Passaram-se mais de 100 anos desde a criação da fábrica Biscoitaria Valonguense. O mundo mudou, mas a forma de fazer os biscoitos mantém-se praticamente inalterada. Dali saem biscoitos artesanais, cozidos em forno a lenha, de várias variedades, sabores e feitios. O sabor, diz quem prova, não engana e é “inconfundível”.
Maria Guimarães, que passou de educadora de infância a biscoiteira, caiu ali “de paraquedas” há sete anos, quando resolveu pegar no negócio centenário. Tem tentado revitalizar a produção de biscoitos e torná-los mais atractivos, sem nunca perder a tradição.
“Os nossos biscoitos são toscos, não são perfeitos, mas são únicos”, garante, dizendo que o segredo está numa conjugação elementos: “o facto de serem feitos manualmente, utilizarmos matérias-primas de qualidade e cozer em forno a lenha. Todos esses factores ajudam a que sejam um bom produto”.
“Olhó biscoito” à moda antiga
“Olhó biscoito” é o pregão que encontramos logo à entrada da fábrica. Remete para os tempos antigos em que as biscoiteiras levavam os doces para vender porta-a-porta. Os sacos de pano da Biscoitaria Valonguense retratam precisamente essas imagens icónicas que ainda estão nas memórias de alguns.
Preservar a tradição tem sido o foco de Maria Guimarães que mudou de vida quando abraçou este projecto em 2012. “Eu caí cá de paraquedas. Eu e o meu marido somos de Valongo e estamos cá desde 2012. Costumo dizer que fomos um pouco loucos. Achamos o projecto giro e que era aliciante tomar conta de um espaço destes mantendo a tradição. Tentamos manter a forma como os biscoitos eram feitos, utilizamos o forno a lenha e fazemos muito manualmente os biscoitos”, explica.
Era educadora de infância, agora é biscoiteira. “Andei dois a três meses a ver como funcionava, como eram feitos os biscoitos, como era feita a produção e distribuição. Vim aprender, mas ainda agora se aprende”, garante.
Pegar num negócio destes, assume Maria, traz sempre responsabilidade, sendo ou não centenário. Por isso, começaram desde logo por perceber as raízes e a ir à procura “de uma história que não existia” nos arquivos.
A Biscoitaria Valonguense terá nascido de uma padaria que existia no mesmo edifício, na Rua Dr. Cândido, em Valongo, no final do século XIX. Foi lá que começou a produção de biscoitos. “Com o casamento da filha dos padeiros que cá tinham produção, a Ana Marques Moreira, com o José Pereira Alves Romeiro, em 1893, foi-lhes dada uma venda, que era uma zona onde poderiam vender pão. Foram para uma rua aqui mais abaixo. Mas, entretanto, ela ficou viúva e retornou à casa de origem, com os filhos. Depois foi ela que na década de 30 que ficou à frente do negócio”, resume a gerente.
Seguiu-se, ao longo dos anos, uma separação da padaria e da biscoitaria, sobretudo por imposições legais. “A padaria ficou a funcionar neste espaço e a biscoitaria num espaço ao lado”, acrescenta Maria Guimarães.
Depois, com a morte de quem estava à frente do negócio, a padaria parou de funcionar, na década de 80 do século passado. Foi então que a biscoitaria voltou para o espaço inicial, onde se mantém nos dias de hoje.
Não são como há 100 anos mas quase
Nada ou pouco mudou. Produzem cerca de 25 variedades de biscoitos. “Houve receitas que ao longo do tempo deixaram de se fazer. Procura-se fazer as que têm mais procura no mercado. Fazemos os cacos, os fidalgos, os torcidos, os malfeitos, os patuscos, com açúcar, sem açúcar, fazemos bastantes variedades”, elenca Maria Guimarães.
Apesar de se tentarem manter o mais fiéis possível, os biscoitos não são exactamente “como há 100 anos, devido às alterações sofridas pelas matérias-primas e às imposições legais, confessa. “Tentamos fazer ao máximo como era há 100 anos atrás. Tudo muito manualmente e com as matérias-primas base. Não adicionamos conservantes químicos nem aromas. Se leva limão leva a raspa e o sumo de limão, se leva laranja, a raspa e o sumo da laranja. Isso traz-nos uma vantagem, são sabores únicos diferenciados de todos os outros. Não nos permite ter uma validade tão grande, mas compensa e muito depois no sabor”, garante. A isso acresce o uso de ervas aromáticas. “Em vez de estarmos a adicionar alguma especiaria, como a canela ou o limão ou laranja, adicionamos o alecrim, a alfazema, a hortelã, o gengibre, para dar a conhecer uma forma diferente dos biscoitos, com outros sabores, mas também alargar um bocadinho o nicho de mercado”, conta.
Acima de tudo, os Biscoitos da Valonguense continuam a ser feitos a partir das receitas centenárias, em forno a lenha e praticamente sem máquinas. “Temos poucas máquinas para fazer as massas e continuamos com os métodos que eram utilizados antigamente, o fazer o biscoito à mão, o cortá-lo à mão, colocá-lo no tabuleiro. Desde a partir da produção até ao embalamento ainda fazemos muito manual”, diz.
Querem crescer, mas sem nunca industrializar
A produção de biscoitos vai variando no dia a dia, sendo que alguns são obrigatórios. “Os cacos fazemos todos os dias, porque é o que tem mais procura. Depois fazemos mais uma a duas variedades, dependendo do que podemos necessitar produzir”, de acordo com as temperaturas do forno, refere a biscoiteira. Quando lá fomos, ela e as funcionárias produziam cacos e fidalgos.
Só de cacos são produzidos cerca de cem pacotes diariamente. No total de biscoitos são uns 250 pacotes por dia.
Além dos biscoitos e das bolachas fazem pastelaria de conservação, como os barcos e queques, e a regueifa doce, no Natal e na Páscoa. Tudo com tons douradinhos e apetecíveis.
No Natal, comenta, há um acréscimo de encomendas. “Para além dos clientes habituais temos os clientes de ocasião, que querem cabazes de Natal, e a produção aumenta um pouco mais”, diz.
A gerente salienta que são uma fábrica e não um ponto de venda. Os biscoitos da Valonguense são sobretudo escoados através de lojas de comércio tradicional, mercearias finas ou lojas gourmet.
Outra das formas que usam para promover os biscoitos tradicionais são as feiras e eventos. “É uma forma de dar a conhecer os produtos de Valongo”, salienta Maria, acreditando que os que são realizados no concelho também têm potenciado a divulgação. “Também fazemos parte da Confraria do pão, da regueifa e do biscoito de Valongo que também é uma forma de divulgar os biscoitos e o pão pelo país fora”, aponta.
No futuro querem continuar a crescer, com calma, e nunca industrializar. “Houve alturas em que me arrependi muito por termos pegado neste negócio. Às vezes o mercado não é fácil. Não somos os únicos produtores no concelho e embora sendo diferenciados uns dos outros torna-se, às vezes, difícil tentar-nos impor”, explica.
Mas a procura e a certeza de que são reconhecidos pela qualidade tem dado alento. “A nível de qualidade as pessoas têm vindo a procurar mais este tipo de produto que fazemos. De há uns anos para cá valoriza-se mais esta forma de produzir e dão importância à qualidade do produto final. Muitas vezes, são os clientes que nos procuram e não o contrário o que quer dizer que estamos a ter visibilidade no mercado e que as pessoas nos procuram pela qualidade do produto”, concluiu Maria Magalhães.