Ontem, o meu quotidiano foi assaltado por uma miríade de línguas estrangeiras, sorrisos abertos e um contágio vibrante de alegria. Apanhei um comboio em Paredes, com destino ao Porto, e, de súbito, vi-me rodeado por uma verdadeira maré humana de jovens. Eram tantos, que os lugares disponíveis rapidamente se esgotaram, fazendo do corredor a nova atração de assento. Mas, ao contrário da habitual tensão dos comboios urbanos na hora de ponta, o que reinava ali era uma atmosfera de entusiasmo e confraternização. Jovens que mal se conheciam, trocavam pulseiras, partilhavam histórias, imortalizavam momentos com selfies. Tudo isto, a mais de 300km do palco principal da próxima semana: as Jornadas Mundiais da Juventude.
Trazendo este episódio à baila, não posso deixar de refletir sobre a patetice protagonizada pelo artista plástico Bordalo II, que, com a atenção dos holofotes voltada para a montagem do altar para as celebrações com o Papa Francisco, decidiu estender um tapete de notas de 500 euros. Diz ele, uma crítica aos gastos da JMJ2023, aos “malditos” ajustes diretos e ao envolvimento do estado laico num evento católico. Ah, caro Bordalo, permita-me esboçar um sorriso irónico ao observar tal performance.
Será que, no meio de todo o seu fervor artístico, Bordalo II se esqueceu de mencionar o impacto financeiro positivo que a JMJ2023 trará? Ou a promoção internacional que Portugal ganha ao sediar o maior encontro de jovens do mundo? Talvez sim, talvez não. Mas, quem sou eu para questionar a seleção de temas para as suas instalações artísticas?
E falando de ajustes diretos – oh, que tema interessante! – não pude deixar de reparar, numa breve pesquisa no portal “base.gov.pt”, que Bordalo II, ou melhor, MUNDOFRENETICO UNIPESSOAL, LDA, é assim que se chama a empresa de Artur Bordalo, já angariou 27 contratos públicos, incluindo 15 de municípios, empresas públicas, a Presidência do Conselho de Ministros e até universidades, por ajuste direto. E, acreditem, os valores não são de desdenhar: mais de 3,4 milhões de euros nos últimos três anos. Inclusive, na nossa região, a LIPOR encomendou-lhe trabalhos, via ajuste direto, num valor aproximado de 108.860 euros, dinheiro proveniente da recolha e tratamento do lixo das nossas casas.
Agora, voltando ao comboio lotado e aos jovens que partilhavam sorrisos e sonhos, tenho de questionar a crítica do nosso caro Bordalo ao envolvimento do Estado num evento católico. Veja bem, Portugal não se está a transformar num Estado teocrático por receber um encontro de jovens católicos. É um encontro, nada mais. O Estado laico mantém-se intacto e os agnósticos, ateus e demais crentes ou descrentes podem viajar em paz nos transportes porque a fé católica não se pega como o Corona Vírus.
Para concluir, a minha viagem de comboio e a “performance” de Bordalo II levaram-me a uma única certeza: a JMJ2023 é uma riqueza para Portugal. E não falo de riqueza monetária – embora esta também exista -, mas sim da riqueza da juventude, da alegria, da união e do encontro de culturas. A nossa sociedade é enriquecida pelo entusiasmo e pela esperança desses jovens que, sem medo, partilhavam a sua fé e a sua alegria.
E se Bordalo II, no meio da sua ironia e das suas notas de 500 euros, não consegue ver essa riqueza, então eu temo que o verdadeiro desperdício esteja, na realidade, nas suas próprias instalações artísticas. E isso, caro leitor, é a verdadeira ironia.