De sorriso fácil e a transbordar energia. É assim Daniel Seabra, 28 anos, natural de Sobrosa, no município de Paredes. É acrobata aéreo e além de ser um apaixonado pela vida, nutre o mesmo sentimento pelas alturas. Iniciou o seu percurso artístico em 2010, quando tinha 16 anos. Nessa altura, deixou a vila onde nasceu e rumou a Lisboa, onde se especializou no Chapitô.
Trabalhou para a Royal Circus, em 2013, e, um ano depois, no Cirque Pinder, entre outros. Colaborou, ainda, com companhias como La Fura dels Baus e a Esquina.
Em 2017, ao lado de João Pedro do Vale e Nuno Alexandre Ferreira, apresentou ‘Palhaço Rico Fode Palhaço Pobre’, para a BOCA, a Biennial of Contemporary Arts. Participou na criação da Companhia Erva Daninha – Savar AM. Em 2018, dirigiu o projeto Fractions of a Whole, para o Festival Imaginarius, e estreou o seu primeiro solo, Crisálida, inserido na Mostra Estufa. Também está ligado ao Teatro Experiumental do Porto (TEP).
Daniel Seabra é um artista e um criador. Em entrevista ao Verdadeiro Olhar lamentou que, em Portugal, as pessoas ainda olhem para o meio artístico “como algo precário”, “como se os artistas fossem uns sem terra e vivessem em roulottes”. Mas “já não é assim”. Hoje, é um mundo que “vai muito para além disso”, garantiu.
“Sou um privilegiado, porque nunca tive que trabalhar numa outra área que não a minha”
Apesar de reconhecer que é um trabalho, por vezes, incerto, no seu caso não tem sido assim. “Sou um privilegiado, porque nunca tive que trabalhar numa outra área que não a minha”.
“Trepava a tudo. Andava sempre pendurado nos muros. A minha avó atirava-me com a soca”
Mas a veia de artista deu sinal quando ainda era criança. Não tem ideia da altura certa em que se deu “o click”, mas lembra-se que, em criança, “trepava a tudo. Andava sempre pendurado nos muros”. E o fascínio que tem pelo “movimento e pela actividade física” vem da infância, para grande desespero da mãe e da avó que temiam que se magoasse. A soca da avó andava muitas vezes pelo ar, mas de nada valia, porque a paixão de Daniel falava mais alto.
Quando tinha 15 anos, o circo ‘estacionou’ em Sobrosa. Daniel foi ver e perguntou se podia actuar. Daí até chegar ao Chapitô, uma escola de artes circenses, em Lisboa, passou um ano. Desde então, nunca mais parou.
Daniel Seabra anda sempre no ar, na verdadeira acepção da palavra. Medo? “Ui tantas vezes”, responde prontamente, ao mesmo tempo que solta uma gargalhada. E recorda quando teve que ficar pendurado a cerca de “70 metros” do chão. Quando saiu do helicóptero para ficar suspenso, desmaiou e teve que “começar tudo de novo”.
Além disso, recorda também: “já parti a cara toda há uns anos. Fui hospitalizado. Chorei muito, porque é sempre algo dramático”, relata, ao mesmo tempo que vai soltando risadas. Parece uma antítese, mas o tempo cura tudo e as mazelas que as acrobacias lhe causaram, talvez sejam apenas boas memórias.
Daniel Seabra trabalha muitas horas por dia e quando está perto dos espectáculos, os ensaios são muito mais intensos.
“Carrego, ensaio e quando chega a casa estou acabadíssimo”, com a energia em baixo. Porque o seu trabalho encerra “um processo físico, mas também criativo”. Quando se prepara um espectáculo é preciso “ler, ler muito sobre assuntos que tenham a ver com o que se vai apresentar. Ver filmes e consumir tudo, para que consigamos ganhar referências” e encontrar uma “lógica” da performance. Mas não se nota, porque falou ao Verdadeiro olhar depois de um dia de trabalho e foi difícil acompanhar tanta energia. O acrobata aéreo consegue segurar-nos e amarra-nos ao seu discurso fluído e rápido. E todas as palavras e gestos acabam por desencadear algo a quem o ouve.
Adorava fazer um projecto em Paredes, porque “não há oferta e o que há tem um lado mais comercial, não é educacional ou cultural”
Quando questionado sobre os sonhos e o que espera do futuro, parece que apertamos o gatilho, porque Daniel começa a disparar que, e apesar de defender que não sabe se esse tempo vai existir, quer continuar a “educar, a ensinar, a fazer formação”, a ‘criar’ mentes e corpos. Adorava fundar um projecto vocacionado para as artes em Paredes, porque “não há oferta e o que há tem um lado mais comercial, não é educacional ou cultural”. E este é um pensamento que o assalta de todas as vezes que vai a casa. Apesar de viver no Porto, quando pode ruma até Sobrosa para se reconfortar com a comida mãe.
Fascinado por viajar, já andou muito por vários países e, em breve, deve rumar a Espanha para outro projecto.
E se por alguma contrariedade este plano ‘A’ falhar? Daniel Seabra não desarma trata de dizer que pensou muito nisso, sobretudo em época de pandemia, porque a arte e a cultura “não são bens essenciais”. Por isso, aponta que gostava de tirar um curso de primeiros socorros, para se “sentir útil”.
Também desenvolve formação em instituições de jovens em risco ou prisões. Quer continuar a fazê-lo. Também gostava de fazer um trabalho político e activista, em que ambos se fundissem na arte.
Porque é um apaixonado pela vida e pelas pessoas, também adora tudo o que se relaciona com a “psicologia, antropologia ou sociologia”. Algo que “envolva estudar as pessoas”. “Também gostava de ser aero-moço para poder viajar!”. Tantos e tantos sonhos, anseios e projectos.
Mas enquanto tudo isto aindae está em suspenso, Daniel Seabra promete continuar a envolver o público e a ‘amarrar’ com cordas o nosso olhar ao céu, desencadeando-nos todo o tipo de sensações.