Em primeiro lugar, devo confessar que escrevo estas linhas com uma certa comoção. Comoção, porque existem pessoas que marcam e deixam gratas recordações nas nossas vidas. A Antonieta foi sem dúvida uma delas, e explicarei porquê.
Em Novembro de 2014, e depois de uma decisão bem pensada e ponderada, resolvi abandonar a filarmónica onde me encontrava para integrar os quadros da Banda Musical de S. Vicente de Alfena, uma decisão que até aos dias de hoje, nunca me arrependi. Era uma banda que conhecia bem, aliás, no último Domingo de Janeiro, fazia questão de marcar presença nas festas do padroeiro S. Vicente em Alfena, para me encantar com os acordes daquela banda que elegi como meu lar musical. Desde muito jovem que as histórias da filarmónica alfenense eram tema de conversa cá em casa. Com efeito, meu pai, apreciador de bandas e que foi o responsável por me transmitir o “bichinho” da música, falava com saudade e admiração do célebre “Moreira de Alfena”. Refiro-me, obviamente ao notável maestro e compositor Ângelo André Moreira (1925-1986) autor de obras como a “Pérola” e a “Incógnita”, que no seu tempo foram verdadeiras referências e que foi regente das bandas de Alfena e Golães-Fafe.
Numa daquelas tardes frias de Janeiro, encostado a uma das colunas da entrada do CSPA e apreciando as melodias desprendidas pelos instrumentos, disse uma vez ao meu pai: “Um dia serei músico da banda de Alfena”. E fui. E tenho sido, até hoje, muito feliz aí, como nunca o fui em nenhuma das bandas onde passei, entre elas a de Riba de Ave, onde me iniciei nas lides musicais e onde muito aprendi, sobretudo graças à paciência do então maestro, Luciano Machado.
Mas deixemos de falar de mim, falemos antes de quem merece.
Não são novidade para ninguém as histórias que se contavam da Antonieta. Entre conduzir um autocarro, dirigir a banda, fazer contratos, enfim, todo o trabalho inerente a uma direcção estava concentrado nela, e basta isto para ser alvo da admiração de qualquer um.
De facto, se formos a ver, tudo isto constituía um esforço sobre-humano, um esforço ao qual ninguém no seu perfeito juízo se sujeitaria. Mas a Antonieta sujeitou-se, e aguentou esta carga pesada durante anos a fio, com pouca ou nenhuma ajuda, mas fez um acto que rasa o heroísmo: assegurou, quase sozinha, com enormes sacrifícios pessoais e muitas vezes sofrendo a indiferença e antipatia de muitos, a existência da Banda Musical de S. Vicente de Alfena.
No meio filarmónico não são raros os casos em que a existência das instituições é assegurada por três ou quatro pessoas, mas exemplos como o da Antonieta, em pleno século XXI, são únicos (pelo menos eu não conheço outro igual).
Graças à sua tenacidade e persistência, a banda levou o nome de Alfena a imensas localidades do nosso Portugal, o que fez dela uma verdadeira embaixadora da “terra do brinquedo”, o que aliás já foi reconhecido em 2015 pelo Município de Valongo.
Mas o principal e incontornável exemplo da Antonieta foi o de ter sido a primeira mulher a empunhar uma batuta em Portugal. Numa função tradicionalmente exercida por homens, o facto de em 1983 ter uma mulher ter assumido a regência duma filarmónica gerou uma onda de espanto nos meios musicais locais e até nacionais. Com efeito, ver uma senhora no comando dum grupo maioritariamente composto por homens era no mínimo insólito, mas foi este facto insólito que posteriormente encorajou outras a seguirem-lhe o exemplo, exemplos esses que se verificaram em bandas como as de Belinho, Sanguinhedo, a dos Amarelos de Moura, entre outras. De certa forma, podemos afirmar que a Antonieta contribuiu para a valorização da mulher em Portugal.
Mas a ditadura do tempo faz com que os anos passem num ápice, e eis que chegamos ao final de 2018, a nossa estimada maestrina decidiu entregar o lugar e passar o testemunho a outro, que continuará, ainda que noutros moldes, o seu trabalho.
Sem usar qualquer tipo de demagogia ou hipocrisia, digo novamente que o período musical mais feliz e gratificante da minha vida foi durante o tempo em que toquei debaixo da regência desta grande senhora, por quem nutro um enorme respeito, e a quem ela tem feito o favor de me brindar com a sua amizade, coisa que muito me honra. A Antonieta é uma pessoa rara, uma daquelas pessoas que só encontramos uma vez na vida.
Por isto e por muito mais, Antonieta Moreira é e será sempre uma figura incontornável da filarmonia lusitana.
Obrigado Antonieta.
Francisco Pereira