Francisco Rodrigues é escultor e um autodidacta desde muito cedo. Faz da madeira o que quer, desde esculturas de santos a todo o tipo de figuras. Foi convidado a expor na Casa da Cultura de Paredes as suas obras relacionadas com a religião. Até 13 de Maio, é possível ver a exposição “Santos na Casa”.
Autodidacta desde muito novo
Tudo começou na primária com um desenho que fez de um jarro de flores e que muito agradou a professora. A partir daí, a paixão pela área só foi crescendo.
“O meu pai tinha uma pequena oficina de móveis e queria que eu fosse trabalhar como marceneiro, mas eu, sinceramente, não me inclinava nada para aí. Uma das coisas que me atraía era ser entalhador, porque é aquilo que se aproxima mais do escultor”, lembra Francisco Rodrigues.
Conta que era muito difícil entrar numa casa de entalhadores para poder começar a aprender. “As cunhas não eram suficientes. Para entrar num sítio, infelizmente, é assim que tem funcionado e ali era semelhante”, continua.
Aos 14 anos, ia treinando em casa a trabalhar e moldar a madeira, às vezes, estragando as ferramentas do pai, acabando por “levar umas sapatadas”. Até ir para a tropa, chegou ainda a trabalhar com ele, fazendo ornamentos de madeira em móveis.
Procurou depois emprego como entalhador numa fábrica de móveis em Lordelo e só foi aceite depois de verem que estava à vontade com o trabalho. “Eles faziam ali a talha, mas as caras (ornamentos em madeira) iam a Braga buscar e eu disse que fazia aquilo. Riram-se de mim e puseram lá um bocado de madeira para eu fazer. A partir daí, o patrão nunca mais me deixou e eu tornei-me um grande artista para ele”, refere.
Apesar de muitos só acreditarem depois de ver, o trabalho deste escultor de Paredes foi sendo conhecido e várias pessoas que admiravam a sua arte pediam-lhe que fizesse brasões, remates de móveis e até altares de igrejas. Alguns clientes até tinham ciúmes. “Tive uma altura boa, eu só dizia quanto é que custava e eles pagavam, mas eu também não abria a boca”, remata.
“Às vezes, queria inventar um mestre para dizer com quem andei a aprender, mas não vale a pena inventar. Foi às minhas custas que descobri este meu dom, se é que se pode chamar assim este meu trabalho”, sublinha. “Tenho todo o gosto de dizer que sou escultor, não tenho título. Isto não se aprende, isto nasce-se”, continua, com ar de satisfação.
O desenho, que foi o início da sua ligação à arte, é também a primeira etapa de cada trabalho, que sempre fez e continua a fazer pela própria mão. É preciso perceber a profundidade que a escultura tem de ter para se aproximar ao máximo da realidade e ficar perfeita, mas depois “requer é imaginação”. “O meu entusiasmo foi sempre pela perfeição e vou continuar assim. A arte é fazer as coisas na sua perfeição”, acrescenta.
Agarrou-se a Deus para sentir confiança e protecção
O gosto por trabalhar imagens de santos veio da admiração pelo detalhe presente nas igrejas e em templos. “Quando vou a algum lado, onde passo mais tempo é a ver as igrejas. Admiro o trabalhar dos santos, o que me deu uma certa força para ter esta inclinação”, admite.
Francisco diz ser católico e respeitador de todas as religiões, “mas, independentemente de tudo isso”, vê o mundo como uma “coisa assustadora”, com “pessoas revoltadas, violentas, que se tratam mal umas às outras, que não se respeitam” e isso tem “ferido e mexido” com ele.
Confessou ao Verdadeiro Olhar que se agarrou a Deus para se “sentir minimamente actualizado e com autonomia de caminhar neste mundo”. “Quando eu era pequeno, a confiança era agarrar à saia da minha mãe, que me dava uma certa força, eu sentia-me protegido como que fosse agarrado a um Deus. Quando larguei essa possibilidade, senti-me como se andasse no meio do mar, sem remos”, explica, referindo que foi daí que surgiu a paixão por Deus e pelos santos, materializada nas esculturas.
O trabalho é sempre feito sem prazos que possam limitá-lo. “Se chegasse alguém a dizer que queria uma imagem daqui a três semanas, eu não tomava conta e até podia ser que entregasse antes, mas eu tenho de fazer à minha vontade”, explica.
Quanto aos temas das esculturas, também não há limites e Francisco garante que está “preparado” para fazer seja um busto, seja outra figura qualquer. “Não é só figuras religiosas porque a arte não está focada só em coisas religiosas”, remata.
Chegada da internet facilitou a pesquisa sobre santos e abriu canais de divulgação
Se antigamente, quando o escultor queria restaurar uma peça, tinha de ir aos locais, ou então, pedir fotografias, hoje em dia, o trabalho de pesquisa, também da história dos santos, está facilitado com a chegada da internet.
Francisco chegou, inclusive, a ter peças em sites de compra e venda online, mas revela que desistiu porque “uma fotografia não tem nada a ver com uma coisa pessoalmente, pode ser tirada onde se quiser”.
Entretanto, o seu trabalho já chegou além fronteiras. Há portugueses a viver no estrangeiro que conhecem a sua obra e são seus clientes. Por cá, participou também na Bolsa de Turismo de Lisboa 2019, em Março, como um dos integrantes da comitiva de Paredes. Experiência que “correu muito bem” e foi “gratificante” e onde se apercebeu de várias pessoas que paravam ao seu redor a admirá-lo a trabalhar.
Foi através do “passa a palavra” que a exposição chegou a Paredes
Francisco explicou ao Verdadeiro Olhar que fez “grandes amizades com este trabalho” e que “a fama vem dos amigos”. “São eles que nos engrandecem”, revela, referindo que “o artista só é grande se tiver público”.
Sempre com uma certa vergonha de dar a cara quando era escolhido para fazer algum grande trabalho, Francisco conta que também só expõe os seus trabalhos quando alguém se interessa e procura-o nesse sentido. Que foi o que aconteceu com esta exposição na Casa da Cultura de Paredes.
Uma conterrânea seguidora do seu trabalho fez a sugestão e contactou a responsável pelo espaço, que logo aceitou a proposta e ficou “encantada” com as obras.
À porta da exposição, patente desde 13 de Abril e até 13 de Maio, uma das responsáveis pelo controlo das salas falava sobre as flores que lá se encontravam e que estavam “a aguentar muito tempo”. “Será da presença dos santos?”, indagava. “Pode ser”, concluiu Francisco.
Na sala ampla, mas pouco iluminada, estão 23 esculturas de madeira, de vários tamanhos, representativas de santos, de Jesus, mas também de um padre. Umas em cima de uma coluna, outras numa mesa e outras ainda numa vitrina, todas com a inscrição “FR”. À entrada, a mesa de trabalho de Francisco, com raspas de madeira e as ferramentas espalhadas, onde está o começo de uma das esculturas.
Neta já “esgravata” a madeira
Habitualmente, o escultor trabalha no atelier que tem em casa, em Vilela. No último emprego que teve dedicava-se a comprar e vender móveis, mas agora, divide o tempo entre esta arte, o karaté e o serviço na Cruz Vermelha.
Brinca com a idade que tem e prefere não revelá-la por achar que vão pensar que ele já não pode realizar certas actividades.
Tem uma filha, que trabalha noutra área diferente, mas que “tem muito orgulho no pai”. “É psico-clínica, mas aprecia a arte e tem um amor tremendo por isto que faço”, revela com um sorriso.
Uma possível continuidade da arte poderá estar a cargo é da neta. Segundo conta, faz desenhos que é “qualquer coisa fora do vulgar, até os sombreados faz a lápis”, além de que “gosta muito de esgravatar” a madeira e, “às vezes, até rebenta as ferramentas, mas eu deixo-a”.
Projectos futuros passam por trabalhos com mais pormenor
Por agora, resta a Francisco terminar duas esculturas de Santo António que lhe encomendaram e, depois, vai concentrar-se em obras com muito pormenor, que é aquilo que “mais entusiasmo” lhe dá e que lhe permite “mostrar a qualidade do trabalho”: Um Santo Estevão “trabalhado em relevo” e uma Nossa Senhora das Dores, que “tem aquelas pombas em baixo e um manto muito trabalhado”.