A empregabilidade de pessoas com deficiências motoras foi o tema abordado durante a manhã desta terça-feira na Biblioteca Municipal de Penafiel, perante uma plateia com dezenas de empresas, candidatos e representantes da Associação Salvador, que promove a inclusão desses indivíduos.
Este foi o primeiro contacto desta associação, que actua a nível nacional, com o município de Penafiel, no âmbito do Projecto Emprego, através da delegação do Porto, e pretende ser um “abrir de portas”, segundo afirma a coordenadora Maria João Figueiredo.
“É preciso mudar muitas mentalidades. No Porto, estamos a dar os primeiros passos, onde estamos há cerca de um ano e os últimos meses têm sido mais intensivos. Será o nosso foco nos próximos meses”, explica. Daí que o contacto com o município de Penafiel surgiu devido à “panóplia de candidatos na região do Vale do Sousa” e porque conseguem “rapidamente chegar ao concelho”. A Câmara Municipal fez, depois, a ponte junto da Associação Empresarial de Penafiel para ser uma das parceiras. “Acredito que façamos uma parceria futura e que hoje foi efectivamente o primeiro passo para fazermos caminho no município”, continua.
“O ponto de situação, neste momento, é o ponto zero”, sublinha João Pedro Begonha, secretário-geral da Associação Empresarial de Penafiel (AEP). Apesar disso, afirma que já foi informado de que alguns associados já contactaram indirectamente com a Associação Salvador “para procurarem saber de candidatos, obviamente, em modo «low profile», sem darem a cara”.
Apontou ainda que a AEP será um “veículo de informação” e que vão “procurar estar presentes” no Encontro de Recrutamento, no dia 30 de Setembro. “Vamos ser a cara e sempre que houver necessidade de falar com as empresas, estamos presentes, sempre que for necessário identificar pessoas de mobilidade reduzida, juntamente com a Câmara Municipal de Penafiel, estamos cá também para ajudar, mas, acima de tudo, queremos é concretizar na prática este projecto”, conclui.
“Há muito trabalho a ser feito, há sempre alguma barreira a ser eliminada, mas temos feito de forma paulatina esse trabalho de remoção das barreiras físicas no espaço público”, afirma o vereador da Câmara Municipal de Penafiel, Pedro Santana Cepeda, dando como exemplo um programa de apoio à criação de condições de acessibilidade aos estabelecimentos comerciais, que foi “criado recentemente” no município.
Em concreto, a Associação Salvador, nascida em 2003, funciona como uma espécie de “serviço de consultoria”, descreve Maria João Figueiredo. Os candidatos (portadores de deficiência motora) contactam com a associação, é feita uma entrevista, avaliação de competências, das necessidades de desenvolvimento e depois é proporcionada formação e capacitação “no sentido de uma procura activa de emprego”, explica. “Damos, no fundo, a cana, ensinamos a pescar para eles próprios, autonomamente, procurarem”, exemplifica.
Depois, é feita a ponte com as empresas, no sentido de uma sensibilização e é realizada uma procura direccionada face às competências dos candidatos e às necessidades das entidades. A nível nacional, refere, já foram mais de 40 as pessoas com deficiência motora que foram integradas no mercado de trabalho.
Um dos projectos que esta instituição tem é a Acção Qualidade de Vida que dá apoio nas vertentes: formação e emprego, equipamentos desportivos, obras em casa e criação do próprio negócio. Na próxima semana, vai ser comunicado formalmente quem vão ser os candidatos escolhidos com deficiência motora e carência financeira que vão receber 130 mil euros em apoios.
“Nós conseguimos fazer tudo ou mais que outra pessoa”
César Coelho, embaixador da associação, tem 34 anos e é um dos exemplos de sucesso que foi apresentado. Há cerca de 20 anos teve uma inflamação na medula que o deixou paralisado. Conseguiu depois recuperar parcialmente e voltar à “vida normal”, mas teve de realizar várias intervenções ao longo dos anos.
Quando terminou a licenciatura em Segurança e Higiene no Trabalho, após estagiar numa empresa de mobiliário em Paços de Ferreira, conseguiu ficar lá a trabalhar e sempre “abriu o jogo na empresa” sobre o seu estado da saúde. Em 2015, começou a perder força nos membros inferiores e teve de ficar de baixa até Agosto do ano passado, sendo que, neste momento, não consegue “sair da cadeira”. Estava ao abrigo de um contrato a termo, na altura, e pensava que já não lhe iriam renovar, mas, pelo contrário, tornaram-no efectivo.
Iniciou o contacto com a Associação Salvador no sentido de uma ajuda para adquirir um carro de caixa automática para que pudesse ir trabalhar, uma vez que a empresa fica num local isolado. Conseguiu essa viatura que, hoje em dia, utiliza para poder ir às reuniões e contactar com os fornecedores, já que trabalha a maior parte do tempo em casa.
“Sinto-me plenamente satisfeito e realizado e acredito e sei que a minha empresa está plenamente satisfeita comigo, porque continuo a ser a mais-valia que era antes, porque intelectualmente estou cá na mesma, fisicamente não estou igual, mas o meu trabalho continua a ser realizado”, sublinha.
Refere que chegou a pensar em reformar-se, mas não era uma opção para a empresa. “Disseram que não era por estar numa fase sem rendimento que me ia reformar”, explica. “Infelizmente, muitas vezes, as respostas sociais empurram as pessoas com deficiência quase para uma situação de inutilidade. É a resposta que o Estado dá e que a sociedade dá”, acrescenta, explicando que se estivesse nessa situação “não ia garantir o sustento” para ele e para a filha.
“Neste momento, tenho uma vida de tal forma activa que quase não tenho tempo para nada. Não consigo ir a todo o lado, mas na cadeira faço tudo aquilo que quero”, conclui.
Do outro lado, José Teixeira e José Cunha são de Paredes e são candidatos desta associação. Referem que já estão desempregados “há bastante tempo” e estão, neste momento, a frequentar formações ligadas à carpintaria. Procuram um trabalho, “uma oportunidade” para se manterem “ocupados e úteis”, mas revelam que não é fácil.
“Faço formações, faço o estágio e depois acaba e vou embora. Dizem que, neste momento, não estão disponíveis e que a vida financeira da empresa não está boa. É uma desculpa assim meio esfarrapada”, refere José Teixeira.
“Quando nos candidatamos às empresas, às vezes, a vaga que tinham não era especificamente para uma pessoa assim… Muitas vezes, já quando ligamos para as empresas até nem aceitam a entrevista. Por isso, através desta associação acaba por ser melhor porque assim a empresa já sabe com o que conta”, acrescenta José Cunha.
Marina Sousa gere uma loja de roupa no Centro Comercial Brasília, em Penafiel, há quatro anos, e diz que resolveu marcar presença no evento por estar também numa situação de mobilidade reduzida, resultante de um acidente que teve há dois anos. “Neste momento, até tenho uma facilidade na minha loja porque é acessível e consigo estar lá, mas sinto que as empresas ainda estão muito fechadas para a angariação destas pessoas com mobilidade reduzida e é por isso que estou aqui hoje, para dar o exemplo que posso e toda a gente também pode”, afirma.
“É preciso uma abertura, desmistificar preconceitos, mentalidades. Apesar de estar com uma condição física limitada, intelectualmente tenho uma condição favorável. E nós conseguimos fazer tudo ou mais que outra pessoa”, conclui.
Segundo números que a coordenadora da Associação Salvador teve acesso, foram nove as empresas da região e 10 as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) que se inscreveram neste evento.