Alterar a forma e a cor do cabelo, sem usar produtos químicos tradicionais, foi aquilo a que se propôs Teresa Matamá, de Paços de Ferreira, que é investigadora do CEB – Centro de Engenharia Biológica, da Universidade do Minho. Depois de “mais de dez anos de trabalho” e integrando uma equipa liderada pelo professor Artur Cavaco-Paulo, a cientista, juntamente com outros membros da equipa, entraram para a história ao terem desenvolvido formulações cosméticas que, neste momento, foram submetidas a um pedido internacional de patente, com o objectivo de modificarem a cor ou a forma do cabelo a partir da raiz.
Teresa Matamá tem 46 anos, é casada, mãe de três filhos e vive em Paços de Ferreira. Todos os dias faz a viagem entre a sua terra natal e Braga, onde fica o núcleo de investigação que realizou este estudo.
Em entrevista ao Verdadeiro Olhar, a investigadora explicou que nesta equação, os investigadores quiseram “encontrar alternativas aos cosméticos ditos tradicionais que alteram a forma e a cor do cabelo” e que “usam componentes agressivos”.
Fórmulas que vão permitir “reduzir a frequência do uso de tintas e produtos de alisamento/permanente que, além de causarem danos à fibra do cabelo, contêm químicos que em contacto com o couro cabeludo podem desencadear reacções adversas locais”, como sejam “reacções inflamatórias e alérgicas” que podem originar “dermatite e queda de cabelo”, explicou.
Alguns estudos apontam mesmo para uma associação entre frequência do uso dos referidos cosméticos tradicionais e um risco acrescido de desenvolvimento de vários tipos de cancro, como o da mama.
Por isso, em laboratório, vestiram as batas, deitaram mãos ao trabalho e, através de um ‘jogo’ realizado com células, estudaram o “efeito potencial de várias moléculas na cor e forma do cabelo e se lhes imprimiam alterações”. No que diz respeito à cor, a ideia passou por “inibir ou estimular a produção de melanina” que é o pigmento produzido pelo corpo e o responsável pela coloração.
Através de um sérum capilar contendo algumas dessas moléculas foi então possível “alterar a produção deste pigmento”, frisou.
Estudo é “ponto de partida para uma alternativa a produtos que são prejudiciais” e que têm sido associados ao desenvolvimento de alguns tipos de cancros
Mas estamos a falar de um “estudo preliminar”, por isso, as alterações, apesar de visíveis, “são ténues, mas servirão de “ponto de partida” para uma alternativa aos tais produtos prejudiciais, especificou a cientista.
Também a forma foi alvo de estudo, sendo que, neste caso passou, primeiro, pela comparação dos “genes expressos entre um tipo de cabelo e outro”. Neste âmbito, o trabalho acabou por ser mais complexo, porque “pouco se sabe sobre o que está por detrás de um cabelo liso ou encaracolado”, havendo pouca informação sobra esta matéria.
Após muito trabalho, a equipa de investigadores conseguiu desvendar mais um pouco o que provoca “diferentes graus de curvaturas da fibra do cabelo” e “modelar a actividade de alguns desses genes, através do tratamento das células da raiz do cabelo com determinadas moléculas, ora aproximando o perfil de actividade ao encontrado num cabelo liso ora ondulado”, explicou a investigadora, acrescentando que ambos estes estudo estão concluídos e patenteados internacionalmente.
Mas o percurso desta cientista não esteve sempre relacionado com estas áreas. Depois de se ter licenciado em Bioquímica, Teresa Matamá trabalhou num laboratório de diagnóstico molecular de doenças neuro-degenerativas, que afectam o movimento e a coordenação motora.
Em declarações ao Verdadeiro Olhar, reconheceu que esta fase da sua vida “foi muito intensa”, sobretudo porque teve que “lidar com diagnósticos moleculares pré-natais”, por exemplo.
Acabou por “fugir” de tudo o que implicasse lidar, ainda que de forma muito indirecta, com o sofrimento humano que tais patologias hereditárias acarretam e que se esconde por trás de cada amostra testada.
Desenvolveu o seu trabalho de doutoramento em Biotecnologia Têxtil, dedicando-se ao estudo de fibras sintéticas, numa perspectiva ambiental, uma área onde emocionalmente disse sentir “mais confortável”. E esta mudança de rumo acabou por trazê-la para outros caminhos, como este de fazer parte deste projecto de investigação.
Mas recuemos no tempo. O futuro de sucesso começou a desenhar-se quando Teresa Matamá ainda estudava em Paços de Ferreira. As boas notas auspiciavam o curso de Medicina. Aliás, “toda as pessoas diziam que era este o caminho que devia seguir”, recordou. Mas a morte prematura de um tio médico fê-la repensar naquilo que queria fazer. “Fiquei muito assustada e com a certeza que não era por ali”, confessou.
“Sempre quis procurar e encontrar respostas para algo que não tem solução no presente”
Mas não querendo seguir Medicina, tinha uma certeza, o desejo de “procurar e encontrar respostas para algo que não tem solução” no presente. E foi aí que decidiu seguir a área da investigação
A cientista ama o que faz e sente-se realizada neste seu trabalho, apontando apenas o dedo à “falta de estabilidade”, porque “dependemos, não só de financiamentos para os projectos de trabalho que desenvolvemos e salário próprio como também da modernidade do tempo”. E neste último item dá como exemplo a Agenda 2030, onde se definiram vários objectivos e metas com prioridade num modelo de gestão global dos fundos de investigação, que são os pilares de um desenvolvimento sustentável que se quer para o planeta. Ora, “o que não se enquadra nestes temas, não consegue financiamento”, sublinha Teresa Matamá que lamenta que os investigadores “tenham que andar sempre atrás de verbas” que, muitas vezes, são difíceis de conseguir, implicando uma contante adaptação e resiliência.
“Se não tivesse apoio familiar não conseguiria ter um emprego tão instável (como a investigação) e longe de casa”
Não podemos esquecer que, para além da vida no laboratório, estas pessoas têm “compromissos, filhos e família”. Aliás, Teresa Matamá só consegue trabalhar em Braga, longe de casa, porque pode contar “com o marido, que trabalha em Paredes, e com os pais e sogros”, que somados são o seu “suporte familiar”. Caso contrário, “seria impossível ter um emprego tão instável e longe de casa”.
Talvez, num futuro próximo, as condições de trabalho para estes profissionais, que estão ao serviço da ciência, se alterem. Infelizmente, não está nas mãos deles encontrar essa solução.
Mas, e enquanto isso não acontece, ficamos com a certeza que a investigação é um trabalho hercúleo, tornando-se “muito desgastante”, assegurou a investigadora.
Só que, e apesar destas contrariedades, esta cientista de Paços de Ferreira garante que vai continuar a trabalhar e a trazer-nos soluções para muitas das nossas angústias e problemas.