Na passada quarta-feira, na RTP, Ramalho Eanes, proferiu uma autêntica conferência sobre Humanismo e humanidade.
Confesso a minha insensibilidade quase total por andar a pregar e a querer ouvir cientistas e médicos sobre a pandemia e me ter esquecido importância das Humanidades que, para cúmulo, são a minha área de formação.
Foi a meia hora mais bem aproveitada dos dias de pandemia.
Trinta minutos extraordinários, de sabedoria, de sensibilidade e, sobretudo, pela capacidade única de, através do amor nos falar do sofrimento que nos aflige. A todos. Novos e velhos.
Percebeu-se nele e ali, sem grande novidade e com a mesma dignidade, a inteligência louvável e as capacidades de um grande Homem, de um líder único, hoje, entre nós.
De resto, o dia seguinte não desperdiçou o valor do que Eanes dissera, mas esqueceu o que, em nossa opinião, Eanes disse sem falar. Pelo menos explicitamente.
Quando afirmou, naquele timbre sempre igual que lhe conhecemos e respeitamos, que os velhos estão disponíveis para ceder o ventilador aos homens com mulher e filhos, Ramalho Eanes num silêncio inaudível que calou quando, para evitar as lágrimas, levou o copo de água aos lábios, Eanes soltou um grito de revolta. O único nesta entrevista. Eu percebi assim:
ESTA SOCIEDADE NÃO TEM O DIREITO DE TRATAR ASSIM, TÃO CRUELMENTE, OS SEUS VELHOS!
Dar uma entrevista daquelas naquele dia era um exercício difícil. A jornalista tentou, sem sucesso, conseguir uma peça piegas. Respeito-lhe a vontade, mas valorizo mais o outro conteúdo.
O sentimento esteve à flor da pele, mas não consegui eliminar a lição
Um momento fantástico de televisão e sobretudo o exemplo único de um homem que representa a reserva dos melhores e maiores valores da nossa democracia.
Quanto à pandemia, a semana, quase toda, deu-nos, com muitas reservas, dados razoavelmente animadores.
Há sempre, convém não esquecer, a possibilidade de os números se alterarem e adulterarem a verdade com que nos temos tristemente contentado.
Paradoxalmente, se os testes se democratizarem, por exemplo. A massificação dos testes dará, também à pandemia, outra dimensão. Os resultados serão mais fidedignos porque abrangem mais testados, mas os números serão maiores porque fornecerão mais infetados.
Dito assim até parece que a cada dia que passa nos preocupamos mais com os números do que com as pessoas.
É mentira.
Os números podem devolver-nos os melhores dias. As pessoas só dias melhores.
Entretanto, o presidente da república decidiu prolongar o estado de emergência e o governo tratou de o muscular. Nada a opor, por ora.
Prevejo e não me devo enganar que as maiores divisões destes dias de convergência surgirão da medida de libertar 1.200 dos 2.700 reclusos das cadeias portuguesas.
Como a necessidade é absoluta e os critérios me parecem bem definidos, ao contrário de muitos outros, não me sentirei mais inseguro. Conheço, cá fora, muita gente pior que nunca foi presa.
Para os crentes não será a habitual sexta-feira santa religiosa.
Poderá, ainda assim, ser uma santa sexta-feira.