Dezembro

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O mês do Natal, como o vemos, não se vive pelo esplendor das luzes nem pelos apelos ao consumo. Sente-se, mas também não se explica só pela nostalgia. Sente-se, mas não se celebra só pelas iguarias e presentes. Nem sequer pela missa do galo.

Para nós, os que ainda vivem o Natal como quando éramos pequenotes e a nossa mãe nos ensinava o texto da peça de teatro que exibíamos, orgulhosos, perante uma plateia completa, se bem que não contasse com mais do que os pais e irmãs também personagens ou apenas assistentes, para nós- dizíamos- é das poucas vezes em que não nos ofendemos ao ouvir dizer: antes é que era bom.

Sejam quais forem os sentimentos que tomam conta de nós nesta época, há um poema que sempre nos vem à memória e quase sempre gostamos de partilhar. É este:

“Dia de Natal”

(António Gedeão)

Hoje é dia de ser bom. É dia de passar a mão pelo rosto das crianças, de falar e de ouvir com mavioso tom, de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros – coitadinhos – nos que padecem, de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria, de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem, de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal. É só abrir o rádio e logo um coro de anjos, como se de anjos fosse, numa toada doce, de violas e banjos, entoa gravemente um hino ao Criador. E mal se extinguem os clamores plangentes, a voz do locutor anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu e as vozes crescem num fervor patético. (Vossa Excelência verificou a hora exata em que o Menino Jesus nasceu? Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas. Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante. Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates, com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica, cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates, as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito, ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores. É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito, como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento. Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar. E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento e compra – louvado seja o Senhor! – o que nunca tinha pensado comprar.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena. Naquela véspera santa a sua comoção é tanta, tanta, tanta, que nem dorme serena.

Cada menino abre um olhinho na noite incerta para ver se a aurora já está desperta. De manhãzinha, salta da cama, corre à cozinha mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza da matutina luz aguarda-o a surpresa do Menino Jesus.

Jesus o doce Jesus, o mesmo que nasceu na manjedoura, veio pôr no sapatinho do Pedrinho uma metralhadora.

Que alegria reinou naquela casa em todo o santo dia! O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas, fuzilava tudo com devastadoras rajadas e obrigava as criadas a caírem no chão como se fossem mortas: tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está! E fazia-as erguer para de novo matá-las. E até mesmo a mamã e o sisudo papá Fingiam que caíam crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal, Dia de Amor, de Paz, de Felicidade, de Sonhos e Venturas. É dia de Natal. Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade. Glória a Deus nas Alturas.