O Presidente da República decretou, ontem, a renovação do Estado de Emergência, para vigorar entre 3 e 17 de Abril. O tema está a ser debatido hoje na Assembleia da República, onde deverá ser aprovado.

Segundo o decreto de Marcelo Rebelo de Sousa, impõe-se como “indispensável a renovação da declaração do estado de emergência, com o aditamento de matérias respeitantes à protecção do emprego, ao controlo de preços, ao apoio a idosos em lares ou domiciliário, ao ensino e à adopção de medidas urgentes para protecção dos cidadãos privados de liberdade, especialmente vulneráveis à doença COVID-19”.

O documento começa por lembrar que o decreto governamental que seguiu a declaração do Estado de Emergência a 18 de Março, trouxe “um conjunto de medidas com o objectivo de conter a transmissão da doença e, bem assim, proteger os cidadãos e garantir a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde e das cadeias de abastecimento de bens essenciais, regulando o funcionamento das empresas e a circulação de pessoas num contexto de calamidade pública”.

“A adopção destas medidas pelo Governo teve em conta a situação existente no momento da sua aprovação, assentando num juízo de estrita proporcionalidade, como impõem a Constituição e a lei, limitando-se ao indispensável para salvaguardar a saúde pública e o funcionamento da economia, designadamente no que respeita ao abastecimento de bens essenciais aos cidadãos”, sustenta o Presidente da República.

Apesar do “exemplar comportamento dos portugueses” na adopção destas medidas e “sem prejuízo dos efeitos positivos que elas já permitiram alcançar no combate à disseminação da doença, torna-se indispensável a sua manutenção”, defende Marcelo Rebelo de Sousa, lembrando que isso foi conseguido com uma “suspensão muito limitada de direitos”.

Mas perante a fase de mitigação em que nos encontramos deve-se “acentuar o nível de prevenção, sob pena de o esforço feito até aqui ser desperdiçado”, acredita.

“Tal é tanto mais evidente quanto se aproxima o tempo da Páscoa, época tradicional de encontro de famílias e de circulação internacional. É essencial para o sucesso da estratégia traçada e conduzida até aqui que este tempo não conduza ao aumento de contactos entre pessoas e, consequentemente, de infecções”, apela o Presidente da República, lembrando que este será um processo longo.

Conheça o decreto

Nestes termos, o Presidente da República decreta, nos termos dos artigos 19.º, 134.º, alínea d), e 138.º da Constituição e da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro, e pela Lei Orgânica n.º 1/2012, de 11 de maio, ouvido o Governo e obtida a necessária autorização da Assembleia da República, através da Resolução da Assembleia da República n.º (…), de (…) de abril, o seguinte:

1.º

É renovada a declaração do estado de emergência, com fundamento na verificação de uma continuada situação de calamidade pública.

2.º

A declaração do estado de emergência abrange todo o território nacional.

3.º

A renovação do estado de emergência tem a duração de 15 dias, iniciando-se às 0:00 horas do dia 3 de Abril de 2020 e cessando às 23:59 horas do dia 17 de Abril de 2020, sem prejuízo de eventuais novas renovações, nos termos da lei.

4.º

Fica parcialmente suspenso o exercício dos seguintes direitos:

a) Direito de deslocação e fixação em qualquer parte do território nacional: podem ser impostas pelas autoridades públicas competentes as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia, incluindo o confinamento compulsivo no domicílio, em estabelecimento de saúde ou noutro local definido pelas autoridades competentes, o estabelecimento de cercas sanitárias, assim como, na medida do estritamente necessário e de forma proporcional, a interdição das deslocações e da permanência na via pública que não sejam justificadas, designadamente pelo desempenho de actividades profissionais, pela obtenção de cuidados de saúde, pela assistência a terceiros, pela produção e pelo abastecimento de bens e serviços e por outras razões ponderosas, cabendo ao Governo, nesta eventualidade, especificar as situações e finalidades em que a liberdade de circulação individual, preferencialmente desacompanhada, se mantém;

b) Propriedade e iniciativa económica privada: pode ser requisitada pelas autoridades públicas competentes a prestação de quaisquer serviços e a utilização de bens móveis e imóveis, de unidades de prestação de cuidados de saúde, de estabelecimentos comerciais e industriais, de empresas e outras unidades produtivas, assim como pode ser determinada a obrigatoriedade de abertura, laboração e funcionamento de empresas, serviços, estabelecimentos e meios de produção ou o seu encerramento e impostas outras limitações ou modificações à respectiva actividade, incluindo limitações aos despedimentos, alterações à quantidade, natureza ou preço dos bens produzidos e comercializados ou aos respectivos procedimentos e circuitos de distribuição e comercialização, designadamente para efeitos de aquisição centralizada, por ajuste directo, com carácter prioritário ou em exclusivo, de estoques ou da produção nacional de certos bens essenciais, bem como alterações ao regime de funcionamento de empresas, estabelecimentos e unidades produtivas; podem ser adoptadas medidas de controlo de preços e combate à especulação ou ao açambarcamento de determinados produtos ou materiais; podem ser temporariamente modificados os termos e condições de contratos de execução duradoura ou dispensada a exigibilidade de determinadas prestações, bem como limitado o direito à reposição do equilíbrio financeiro de concessões em virtude de uma quebra na respectiva utilização decorrente das medidas adoptadas no quadro do estado de emergência; pode ser reduzida ou diferida, sem penalização, a percepção de rendas, juros, dividendos e outros rendimentos prediais ou de capital.

c) Direitos dos trabalhadores: pode ser determinado pelas autoridades públicas competentes que quaisquer colaboradores de entidades públicas, privadas ou do sector social, independentemente do tipo de vínculo, se apresentem ao serviço e, se necessário, passem a desempenhar funções em local diverso, em entidade diversa e em condições e horários de trabalho diversos dos que correspondem ao vínculo existente, designadamente no caso de trabalhadores dos sectores da saúde, protecção civil, segurança e defesa e ainda de outras actividades necessárias ao tratamento de doentes, ao apoio a populações vulneráveis, pessoas idosas, pessoas com deficiência, crianças e jovens em risco, em estruturas residenciais, apoio domiciliário ou de rua, à prevenção e combate à propagação da epidemia, à produção, distribuição e abastecimento de bens e serviços essenciais, ao funcionamento de sectores vitais da economia, à operacionalidade de redes e infra-estruturas críticas e à manutenção da ordem pública e do Estado de Direito democrático, podendo ser limitada a possibilidade de cessação das respectivas relações laborais ou de cumulação de funções entre o sector público e o sector privado. Pode ser alargado e simplificado o regime de redução temporária do período normal de trabalho ou suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao empregador. Fica suspenso o direito das comissões de trabalhadores, associações sindicais e associações de empregadores de participação na elaboração da legislação do trabalho, na medida em que o exercício de tal direito possa representar demora na entrada em vigor de medidas legislativas urgentes para os efeitos previstos neste Decreto. Fica suspenso o exercício do direito à greve na medida em que possa comprometer o funcionamento de infra-estruturas críticas, de unidades de prestação de cuidados de saúde e de serviços públicos essenciais, bem como em sectores económicos vitais para a produção, abastecimento e fornecimento de bens e serviços essenciais à população;

d) Circulação internacional: podem ser estabelecidos pelas autoridades públicas competentes, em articulação com as autoridades europeias e em estrito respeito pelos Tratados da União Europeia, controlos fronteiriços de pessoas e bens, incluindo controlos sanitários e fitossanitários em portos e aeroportos, com a finalidade de impedir a entrada em território nacional ou de condicionar essa entrada à observância das condições necessárias a evitar o risco de propagação da epidemia ou de sobrecarga dos recursos afectos ao seu combate, designadamente impondo o confinamento compulsivo de pessoas em local definido pelas autoridades competentes. Podem igualmente ser tomadas as medidas necessárias a assegurar a circulação internacional de bens e serviços essenciais;

e) Direito de reunião e de manifestação: podem ser impostas pelas autoridades públicas competentes, com base na posição da Autoridade de Saúde Nacional, as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia, incluindo a limitação ou proibição de realização de reuniões ou manifestações que, pelo número de pessoas envolvidas, potenciem a transmissão do novo Coronavírus;

f) Liberdade de culto, na sua dimensão colectiva: podem ser impostas pelas autoridades públicas competentes as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia, incluindo a limitação ou proibição de realização de celebrações de cariz religioso e de outros eventos de culto que impliquem uma aglomeração de pessoas;

g) Liberdade de aprender e ensinar: podem ser impostas pelas autoridades públicas competentes as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia, incluindo a proibição ou limitação de aulas presenciais, a imposição do ensino à distância por meios telemáticos (com recurso à internet ou à televisão), o adiamento ou prolongamento de períodos lectivos, o ajustamento de métodos de avaliação e a suspensão ou recalendarização de provas de exame ou da abertura do ano lectivo, bem como eventuais ajustes ao modelo de acesso ao ensino superior;

h) Direito à protecção de dados pessoais: as autoridades públicas competentes podem determinar que os operadores de telecomunicações enviem aos respectivos clientes mensagens escritas (SMS) com alertas da Direcção-Geral de Saúde ou outras relacionadas com o combate à epidemia.

5.º

Fica impedido todo e qualquer acto de resistência activa ou passiva exclusivamente dirigido às ordens legítimas emanadas pelas autoridades públicas competentes em execução do presente estado de emergência, podendo incorrer os seus autores, nos termos da lei, em crime de desobediência.

6.º

Podem ser tomadas medidas excepcionais e urgentes de protecção dos cidadãos privados de liberdade em execução de decisão condenatória, bem como do pessoal que exerce funções nos estabelecimentos prisionais, com vista à redução da vulnerabilidade das pessoas que se encontrem nestes estabelecimentos à doença COVID-19.

7.º

1 – Os efeitos da presente declaração não afectam, em caso algum, os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, à não retroactividade da lei criminal, à defesa dos arguidos e à liberdade de consciência e religião.

2 – Os efeitos da presente declaração não afectam igualmente, em caso algum, as liberdades de expressão e de informação.

3 – Em caso algum pode ser posto em causa o princípio do Estado unitário ou a continuidade territorial do Estado.

4 – Nos termos da lei, a Procuradoria-Geral da República e a Provedoria de Justiça mantêm-se em sessão permanente.

8.º

Os órgãos responsáveis, nos termos da Lei n.º 44/86, de 30 de Setembro, pela execução da declaração do estado de emergência devem manter permanentemente informados o Presidente da República e a Assembleia da República dos actos em que consista essa execução.

9.º

São ratificadas todas as medidas legislativas e administrativas adoptadas no contexto da presente crise, as quais dependam da declaração do estado de emergência.

10.º

O presente Decreto entra imediatamente em vigor, produzindo efeitos nos termos definidos no artigo 3.º.