e estudo, «justamente, vivendo e testemunhando hoje de uma forma tão intensa e luminosa que a única coisa verdadeiramente decisiva é ter o olhar e o coração em Deus, sua Santidade continua a servir a Igreja, não pára de contribuir com vigor e sabedoria para o seu crescimento». O pequenino convento “Mater Ecclesiæ”, onde Bento XVI vive actualmente no Vaticano, é comparável «ao coração vibrante (…) da Ordem de S. Francisco, àquele recanto onde ele a fundou e entregou a vida a Deus, junto da Mãe da Igreja». O Papa colocou-se num registo pessoal: «dali nasce uma tranquilidade, uma paz, uma força, uma confiança, uma maturidade, uma fé, uma dedicação e uma fidelidade que me fazem tanto bem e dão tanta força, a mim e a toda a Igreja». E, ainda, sem ler: «E daí vem também, permito-me acrescentar, um saudável e feliz sentido do humor».
O Cardeal Müller apresentou o novo livro de Bento XVI, dirigido aos padres («Ensinar e Aprender o Amor de Deus; no original alemão, «Die Liebe Gottes Lehren und Lernen»), e o Decano dos Cardeais saudou Bento XVI em nome de todos.
No final, o Papa emérito falou, com a voz fraca mas uma articulação nítida. Sem papel, lembrou-se da palavrinha grega que um seu colega de ordenação escolheu, há 65 anos, para o santinho daquele dia. Uma só palavrinha, «eucharistomen», que significa agradecimento. «Agradecimento sobretudo a si, Santo Padre! (…) A sua bondade, em cada momento da minha vida aqui, toca-me profundamente, sustenta-me interiormente. Mais do que nos jardins belíssimos do Vaticano, eu vivo na sua bondade: sinto-me protegido. Obrigado pelas suas palavras e por tudo. Fazemos votos de que continue a caminhar com todos nós por este caminho da Misericórdia Divina, mostrando a estrada de Jesus, em direcção a Jesus, em direcção a Deus».
Bento XVI referiu-se também ao contexto profundo do agradecimento cristão, da “eucharistomen” que é Eucaristia: «A palavra “eucharistomen” remete para aquele agradecimento, aquela nova dimensão que Cristo lhe deu. Ele transformou em agradecimento, e portanto em bênção, a cruz, o sofrimento, todo o mal do mundo. Deste modo, Ele “transubstanciou” a vida e o mundo e nos deu cada dia o Pão da verdadeira vida, que ultrapassa o mundo graças à força do seu amor».
A meditação do Papa emérito foi uma espécie de oração em voz alta, vibrante de amor pela Igreja e pelo Papa. No final, um terceiro abraço imenso entre Francisco e Bento, enquanto o coro enchia a sala com a antífona de um salmo. A seguir, os Cardeais cumprimentaram os dois – primeiro Francisco, depois Bento.
Foi uma festa, tão simples quanto possível, nalguns momentos comovente.