A música de fundo é de Pedro Abrunhosa. A “Para os braços da minha mãe” dá o mote para uma das danças programadas para o espectáculo inclusivo “Dança com Arte” que será levado a palco por 30 utentes da Comunidade de Inserção da ADICE – Associação para o Desenvolvimento Integrado da Cidade de Ermesinde, no dia 28 de Abril, no Auditório São Vicente, em Alfena, com a ajuda de bailarinos profissionais.
“Não sei que força me mantém”, ouve-se num dos versos, enquanto os ‘dançarinos’ copiam os gestos e movimentos da professora Maria Costeira, voluntária. Rodopiam em torno de cadeiras, dançam a pares, terminam juntos. Logo a seguir, o ritmo muda. ‘Entra’ 50 Cent, com “Candy Shop” e chegam os movimentos de hip hop.
Este foi um dos últimos ensaios deste grupo de jovens e adultos, com idades entre os 22 e os 50 anos, e com deficiências e incapacidades ligadas à trissomia 21, paralisia cerebral, doenças do foro genético (que causam atrasos de desenvolvimento) e doenças mentais.
O que é que querem demonstrar com este espectáculo? “Que somos todos diferentes e todos iguais”, resume numa expressão a presidente da ADICE, Maria Trindade Vale, sustentando que querem sensibilizar para a diferença e mostrar as potencialidades destas pessoas.
“Estou um bocadinho ansiosa, mas também com força de vontade para dar um grande espectáculo”
Ainda antes do ensaio, propriamente dito, houve aquecimento. “Um braço e uma e duas e cruza”, vai indicando Ana Barros. Cada um dos ‘alunos’ vai imitando o que vê reflectido no espelho, ao seu ritmo. “Agora pernas lá atrás”, incentiva a funcionária da instituição, que tem formação na área da dança.
Por norma, os utentes da Comunidade de Inserção já têm acesso a dança na instituição, mas é desde Janeiro que estão a treinar para este espectáculo. A ansiedade começa agora a fazer-se sentir. Mas estão empolgados com a iniciativa que vai conjugar diferentes estilos, desde o contemporâneo, à dança do ventre, hip hop e danças de salão.
“Adoro dançar desde pequeno e aqui já dancei vários estilos, até rancho”, testemunha Abílio Osório, de 37 anos, de Valongo. “Acho que os ensaios estão a correr bem, mas ainda nos enganamos em alguns passos. Actuar com público assusta, mas isso passa. Já fizemos outros espectáculos. Vai correr bem. Vamos trabalhar para isso”, assegura o utente. “Numa equipa como esta não se mexe”, brinca. Abílio está na instituição há já alguns anos. “É fixe estar aqui, são boas pessoas”, garante. Gosta sobretudo de desporto e da dança, não esconde.
Já Sara Pacheco, de 28 anos, de Alfena , está há dois na ADICE e também gosta das actividades. “A dança é a minha vida e o meu sonho”, afirma, dizendo-se emocionada, não só por participar no espectáculo, mas também por ter a oportunidade de dançar com o namorado. “O meu par é o Ricardo Joel, tem 32 anos e é de Ermesinde, é o meu namorado também. Dançar com ele ainda é mais especial”, conta.
“Estou um bocadinho ansiosa, mas também com força de vontade para dar um grande espectáculo”, relata ainda a jovem. Segundo ela aprender os movimentos tem sido fácil. “Sei fazer os passos bem e os gestos”, afiança. “Espera que o público saia de lá a gostar e empolgado”, afirma a utente.
“É um reforçar de que são capazes de fazer tudo, da sua maneira, com as suas dificuldades”
Maria Costeira, da Academia em Movimento de Rio Tinto, que ajuda voluntariamente nos ensaios, garante que é “desafiante, mas trabalha-se muito bem” com estes ‘bailarinos’. Ela já está habituada a estas “populações especiais”, já que na escola de dança que fundou existe dança adaptada. Vão agora participar no concurso nacional de dança, sendo que só essa hipótese ter sido aberta já revela que o país “está no caminho certo”.
Estes adultos e jovens “são muito empenhados e dão ideias”, atesta Ana Barros. “Conseguimos adaptar tudo a qualquer um, acho que vai correr muito bem”, refere a funcionária da ADICE. Sobre o estado de espírito dos participantes acredita que “não têm medo, apenas nervosismo para chegar ao grande dia”. “Não têm dificuldade com o público, estão ansiosos por mostrar o espectáculo”, atesta, frisando a importância de eles provarem capacidades. “É um reforçar de que são capazes de fazer tudo, da sua maneira, com as suas dificuldades”, acredita.
Na ADICE faz-se inclusão todos os dias, com os utentes e com as famílias, com a ajuda dos profissionais da casa e de voluntários. E a resposta não chega, já que há fila de espera. O objectivo é darmos visibilidade a todas as capacidades que estes jovens têm. Queremos empoderá-los e sensibilizar a comunidade”, refere Dora Martins, coordenadora da Comunidade de Inserção. Parte do trabalho realizado é com as famílias: “Para além dos jovens também acompanhamos as famílias, que têm as suas necessidades específicas. E temos que fazer trabalho com elas, caso contrário este trabalho com eles é posto em causa. Se elas não estiverem motivadas para trabalhar não atingimos objectivos”.
Têm 30 utentes em actividades regulares, mas podem ter outros tantos em acções pontuais. E há muitos à espera para entrar. A Comunidade de Inserção existe desde 2006 e actua em várias vertentes. “Tentamos que todos os dias ter alguma coisa que leve estes meninos a sentir que são iguais a todos os outros. Eles ficam muito felizes com estas actividades”, assume Maria Trindade Vale, defendendo a necessidade de mais respostas deste género ou de que, as que existem, tenham apoios para ser ampliadas. “Temos uma vasta lista de espera. Todos os dias nos procuram”, clarifica.
Dora Martins realça a importância das parcerias feitas, com profissionais que estão a dar o seu tempo em regime de voluntariado, para montar este espectáculo. Agora só esperam que a comunidade compareça e que valorize o trabalho desenvolvido.
O “Dança com Arte” acontece a 28 de Abril, pelas 21h00, no Auditório São Vicente, em Alfena.
Os bilhetes podem ser reservados através do email comunidadedeinserção@nulladice.pt ou pelos telefones 224225010 / 935794195.
A Comunidade de Inserção apresentou já em anos anteriores espectáculos musicais sobre diferentes temáticas, dinamizando um Grupo de Danças e Cantares. Actualmente, os utentes estão a preparar também a apresentação da peça de teatro infantil “Branca de Neve” para levar às escolas básicas do primeiro ciclo da freguesia de Valongo.