A nova Câmara de Valongo podia ter o formato de um biscoito ao invés de uma trilobite? O presidente ‘zé das festas’ que agora é também o ‘zé das medalhas’, uma câmara “que já esteve de quatro” e acusações sobre demagogia e populismo, marcaram a discussão sobre o Orçamento e Grandes Opções do Plano 2020 na Assembleia Municipal de Valongo. Do orçamento em si, pouco ou quase nada se falou, pelo menos até ao final da cerca de uma hora e meia de debate, quando os partidos apresentaram declarações de voto sobre o documento.

Foi aprovado com os votos a favor do PS, os votos contra do PSD, do Bloco de Esquerda e da CDU e a abstenção do CDS e do presidente de junta de Alfena.

“Para este PS mais do que fazer o que importa é aparecer. Aparecer dá jeito ao PS e ao senhor presidente em futuras campanhas partidárias”

Numa Assembleia Municipal com ordem de trabalhos extensa, o ponto sobre o Orçamento e Grandes Opções do Plano 2020, Mapa de pessoal 2020 e Plano de Actividades e Orçamento da Vallis Habita para 2020 assumia-se como o mais relevante. Mas mais que discutir o documento, PS e oposição teceram acusações políticas.

As principais vieram do PSD, que ainda lançou algumas ideias sobre o orçamento, sobretudo pela carga fiscal que lhe está associada.

“Este não é nem nunca poderia ser o nosso orçamento. A razão é simples. Se o PSD estivesse a dirigir a Câmara os valonguenses pagariam com certeza menos impostos e não seriam confrontados com a maior carga fiscal de sempre”, começou por dizer Hélio Rebelo. Em 2020, argumentou o social-democrata, Valongo terá “dos mais altos impostos do distrito do Porto”, aumentando a receita fiscal em 6,7%.

“Em cinco anos o PS Valongo passou de uma receita fiscal de 15 milhões de euros para uma receita fiscal que supera os 23 milhões de euros em 2020, ou seja, em cinco anos fez crescer em 55% os impostos pagos pelos valonguenses”, salientou o eleito do PSD, dizendo que a taxa de IMI em Valongo é a segunda maior dos 18 concelhos do distrito do Porto e que o valor angariado com os impostos é usado para aumentar a despesa corrente, investir em ajustes directos e patrocinar eventos em órgãos de comunicação social. “Se fosse aplicada a taxa que era aplicada no último mandato do PSD na Câmara de Valongo, os valonguenses deixariam de pagar mais de dois milhões de euros. Se fosse aplicada a taxa mínima seriam menos quatro milhões de euros”, contabilizou.  Entre os aumentos de taxas e impostos, Hélio Rebelo falou ainda do aumento de 7% nas tarifas de resíduos sólidos aprovada para o próximo ano. Disse ainda que com o aditamento ao contrato de concessão da água o PS tirou dos bolsos dos valonguenses cerca de um milhão de euros por ano.

“Para este PS mais do que fazer o que importa é aparecer. Aparecer dá jeito ao PS e ao senhor presidente em futuras campanhas partidárias. O município continua a gastar centenas de milhares de euros em comunicação e publicidade com um objectivo claro, empolar o que se faz e esconder o que falta fazer”, criticou.

Recorrendo às actas do ano anterior, Hélio Rebelo sustentou que as promessas de investimento deste orçamento se repetem às do ano passado, como o investimento no novo edifício da câmara de Valongo, intervenções no parque escolar, intervenção na piscina de Ermesinde, na Oficina da Regueifa e do Biscoito e Oficina do Brinquedo. “Um ano depois tudo se repete”, referiu.

O eleito do PSD salientou ainda que o novo edifício dos paços do concelho vai custar 10,5 milhões de euros, contra os seis milhões previstos no orçamento anterior, e que este presidente da câmara criticou João Moreira Dias e a Fernando Melo pela dívida deixada, mas agora lhes atribuiu medalhas. “José Manuel Ribeiro anda atrás da futura medalha e está a adiar para o futuro pagamentos actuais. O importante é empurrar as despesas para a frente e fazer despesa corrente”, argumentou.

Já Fernando Monteiro, do Bloco de Esquerda, reconheceu que houve uma melhoria da situação financeira do município, mas salientou que com a aceitação de novas competências será necessário pedir necessária dotação financeira para suportar os custos sem prejudicar os trabalhadores.

“O importante de um orçamento é avaliar se nele estão as respostas aos problemas com que se debatem as pessoas. Há referências a temas relevantes, como o fundo de emergência social, o parque das Serras do Porto ou as acessibilidades para todos”, afirmou, acrescentando que, por outro lado, não se vislumbram medidas de adaptação às alterações climáticas. “Para o Bloco o orçamento em apreciação não responde às necessidades dos munícipes nem vai de encontro às prioridades defendidas pelo Bloco de Esquerda no que à habitação e educação diz respeito”, frisou Fernando Monteiro. Defendeu ainda que deve haver construção de novas habitações sociais para dar resposta aos cerca de 350 agregados familiares em situação de carência habitacional e que deve haver mais investimento nos espaços para a prática de educação física nas escolas.

Quem também apontou críticas, foi o presidente da junta de Alfena, que no que à sua freguesia diz respeito lembrou que investimentos já previstos noutros orçamentos nunca viram a luz do dia, como a construção da nova junta, o parque do Vale do Leça e a Oficina do Brinquedo. “Andamos aqui a adiar há dois anos e a falar das mesmas coisas”, alegou Arnaldo Soares, dizendo que o investimento previsto para a sua freguesia, que representa 20% da população do concelho, neste PPI é de 7%. “Mas se estes 7% forem aplicados já não será mau. Até aqui tem sido na ordem dos 2 a 3%”, criticou.

“O concelho estava de quatro e agora ergueu-se, está mais elegante, vistoso e com muito orgulho”

Na resposta, José Manuel Ribeiro prometeu ao presidente da junta de Alfena que as obras serão concretizadas e a Fernando Monteiro que não deve preocupar-se com a assumpção de competências na educação.

Já para Hélio Rebelo, a resposta foi mais dura. “O senhor deputado não acha que fazemos nada bem feito. Quem o ouve acha que andamos a fazer tudo errado. Há seis anos iniciamos o mandato numa câmara que estava ‘de quatro’. Pagava a mais de 160 dias, tinha uma dívida de quase 60 milhões e fazia investimentos de quase um milhão por ano. Agora pagamos a quatro dias, já pagamos mais de 30 milhões de euros em dívidas e fazemos 10 milhões de investimentos por ano”, sustentou.

Esclareceu ainda que o novo edifício camarário vai custar oito milhões de euros. “Fiquei a perceber que o PSD está contra a nova câmara. É bom que a população saiba disso”, realçou.

Quanto às afirmações sobre os impostos, o presidente da Câmara de Valongo considerou-as “demagogia”. “Não sou eu que o digo. A tarifa de resíduos sólidos é a segunda mais baixa da área Lipor, temos a quinta mais baixa tarifa da água da área metropolitana. E mexemos no IMI porque tínhamos que o fazer. Mesmo assim não somos o segundo mais caro, há pelo menos três a quatro concelhos com o IMI mais alto”, defendeu o autarca, argumentando que, segundo a CCDR-N, Valongo é o concelho que menos cobra impostos por munícipe.

José Manuel Ribeiro assegurou ainda que este executivo está “a fazer muita obra”. “Não empurramos, fazemos”. “Garantimos três milhões de euros para a Oficina do Brinquedo e estamos com um volume de financiamento comunitário que é quase três vezes mais do que conseguiram quando governavam a câmara”, atirou o presidente da câmara.

Alegou ainda que apostam em iniciativas gratuitas para a população porque “há muita gente que não tem dinheiro para ir a um espectáculo”.

“O concelho estava de quatro e agora ergueu-se, está mais elegante, vistoso e com muito orgulho. Faça política de forma correcta. Nós vamos continuar a gastar dinheiro a promover a nossa terra”, respondeu a Hélio Rebelo, falando em “populismo”, “estilo demagogo” e “números mediáticos”.

A troca de palavras havia de continuar, com o social-democrata a voltar ao púlpito para se defender. “Chama-me demagogo, mas quem o conheceu como eu o conheci na oposição percebe que possivelmente quando fala para mim precisava de um espelho. Vem agora criticar alguém que não chega aos seus calcanhares na demagogia e hipocrisia. É conhecido aqui em Valongo como ‘zé das festas’, e muito rapidamente passará a ser também conhecido como ‘zé das medalhas’”, apontou Hélio Rebelo.

“Há um arquitecto que faz uma câmara na forma de trilobite, que podia ser uma lousa ou um biscoito 3D, e o presidente da câmara apresenta-a dizendo que isto foi ‘um sonho meu’”

Também Daniel Gonçalves, do PSD, fez uma intervenção para falar de uma “prática demagógica recorrente ao longo dos últimos seis anos”. “Nós estamos aqui com as nossas ideias, que divergem das suas, mas as regras da democracia são assim e tem que levar connosco. Disponibilizo-me a fornecer as actas de quando era líder da bancada do Partido Socialista para todos verem o que é um discurso agreste e muitas vezes a roçar o mal-educado”, recordou.  Apontou de seguida baterias às festas e festinhas do executivo socialista. “Não acredito que o que os órgãos executivos devam fazer, porque as pessoas não têm dinheiro para ir a espectáculos, seja enchê-las de festas e festinhas. Para mim a qualidade é para todos. Quem não tem dinheiro devia ter acesso à cultura, mas chamar às festas e festinhas cultura é muito perigoso”, sustentou.

Hélio Rebelo voltaria ainda à tribuna para voltar a falar dos novos paços do concelho e centro cívico cuja rubrica está nos 10,5 milhões de euros. “Não estamos contra uma câmara nova, mas avançar para uma câmara nova desta dimensão e com este custo quando temos coisas mais pertinentes. Há um arquitecto que faz uma câmara na forma de trilobite, que podia ser uma lousa ou um biscoito 3D, e o presidente da câmara apresenta-a dizendo que isto foi ‘um sonho meu’. E ninguém quer perceber como aparece uma trilobite? Porque é que não é um biscoito? E porque é que é de um arquitecto que fez um curso com o presidente?”, questionou o social-democrata.

Foi então que Alexandre Teixeira, do CDS, chamou a atenção para o facto de, naquele que era o ponto mais importante da noite, se estar a debater tudo menos o orçamento.

“Ninguém quis falar de um documento que é o mais poderoso que tivemos nos últimos anos, virado para o futuro”, concordou mais tarde José Manuel Ribeiro, dizendo que 2020 vai ser o ano de concretização de várias obras. A nova câmara será uma trilobite, “o elemento mais antigo que temos no território”, mas “não tenho dúvidas de que seria bonito se fosse um biscoito”, ironizou o autarca.

“Reconheço que não vim aqui dizer bem do orçamento, mas o PS também não”, retorquiu Hélio Ribeiro, aludindo ao facto de nenhum elemento da bancada do Partido Socialista ter comentado o documento previsional.

“Há medidas que não passaram de meras intenções, passando de orçamento em orçamento sem concretização”

Só no final da Assembleia, e já depois da votação, os partidos justificaram o seu sentido de voto.

Segundo Daniel Felgueiras, do PSD, o orçamento apresentado segue a “boa tradição socialista, com aumento de receitas de impostos e taxas de despesa corrente”. O orçamento cresceu 12,64% em relação ao último mandato, sobretudo pelo aumento das transferências do Estado. Criticou ainda o facto de não haver estratégia municipal e de o concelho andar “há alguns anos a reboque dos fundos comunitários”. “O Orçamento chuta para a frente investimentos necessários e aguarda que a sua concretização aconteça por coincidência em tempo eleitoral. Chuta-se para a frente o pagamento de investimentos feitos”, disse, frisando ainda um “aumento brutal da receita” através dos vários impostos. “É um orçamento de política fiscal errada com a qual o PSD não pode concordar”, sustentou.

Já Anabela Sousa justificou o voto a favor da bancada do PS, com a maximização dos recursos comunitários, os novos paços do concelho e centro cívico, “obra emblemática”, a aposta na requalificação das escolas, a recuperação dos bairros sociais e o investimento na  regeneração urbana e mobilidade suave, assim como a obra da Oficina do Brinquedo, entre outros. Definiu o orçamento para 2020 como “rigoroso e com estratégia de médio e longo prazo” que visa aumento da qualidade de vida dos valonguenses.

O CDS, explicou Tiago Dionísio, absteve-se devido aos aumentos consecutivos da tributação aos valonguenses, forte componente em custos operacionais e custos que estão a ser criados e cujo pagamento transitará para o futuro.

Por fim, a CDU, apesar de ver no documento bons investimentos, como a requalificação da escola básica Vallis Longus, a requalificação da secundária de Valongo, a reabilitação de empreendimento de habitação social, a reabilitação do parque do Rio Leça, a ampliação da rede de espaços de cidadão e a construção dos novos paços do concelho, constatou que “há medidas que não passaram de meras intenções, passando de orçamento em orçamento sem concretização”. “Há promessas que se repetem e outras que desapareceram. E mais de 100 mil euros para publicidade parece excessivo comparado com o previsto para as associações sem fins lucrativos. Uma verba canalizada para difundir a imagem do senhor presidente da câmara”, afirmou Adelino Soares, justificando o voto contra do partido.

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