Na terça-feira passada, Bento XVI celebrou 65 anos de ordenação sacerdotal, festejada no Vaticano com uma comemoração solene, apesar de o Papa emérito ter pedido tudo muito simples. Muito simples não podia ser, porque todos os Cardeais e funcionários do Vaticano queriam participar e, sobretudo, porque o Papa Francisco se empenhou em assinalar o aniversário. Além disso, a data coincidiu com o lançamento de um novo livro de Bento XVI – o terceiro documento escrito que ele publica este ano –, apresentado pelo Cardeal Müller, com prefácio do próprio Papa Francisco.
Na enorme Sala Clementina, onde, desde há muitos séculos, decorrem as recepções mais imponentes, o escrutínio para entrar foi terrível. Só mesmo Cardeais e as poucas centenas de pessoas que receberam a cobiçada credencial. Felizmente, a Televisão Vaticana transmitiu a cerimónia para todo o mundo.
O que mais chamou a atenção da imprensa internacional foi a imagem de Francisco e Bento XVI a cumprimentarem-se. A alegria, espelhada nos rostos e nas mãos, valia por todos os discursos. As vozes do coro da Capela Sistina, «in insigni die solemnitatis vestræ…», ecoavam pela imensidão da sala.
Primeiro, interveio o Papa Francisco. Efusivo, com aquele seu estilo directo e claro. Já há vários dias se tinha referido a esta sessão e conhecia-se o prefácio que tinha escrito para o livro. Nesse prefácio, refere que o seu predecessor faz «teologia de joelhos», expressão com que Urs von Balthasar designava a teologia ungida de oração, aquela que fala realmente de Deus. O discurso de Francisco situou-se nesta linha, glosando a pergunta de Jesus a Pedro: «Tu amas-Me?». Francisco falou sobre a vocação e a resposta ao amor como a perspectiva que domina a vida inteira de Bento XVI. Foi ele quem definiu a teologia como a «busca do amado» e Francisco comenta que essa definição se aplica directamente ao trabalho e ao testemunho da vida do seu autor. No seu empenho actual de oração e estudo, «justamente, vivendo e testemunhando hoje de uma forma tão intensa e luminosa que a única coisa verdadeiramente decisiva é ter o olhar e o coração em Deus, sua Santidade continua a servir a Igreja, não pára de contribuir com vigor e sabedoria para o seu crescimento». O pequenino convento “Mater Ecclesiæ”, onde Bento XVI vive actualmente no Vaticano, é comparável «ao coração vibrante (…) da Ordem de S. Francisco, àquele recanto onde ele a fundou e entregou a vida a Deus, junto da Mãe da Igreja». O Papa colocou-se num registo pessoal: «dali nasce uma tranquilidade, uma paz, uma força, uma confiança, uma maturidade, uma fé, uma dedicação e uma fidelidade que me fazem tanto bem e dão tanta força, a mim e a toda a Igreja». E, ainda, sem ler: «E daí vem também, permito-me acrescentar, um saudável e feliz sentido do humor».
O Cardeal Müller apresentou o novo livro de Bento XVI, dirigido aos padres («Ensinar e Aprender o Amor de Deus; no original alemão, «Die Liebe Gottes Lehren und Lernen»), e o Decano dos Cardeais saudou Bento XVI em nome de todos.
No final, o Papa emérito falou, com a voz fraca mas uma articulação nítida. Sem papel, lembrou-se da palavrinha grega que um seu colega de ordenação escolheu, há 65 anos, para o santinho daquele dia. Uma só palavrinha, «eucharistomen», que significa agradecimento. «Agradecimento sobretudo a si, Santo Padre! (…) A sua bondade, em cada momento da minha vida aqui, toca-me profundamente, sustenta-me interiormente. Mais do que nos jardins belíssimos do Vaticano, eu vivo na sua bondade: sinto-me protegido. Obrigado pelas suas palavras e por tudo. Fazemos votos de que continue a caminhar com todos nós por este caminho da Misericórdia Divina, mostrando a estrada de Jesus, em direcção a Jesus, em direcção a Deus».
Bento XVI referiu-se também ao contexto profundo do agradecimento cristão, da “eucharistomen” que é Eucaristia: «A palavra “eucharistomen” remete para aquele agradecimento, aquela nova dimensão que Cristo lhe deu. Ele transformou em agradecimento, e portanto em bênção, a cruz, o sofrimento, todo o mal do mundo. Deste modo, Ele “transubstanciou” a vida e o mundo e nos deu cada dia o Pão da verdadeira vida, que ultrapassa o mundo graças à força do seu amor».
A meditação do Papa emérito foi uma espécie de oração em voz alta, vibrante de amor pela Igreja e pelo Papa. No final, um terceiro abraço imenso entre Francisco e Bento, enquanto o coro enchia a sala com a antífona de um salmo. A seguir, os Cardeais cumprimentaram os dois – primeiro Francisco, depois Bento.
Foi uma festa, tão simples quanto possível, nalguns momentos comovente.