Apesar de os preços da lampreia estarem acima do desejável (afirmam os operadores da restauração), quem se desloca na estrada nacional 108, em Entre-os-Rios, Penafiel, verifica que o vaivém de carros que param junto das vendedoras da lampreia é uma constante.
Nesta região, o ciclóstomo tem um número significativo de apreciadores e a lampreia é, inclusive, o tema central de um festival – que este ano conta com 15 unidades de restauração -, que tem como propósito dar a conhecer esta iguaria à moda de Entre-os-Rios. Um produto que é visto como importante para a gastronomia e economia do município.
São típicas as vendedoras de lampreia nesta zona da freguesia da Eja. O Verdadeiro Olhar foi falar com algumas que se mostram satisfeitas com as vendas deste ano.
Conceição Varalda tem 80 anos e vende lampreia há 60
Conceição Varalda tem 80 anos de idade e é uma das mais antigas vendedoras de lampreia de Entre-os-Rios. A época está ainda a iniciar, mas a mulher mostrou-se confiante que o negócio tem tudo para continuar a correr de feição.
“Estamos ainda a começar e, apesar de existirem outros vendedores nesta rua, o negócio está a correr bem. Os meus clientes já me conhecem e sabem que a minha lampreia é de qualidade”, disse, salientando que está a vender o ciclóstomo a 20 ou 25 euros, as mais pequenas, e a 30 euros, as lampreias maiores.
Conceição Varalda destacou a importância do negócio de família, afirmando que a qualidade das suas lampreias e a localização estratégica do seu estabelecimento o tornam numa referência no lugar e num ponto de paragem obrigatório para os seus clientes e apreciadores deste ciclóstomo.
“Ainda recentemente tive aqui, na minha loja, dois clientes de Lisboa que vêm cá todos os anos. São pessoas que apreciam lampreia, que conhecem a qualidade da minha lampreia e que, apesar da concorrência, continuam a comprar aqui”, frisou, salientando que este é um negócio de família e que há mais de 60 anos que vende lampreia. “Apesar de ter um pequeno estabelecimento, sempre gostei da lampreia e continuo a vendê-la”, adiantou.
Questionada sobre se a construção das barragens veio prejudicar o negócio, Conceição Varalda reconheceu que antes havia mais lampreia. “Com a construção das barragens, as lampreias não chegam mesmo a Entre-os-Rios. As minhas são da barragem de Crestuma. Quando o rio vinha até ao Tâmega conseguíamos vender logo a lampreia. Agora não as vendemos de imediato. A lampreia fica vários dias nos tanques, em viveiros, para manterem o mesmo sabor e posso garantir que são de qualidade”, expressou.
A octogenária afiançou, também, que o Festival de Lampreia de Entre-os-Rios é um evento que contribui para trazer mais gente à localidade e potenciar a venda de lampreia, mesmo fora do recinto onde decorre o festival. “O festival é sem dúvida uma mais-valia. Ajuda os vendedores de lampreia e promove a freguesia”, retorquiu.
“Antes de confeccionar a lampreia é preciso prepará-la”
Conceição Varalda avançou, também, que para além da confecção do ciclóstomo é necessário saber prepará-lo para obter um bom resultado final. “Parte das minhas lampreias saem daqui preparadas com alho. Depois é só fazer o estrugido, refogar e deitar o arroz”, assegurou, sustentando que as lampreias com ovas são as melhores para confeccionar porque têm mais carne.
Conceição Magalhães, de Entre-os-Rios, colabora com Conceição Varalda e é exímia na arte de preparar a lampreia.
Segundo a penafidelense trata-se de uma operação fundamental e delicada, sendo o mais importante saber retirar a “tripa”. “É necessário colocar a lampreia em água quente para a limpar, colocar-lhe alho, vinho e amanhá-la”, adiantou, confessando que a sua preparação demora cerca de dez minutos.
Filha manteve a tradição da Mãe
Zita Fontes, filha de Elvira Fontes, conhecida na zona como a mais antiga vendedora de Lampreia em Entre-os-Rios, mostrou-se igualmente confiante que o negócio ainda vai melhorar. “Para já estamos a vender bem. Estamos ainda no início, mas acredito que as vendas vão aumentar com o decorrer da época da lampreia”, confirmou, mostrando-se orgulhosa por ser, hoje, a representante do negócio da mãe, que só há pouco tempo deixou de vender devido à já sua avançada idade.
Elvira Fontes começou a vender lampreia em Entre-os-Rios com a idade de 10 anos e comercializou-a durante 85 anos, conta a filha. “A minha mãe aprendeu com os meus avós a arte e assumiu mais tarde o negócio e, agora, estou cá eu à frente do negócio há 15 anos”, sublinhou, atestando que tem clientes que eram da sua mãe e que se mantiveram.
“Alguns compram aqui há 50 e outros há 60 anos. Tenho clientes de Guimarães, Vila Real, Vila do Conde e até de S. João da Pesqueira”, constatou.
Zita Fontes realçou, também, que a realização do Festival da Lampreia de Entre-os-Rios além de potenciar esta iguaria de elevado potencial económico contribuiu para dinamizar o comércio local. “Eu própria vendo para o Festival da Lampreia. O festival é uma mais-valia para o lugar e para a freguesia. Muitos dos restaurantes que integram o festival compram a lampreia aos vendedores de Entre-os-Rios”, avançou, manifestando que a lampreia, além de dinamizar a economia local, traz visitantes a Entre-os-Rios.
Restaurantes acreditam que com o aumento da oferta o preço da lampreia vai descer
Apesar de ser possível adquirir a lampreia aos vendedores que se encontram distribuídos na Nacional 108, há quem prefira degustá-la já pronta, no prato.
Para os operadores da restauração da zona, a época da lampreia, um dos pratos mais aguardados do calendário gastronómico, é uma oportunidade para fazer negócio.
Manuel Luís, proprietário do Restaurante Miradouro, reconhece que a lampreia está ainda a valores altos. “A lampreia ainda está um bocadinho cara, na ementa está a 85 euros mas a tendência é para que baixe”, concretizou, manifestando que tem uma clientela fidedigna, com alguns clientes que frequentam o restaurante há mais de 40 anos.
“Esta casa já tem uma tradição muito longa, próxima dos cem anos. Estamos cá há 40 anos e procuramos manter a aposta na qualidade que a anterior gerência e os clientes apreciam, assim como a qualidade do serviço”, explicou.
Ao Verdadeiro Olhar, Manuel Luís assumiu que a compra da lampreia é o primeiro passo para se conseguir a qualidade final desejável.
“Não nos interessa comprar a lampreia de rios que estão muito poluídos. A lampreia de qualidade custa mais dinheiro na compra e é aí que está a diferença. Além de se ter uma boa cozinha é fundamental saber comprar”, concretizou, reconhecendo que a construção das barragens obrigou os operadores da restauração a adoptarem outras medidas para dispor de lampreia de qualidade.
“Temos de ter um stock grande de lampreia, viveiros de água de mina para que conserve o mesmo sabor. No passado a lampreia era pescada no rio Douro e no Tâmega e quanto mais a montante ela fosse pescada melhor era a lampreia, mais batida era. Quanto mais tempo nadasse na água doce melhor era. Presentemente usamos os viveiros para produzir o mesmo efeito, substituir esse tempo em que a lampreia seguia rio acima e era pescada das barragens para cima”, confessou.
Falando do Festival da Lampreia de Entre-os-Rios, Manuel Luís reconheceu que a lampreia é uma iguaria que ajuda não apenas a incrementar a economia local, mas a potenciar uma tradição, um conhecimento e uma arte que traz à freguesia da Eja muitos apreciadores.
“É fundamental dar a conhecer a lampreia à moda de Entre-os-Rios pelo que o Festival é uma referência na região e um veículo para a divulgação desta iguaria, sendo, igualmente, um suporte económico para muitos agregados familiares que vivem da sua comercialização”, afirmou.
Ao longo das próximas quatro semanas, os apreciadores da lampreia podem degustar nos restaurantes aderentes do Festival da Lampreia de Entre-os-Rios, organizado pela Câmara Municipal de Penafiel, esta especialidade, preparada de acordo com o receituário tradicional de Penafiel, à bordalesa ou com arroz.
O festival termina, no fim-de-semana de 23 a 25 de Março, com a instalação de uma tenda gigante, em Entre-os-Rios, onde estarão representados cinco restaurantes. Aí os apreciadores poderão degustar a lampreia por 10 euros. Este ano, o evento integrará também a primeira entronização da Confraria da Lampreia de Entre-os-Rios.