A Santa Casa da Misericórdia de Penafiel foi uma das instituições que acolheu os primeiros refugiados a chegar a Portugal. Foi há cerca de um mês que um jovem casal passou a primeira noite na cidade de Penafiel. Binyam Abebe, 26 anos, e Selam Melkamu, 22, passaram os primeiros dias no Lar Santo António das Capuchos e só no início deste ano é que se instalaram num apartamento que a Misericórdia tinha disponível no centro da cidade.
Agora que recuperaram do choque emocional, já estão em condições de contar as dificuldades vividas numa vida em que a fuga à guerra tem sido o principal mote. E foi isso que fizeram, nesta semana, durante um encontro com jornalistas. Nessa altura, também garantiram que estão a ser bem tratados e que o seu objectivo passa por radicar-se em Penafiel.
“Sinto-me em casa. Não esperava um país assim”
Binyam Abebe fugiu da Eritreia com apenas oito anos. O assassinato do pai, uma alta patente do Exército local, obrigou a família a refugiar-se, durante dez anos, na Etiópia. Entretanto, a guerra e a fome forçaram-no a nova fuga para o país, Sudão, onde conheceu Selam Melkamu, também ela uma refugiada, mas com origem na Etiópia. Casaram e, pouco depois, Binyam atravessou o Uganda para chegar à Líbia. Junto ao Mar Mediterrâneo, e enquanto esperava pela chegada da esposa, o jovem da Eritreia passou por aquele que classifica como o pior período da sua vida. Viu gente a ser assassinada à queima-roupa e pessoas a serem arrastadas por correntes presas a carros. Também foi preso durante nove meses quando as tentativas de chegar a Itália num pequeno barco de borracha fracassaram. À quarta tentativa e 4500 dólares depois, Binyam e Selam pisaram, sãos e salvos, solo europeu. “Queríamos ir para a Finlândia. Tenho lá um tio”, recorda Binyam numa conversa que, na última terça-feira, teve com jornalistas. Porém, o destino imediato encaminhou-os para um campo de refugiados transalpino, no qual permaneceram três meses. “Não gostei de lá estar. As pessoas não gostavam da cor da minha pele”, refere.
O programa da União Europeia para acolhimento de refugiados trouxe-os, há um mês, até Portugal. Após o desembarque no Aeroporto de Lisboa, rumaram a Penafiel já na companhia de elementos da Santa Casa da Misericórdia local. “Permaneceram num dos nossos lares até ao dia 4 de Janeiro. Em seguida, foram viver para um apartamento que tínhamos vago”, descreve o provedor Júlio Mesquita. E é nesse T1, situado no centro da cidade, que Binyam e Selam tentam recuperar o futuro. “Sinto-me em casa. Não esperava um país assim”, garante o homem de 26 anos. Selam, quatro anos mais nova, tímida e sem falar inglês, deixa o marido revelar que ambos ficaram encantados com os jardins da cidade na qual pensam radicar-se. “Agora, não vou a lado nenhum. Não gosto do frio, mas as pessoas são acolhedoras e quero ficar cá”, assume. Nesse sentido, tem como prioridade aprender português e encontrar um emprego, que tanto pode ser como designer industrial, área em que tem formação, como noutro qualquer sector. Enquanto tal não é possível – os técnicos da Misericórdia penafidelense acreditam que no final dos 18 meses estipulados Binyam já esteja a trabalhar – o único casal de refugiados acolhido em Penafiel vai passeando pelas ruas da cidade e a usar as redes sociais para contactar com famílias e amigos. “Também já provei bacalhau e fui sozinho ao café”, frisa Binyam.
Cultura europeia não está a ser um problema
Ana Moreira Silva, directora do Lar Santo António dos Capuchos da Misericórdia de Penafiel, afirma que a integração do casal de refugiados está a decorrer bem. “Quando chegaram vinham muito reservados e tímidos. Estavam na expectativa para ver o que ia acontecer”, lembra. Esta técnica, que juntamente com a psicóloga Filipa Rego, tem acompanhado de perto o dia-a-dia de Binyam e Selam, acrescenta que, nesse primeiro momento, eram visíveis as marcas de um passado recente marcado pela violência. “Não queriam falar do seu passado. Só agora é que começam a abordar algumas questões”, diz.
Apesar desta fragilidade emocional, Ana Moreira da Silva descreve o casal como “pessoas humildes” e que aceitam a cultura em que foram inseridos. “Já vinham com hábitos semelhantes aos nossos. Nota-se que têm formação e ainda no Lar Santo António limpavam o seu quarto e ajudavam a arrumar a louça das refeições”, declara.
Assim, a preocupação das técnicas passa, essencialmente, por atribuir competências a Binyam e Selam que permita, o mais rapidamente possível, torná-los autónomos. “Em breve, irão aprender português. Já estamos em contacto com o Instituto de Emprego e Formação Profissional para tratar dessa questão”, revela Júlio Mesquita.
Instituições governamentais não estão a acompanhar processo
Desde que os jovens refugiados chegaram a Penafiel, apenas uma delegação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) passou pela cidade para perceber de que forma estava o casal a ser integrado. Todas as outras instituições relacionadas com o acolhimento de refugidos não entraram em contacto como os responsáveis da Santa Casa da Misericórdia de Penafiel. Quem o afirma é o próprio provedor. “Depois da assinatura do memorando só o SEF cá veio uma vez. Nota-se que há, talvez devido às últimas eleições legislativas, uma grande instabilidade neste processo”, acrescenta.
Júlio Mesquita não vê grande problema nesta falta de apoio, sobretudo, das instituições governamentais. Até porque, sustenta, a comunidade penafidelense tem reagido bem à presença de Binyam e Selam. “As pessoas têm-se mostrado receptivas. Logo nos primeiros dias, quando o casal foi fazer as primeiras compras, vários comerciantes ofereceram alguns dos produtos que eles queriam comprar”, avança.
O jovem da Eritreia confirma a hospitalidade dos penafidelenses: “são pessoas simpáticas. Ainda não consigo falar com eles, mas tratam-me bem”.
Rotina pouco preenchida
Não é preenchida a rotina diária do casal que chegou a Penafiel há cerca de um mês. Desde que mudou para o apartamento da Santa Casa da Misericórdia, Binyam e Selam tratam da casa e confeccionam as suas próprias refeições. Para o fazer necessitam de produtos e alimentos que compram nos supermercados e lojas locais. No entanto, as compras são sempre feitas com o acompanhamento das técnicas da Misericórdia, uma vez que nenhum dos dois refugiados consegue ultrapassar a barreira linguística.
O tempo restante é passado, sobretudo, na habitação. “Eles gostam de estar nas redes sociais”, revela Ana Moreira da Silva. “É por lá que contacto com a minha família e com os amigos. Um deles veio de Itália para Lisboa connosco, mas perdi o contacto dele”, declara Binyam, o único que se aventura por curtos passeios pela cidade. “A Selam preocupa-nos mais porque é tímida. Também não fala inglês, o que dificulta a sua integração”, assume a directora técnica.