O Papa Francisco contou na homilia de sexta-feira que um bispo lhe deu um raspanete por haver tão poucas pessoas presentes nas cerimónias da Semana Santa na basílica de S. Pedro. (Claro que nenhum bispo ralha propriamente com o Papa, mas Francisco apresentou a história com esse ingrediente «colorido»).
O assunto relacionava-se com o Evangelho do dia, que contava a segunda pesca milagrosa. Jesus aparece aos discípulos e pergunta-lhes se têm peixe… infelizmente, não tinham peixe. «Lancem as redes à direita da barca»… Sem saberem porquê, obedecem à ordem insólita daquele desconhecido e, de repente, as redes fervilham com um amontoar nunca visto de peixes enormes. Pedro compreende: «É o Senhor!». Entretanto, Jesus prepara umas brasas na areia e, quando as barcas chegam à praia, puseram-se a comer deliciosos pãezinhos com peixe assado.
Segundo o Papa, o caminho do cristão «é esta familiaridade quotidiana com o Senhor. E, evidentemente, almoçaram juntos, com o peixe e com o pão, evidentemente falaram de muitas coisas com naturalidade».
Esta página do Evangelho não é nada trivial. Jesus não prega a virtude, não ensina verdades importantes. Em vez disso, perde o tempo a almoçar e oferece-lhes uma refeição inesquecível. Qual é o ensinamento? O Papa explica que é isso mesmo: o cristianismo é conviver, é estar. Com Nosso Senhor e uns com os outros.
«Esta familiaridade dos cristãos com o Senhor é sempre comunitária. Sim, é íntima, é pessoal, mas em comunidade. Uma familiaridade sem comunidade, uma familiaridade sem o pão, uma familiaridade sem a Igreja, sem o povo, sem os Sacramentos, é perigosa. Pode tornar-se uma familiaridade – digamos – “gnóstica”, uma familiaridade individualista, segregada do povo de Deus. A familiaridade dos apóstolos com o Senhor era sempre comunitária, era sempre à mesa, sinal da comunidade. Era sempre com o Sacramento, com o pão».
Nessa altura, o Papa contou que, quando se soube que ele ia celebrar a Páscoa numa basílica de S. Pedro vazia, um bispo lhe escreveu a protestar. «…Um bom bispo, muito bom, repreendeu-me: “a basílica de S. Pedro é tão grande, porque não colocam lá pelo menos umas trinta pessoas, para que se veja gente? Não há perigo de contágio…”. Eu pensei “O que é que lhe deu, para me dizer isto?” Naquele momento não entendi, mas como é um bispo muito bom, próximo do povo, percebi que queria dizer algo importante. Quando o encontrar, pergunto-lhe. E, depois, entendi. Ele dizia-me “cuidado para não virtualizar a Igreja, para não virtualizar os Sacramentos, para não virtualizar o Povo de Deus”. A Igreja, os Sacramentos, o Povo de Deus são concretos».
É verdade que estes tempos de confinamento têm sido ocasião para muitos seguirem as Missas celebradas pelo Papa, ou acompanharem actividades de formação religiosa. Algumas transmissões difundiram-se enormemente, até entre pessoas que não participam habitualmente na vida da Igreja. Tornaram-se autenticamente virais.
Contudo, o Papa está ansioso por voltar à normalidade. «É verdade que neste momento devemos ter familiaridade com o Senhor deste modo, mas para sairmos do “túnel”, não para ficarmos assim».
Porque «a familiaridade dos apóstolos (…) é concreta, no meio do povo. É a familiaridade com o Senhor na vida quotidiana, a familiaridade com o Senhor nos Sacramentos, no meio do Povo de Deus».
O Apóstolos fizeram um «caminho de amadurecimento na familiaridade com o Senhor», até descobrirem «que aquela familiaridade era diferente de tudo o que imaginavam».
A vida do cristão não é como ligar-se à Internet, é mais parecida com um almoço. «Que o Senhor nos ensine essa intimidade com Ele, essa familiaridade com Ele, mas na Igreja, com os Sacramentos, com o santo povo fiel de Deus».
Nalguns momentos, Jesus ressuscitado deixou os discípulos sozinhos e um pouco tristes. Porque eles precisavam dessa etapa transitória. Mas depois reapareceu! Almoçou com eles e fê-los descobrir que Deus até quer almoçar connosco.