A solidão pode matar. Aliás, a ausência de interações sociais prejudica diversas capacidades cognitivas, antecipando o fim de vida. Evitar o isolamento é o principal objetivo da Universidade Sénior (UP) de Penafiel, frequentada por cerca de 80 alunos que, de segunda a sexta-feira, encontram ali muitas razões para sorrirem e viverem.

Quem ali entra percebe que se trata de uma casa, aliás, “a nossa casa”, como muitos fizeram questão de dizer ao VERDADEIRO OLHAR. O facto de a Câmara Municipal lhes querer retirar estas instalações, situadas no centro da cidade, não é mais do que “pura maldade do Sr. presidente”, atira uma das alunas que frequenta aquele espaço há vários anos e ali, todos os dias, aprende e encontra “abraços, sorrisos e muitos amigos”.

Cadeados à porta e cartazes que ecoam liberdade

Hoje, quem passa pela porta da UP vê cadeados e redes, colocados pela Câmara Municipal que, nas últimas semanas, tem tentado despejar aqueles alunos, alegando que precisa do edifício onde, em tempos idos, funcionou a escola primária António Pereira de Castro. Os cadeados chamam a atenção, assim como um cartaz onde se lê: “50 anos de liberdade”, que não deixa ninguém indiferente. Quem frequenta a instituição não tem dúvidas em afirmar que este é um “lugar de vida, onde se aprende e onde se é feliz”. Maria Júlia, uma das alunas, não se conforma com a intenção da autarquia de levar estes alunos para “os arrabaldes da cidade”.

A luta contra a tentativa de deslocação para Novelas

O VERDADEIRO OLHAR falou com algumas destas pessoas que, todos os dias, frequentam a UP, e que têm idades entre os 60 e os 90 anos. Ali convivem, mantêm amizades de longa data ou mais recentes e encontram naquelas paredes “motivos para viverem”, porque se “sentem acarinhados, estudam, aprendem, fazem visitas de estudo” e, sobretudo, teimam em não envelhecer”, destaca Sofia Leal, responsável pela universidade. Sofia diz não entender a postura do autarca e afirma que “parece que está a fazer pouco destas pessoas”.

Um presente envenenado

Sofia Leal sabe que se esta pretensão do município se concretizar, “este projeto vai morrer”, sublinhando que a Câmara Municipal até devia “valorizar esta instituição por estarmos a criar condições de vida para a população mais envelhecida do concelho”.

O diferendo começou no final de 2023, quando a ADISCREP recebeu uma ordem de despejo por parte da Câmara Municipal, que alegava querer o edifício da antiga escola primária (feminina), situado na Praça do Mercado, para ali aquartelar serviços municipais.

O problema é que, em 2014, a autarquia tinha cedido o espaço à associação por um período de 20 anos. Passaram apenas 10 anos, mas a edilidade alega “interesse público”, dizendo que precisa do imóvel para “serviços” da autarquia. Anunciou ter disponibilizado um outro edifício, também de uma antiga escola primária, situado em Novelas. Apesar de a autarquia dizer que tem “todas as condições necessárias”, o espaço não convence os cerca de 80 alunos, já que dista muito do centro da cidade e, ao contrário do que é sustentado pelo município, “fica para lá do centro de Novelas, é no Lugar de Covilho”.

Resistência à ocupação e vitória em tribunal

Segundo Sofia Leal, “ali não há nada, é um ermo, é uma zona isolada e até mesmo o edifício é de acesso difícil para muitos dos alunos, porque tem escadas”. A alternativa apresentada pela autarquia não se adequa às especificidades do serviço prestado, não contando com acessos adaptados a seniores e nem com transportes convenientes.

Já no início do mês de setembro, a Câmara Municipal de Penafiel começou a vedar as instalações para a realização de obras no edifício, com base numa autorização do tribunal. No entanto, alunos e dirigentes da associação concentraram-se à entrada do imóvel para impedir a ocupação, tanto mais que tinham interposto uma providência cautelar, cujo resultado ainda não era conhecido.

Durante este processo, Sofia Leal recordou as “tentativas de arrombamento” por parte da autarquia e reforçou a ideia de que a mudança para Novelas “é um presente envenenado por parte do Sr. Presidente da Câmara Municipal”. A Câmara chegou a chamar a GNR para “acautelar os bens da Universidade Sénior e observar a legalidade da situação em curso”.

Alunos sentem-se traídos pela autarquia

No dia 24 de setembro, a Câmara Municipal de Penafiel veio a público afirmar que o Tribunal lhe tinha dado razão. No entanto, no dia seguinte, o Tribunal Administrativo de Penafiel deu provimento à providência cautelar da Universidade Sénior, ordenando a remoção dos cadeados e a reposição das fechaduras para que os alunos pudessem voltar a frequentar o espaço.

Margarida Batista, antiga aluna e professora de inglês naquele espaço, lamenta que o edifício que guarda tantas memórias deixe de estar vocacionado para a educação e passe a ser um espaço de gabinetes. “Estas paredes têm muitas histórias e história que se deveriam perpetuar”, desabafou. Ana Garcez, presidente da Comissão de Alunos, também ficou “muito perturbada com toda esta violência para com estas pessoas”. Apesar de se mostrar “satisfeita” com a decisão judicial, defende que a localização deste tipo de instituições deve primar pela “centralidade”.

Promessa de lutar até ao fim

Apesar de os alunos e dirigentes ainda terem uma “réstia de esperança no bom senso do Sr. Presidente da Câmara”, é certo que não vão desistir e prometem “lutar até ao fim por um espaço que lhes dá vida”. Porque ali, as fronteiras da solidão são derrubadas, as relações de amizade e a ocupação do tempo são fundamentais e adquirem uma nova dimensão numa fase mais adiantada da vida.

O VERDADEIRO OLHAR contactou a autarquia, que afirmou que, de momento, não tem mais comentários a fazer sobre o caso.