Ser diagnosticado como diabético não é fácil. Mas depois do choque em ouvir as palavras “doença crónica” é possível continuar a viver bem e com qualidade.  O fundamental é aceitar a diabetes, asseguram André Cunha (15 anos) e Ana Sousa (57 anos), que souberam mudar rotinas e adoptar regras que lhes permitem conviver com a doença sem nunca deixarem de fazer aquilo de que mais gostam.

A diabetes atinge mais de 371 milhões de pessoas em todo o mundo e continua a aumentar. Segundo o Relatório Anual do Observatório Nacional da Diabetes, de 2012, a doença não foi ainda diagnosticada em mais de 50 % dos casos e matou, em 2011, 4,8 milhões de pessoas. Estima-se que, em 2030, o número de pessoas com diabetes atinja os 552 milhões. Portugal está entre os países europeus com a taxa mais elevada de prevalência da diabetes. O número de pessoas já diagnosticada ou em risco de ter a doença no país é de 12,7% (1003 mil indivíduos).

Sobre a região, não há ainda números exactos, mas foi criada uma Unidade Integrada de Diabetes, que junta o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (CHTS) e os Agrupamentos de Centros de Saúde, para criar um plano integrado de abordagem dos diabéticos e a identificação da maioria dos doentes, explica Margarida Almeida, presidente do Núcleo da Diabetes do CHTS.

 

É preciso comer e descansar a horas certas e controlar os níveis de açúcar

A diabetes é uma doença crónica que obriga a rotinas para toda a vida. É preciso descansar e comer a horas certas e controlar, frequentemente, os níveis de açúcar; e seguir a medicação que, quando o pâncreas já não produz insulina suficiente para que o organismo consiga absorver o açúcar dos alimentos (o que acontece sempre nos casos dos diabéticos tipo 1), passa por injecções de insulina.

Quatro em cada 10 portugueses adultos têm diabetes ou o risco de desenvolver a doença que é responsável pelo aumento do risco de acidentes cardiovasculares, e é uma das principais causas de cegueira, doença renal, amputações e morte. “Cerca de metade dos doentes não sabem que são diabéticos e, como tal, na altura do diagnóstico, cerca de 50 por cento já tem lesões nos olhos e outras complicações”, realça a médica endocrinologista Margarida Almeida. O sedentarismo e a obesidade estão muitas vezes entre as causas da diabetes de tipo 2. Perda de peso, sede e fome excessivas, e necessidade de urinar muito e frequentemente são alguns dos sintomas que devem levar a população a procurar aconselhamento médico.

Se tratada correctamente, a diabetes não impede de ter uma vida “normal” e autónoma. Passa pelo doente seguir as recomendações e medicação para que a doença esteja controlada. Esta semana, contamos as histórias do André e da Ana, dois diabéticos que mantém uma vida plena, mas regrada.

Nunca me senti diferente e nunca deixei de fazer nada por causa da diabetes”

André Cunha convive com a diabetes desde que tinha sete anos. “Andava sonolento e muito cansado. Sempre bebeu muita água e fez xixi na cama”, recorda a mãe, Carla Coelho. Mas naquela altura, há cerca de oito anos, não se falava tanto da doença e dos sintomas. Foram ao hospital, mas não foi logo devidamente diagnosticado, e no dia seguinte voltaram aos serviços de saúde com o menino já a entrar em coma diabético. O diagnóstico: tinha diabetes tipo 1, mais característica de crianças e adolescentes e que torna o doente insulinodependente, já que o pâncreas não produz essa substância.

“Foi um choque muito grande. Na minha família não havia ninguém com diabetes e na altura pensava que a doença só afectava os idosos. Lembro-me que o meu maior medo era que o raptassem e que ele precisasse de insulina e não a tivesse”, conta a mãe. Passado o susto começaram as mudanças. Foi preciso criar novas rotinas para a família e explicar a doença ao André. “Chegamos a ir a vários encontros promovidos pelo Hospital Padre Américo para que ele brincasse com outros meninos diabéticos”, refere Carla Coelho.

“O fundamental da diabetes é aceitarmos a doença. E, quando estamos a falar de crianças, não podemos pôr a responsabilidade toda em cima deles, é preciso acompanhá-los”, defende a progenitora. No início, Carla assumiu a tarefa de dar insulina ao filho. Passaram a ter que fazer refeições de três em três horas e a fazer caminhadas depois do almoço e do jantar. “Quando era pequeno adorava jogar à bola e brincávamos muito com ele dentro de casa para gastar energia e baixar os níveis de açúcar”, recorda a mãe.

 

Colegas aceitam bem a situação

A aceitação por parte da família fez com que o André tenha tido, desde sempre, um percurso tranquilo. “Nunca me senti diferente e nunca deixei de fazer nada por causa da diabetes”, garante o rapaz de Recarei, Paredes, agora com 15 anos. Além de não poder comer muitos doces, André segue apenas, diariamente, uma série de rituais que lhe permitem manter a doença com os níveis controlados. Picar-se para ele é normal e dar as injecções de insulina nele próprio também, coisa que já faz desde os 9 anos de idade. “Agora as agulhas são tão pequenas, já não sinto dor nenhuma”, afirma.

O dia-a-dia do jovem é sempre idêntico: tem que comer a horas, controlar os níveis de açúcar, beber água e contar os hidratos de carbono que ingere. Quando chega às horas das refeições precisa de picar o dedo e fazer pesquisa com um glicómetro, um pequeno aparelho que regista o nível de açúcar no sangue. Faz isso mesmo dentro da sala de aula.  Vistos os níveis tem que avaliar o que vai comer e tomar a dose certa de insulina para ajudar o corpo a processar os alimentos. E a ideia de que isto é para toda a vida, não o assusta, garante o André.

A maioria dos colegas, porque já o acompanham há alguns anos, não faz perguntas, mas agora que foi para o 10.º ano e para a Escola Secundária de Paredes aconteceu-lhe uma situação caricata. “Estava com os colegas de turma pela primeira vez na cantina e fiz o meu ritual normal e dei a insulina no braço. Alguns ficaram a olhar e a brincar que me estava a drogar. A seguir expliquei o que tinha e como funcionava a doença. Todos reagem bem, ficam só com curiosidade”, explica o jovem que sonha ser engenheiro informático.

Apesar de a diabetes já integrar a vida familiar há oito anos, e de nunca ter acontecido nada de grave, a mãe não esconde que ainda fica em sobressalto quando o telefone toca e é da escola. “De noite acordo sempre para o ir espreitar porque ele não sente as quebras de açúcar”, confidencia Carla Coelho.

 

“É essencial que o diabético se conheça a si próprio”

Foi logo aos 19 anos, depois de uns exames de rotina, que Ana Sousa foi diagnosticada como pré-diabética. A avó tinha diabetes e, anos mais tarde, também o pai haveria de ter os primeiros sintomas da doença. A professora do primeiro ciclo, agora reformada, confessa que na altura ficou “alarmadíssima”. “Avisaram-me que corria o risco de ter diabetes e que, se pensasse em ter filhos, teria que ter uma gravidez mais vigiada”, recorda a penafidelense. Mas como não houve influências directas na sua vida, Ana Sousa despreocupou-se. Anos mais tarde engravidou e tudo correu pelo melhor.

A situação foi evoluindo até que, por volta de 1993, a médica a informou que teria que tomar comprimidos diariamente para controlar a doença, a diabetes tipo 2. Assim andou até há oito anos atrás. “Eu fazia a medicação, mas não fazia o importante para não chegar ao ponto de ter que tomar insulina”, reconhece agora. Fugiu das injecções ainda durante uns anos, enquanto manteve o seu ritmo de vida dinâmico, conciliando a profissão, uma licenciatura e depois um mestrado, a casa e a família. “Andava sempre a correr e não dava a devida atenção à alimentação e aos horários”, conta Ana Sousa.

Com as complicações de saúde do pai, a ex-docente começou a sentir-se cansada e emagreceu bastante. “Quase não tinha forças e tinha que pedir ao corpo para ir daqui acolá”, descreve. Foi então que teve que deixar de fugir e passar a tomar insulina diariamente, já que não conseguia normalizar os níveis de açúcar no sangue só com a medicação. Só aí a penafidelense se convenceu que tinha que alterar o estilo de vida que levava. “Abrandei o ritmo aos poucos e comecei a ver o que era prioritário. Mudei os hábitos alimentares, comecei a comer de três em três horas, e passei a fazer caminhadas. No fundo, a fazer o que qualquer pessoa devia fazer para ser saudável”, explica.

Doença obriga a reaprender a viver

O processo, que lhe trouxe mais qualidade de vida, passou por reaprender a viver. “Quando a pessoa se sente doente pára para pensar. Eu dei comigo a ouvir o meu corpo, porque ele sempre me deu sinais, eu antes é que não os ouvia”, assume. Passou a ter que picar-se todos os dias e registar os níveis de açúcar no sangue e a tomar injecções de insulina duas vezes por dia. “O diabético tem que estar sempre alerta e é essencial que se conheça a si próprio”, salienta Ana.

No início, reconhece, era mais complicado. Passou a ter que pensar as saídas com antecedência e a levar sempre qualquer coisa para comer. Mas, seguindo todas as regras, a doença está hoje controlada. “A médica até me diz para festejar porque em 20 anos de diabetes nunca tive um problema grave”, brinca.

É descrita como “regrada e boa aluna”, mas Ana não esconde que comete os seus pecados. Ainda perde a cabeça por um bom gelado no Verão e, ocasionalmente, pede um café e uma nata… “Sei que não devo comer a nata, mas depois dou uma volta a pé e já me sinto melhor. Não deixo de fazer nada do que gosto por ser diabética. Mas sei que está na minha mão viver mais anos e com qualidade de vida”, assume.

Esse foi um passo fundamental: a aceitação da diabetes. “É preciso saber que não há cura e que vamos viver com ela. Às vezes culpava-me. Pensava ‘se fui diagnosticada como pré-diabética porque me deixei chegar a isto?’ Por isso, gosto de alertar outras pessoas para que aceitem a doença mais cedo e para que lhe dêem a importância que requer. Se a diabetes estiver controlada vivemos bem o dia-a-dia”, diz Ana Sousa.

 

Olhar médico

Margarida Almeida  – Endocrinologista e presidente do Núcleo da Diabetes do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa

Como se pode prevenir a diabetes?

A diabetes tipo 1 não se previne. A diabetes tipo 2 previne-se com hábitos de vida saudáveis, dieta adequada e exercício. Também é preciso especial atenção se há história familiar de diabetes tipo 2 ou história pessoal de diabetes gestacional, isso aumenta muito o risco de diabetes tipo 2 no curso da vida. O risco é também maior nos obesos ou em pessoas que fazem tratamento com corticóides.

Há uma idade para ter diabetes ou qualquer pessoa pode ter esta doença?

A diabetes tipo 1 é característica das crianças e adolescentes, mas pode acontecer em qualquer idade. A diabetes tipo 2 surge mais na meia-idade e no idoso, mas cada vez mais surge também nos mais jovens, resultado de maus hábitos alimentares e sedentarismo. Há muitos adolescentes afectados por apresentarem obesidade severa.

Quais os sintomas que ajudam a detectar a doença?

Perda de peso, sede e fome excessivas, urinar muito e frequentemente.

Quando as pessoas são confrontadas com a doença como reagem? As palavras “doença crónica” assustam? 

Geralmente agem como se tratasse de uma sentença. Não e fácil quando se percebe que o processo de controlo envolve mudanças profundas, a adopção de hábitos de vida diferentes e que, eventualmente, vai ser necessária medicação para toda a vida.

É fácil viver com diabetes?

Sim, embora como qualquer doença crónica isso tenha exigências adicionais, como exames e consultas médicas  regulares. Mas o que se exige do diabético é aquilo que se exige a qualquer pessoa que queira manter-se saudável: hábitos alimentares correctos e exercício regular. É muito importante, também, a vigilância do açúcar de forma regular e isso nem sempre é bem aceite.

É possível viver uma vida dita “normal”?

Claro que sim! Com um bom controlo, a esperança de vida é igual à restante população.