A Câmara Municipal de Paços de Ferreira prolongou por mais 90 dias o Memorando de Entendimento entre a Câmara Municipal de Paços de Ferreira e a ADPF – Águas de Paços de Ferreira, SA que previa a redução do preço da água ao domicílio. A decisão foi tomada depois de Luís Vasconcellos, administrador da empresa concessionária, ter enviado um email a pedir a prorrogação do prazo das negociações. No email, enviado no passado dia 27 de Junho, Luís Vasconcellos justiça o pedido de dilação com o facto de “se encontrar em período de esclarecimentos à ERSAR”, a entidade que regula o sector das águas.
O parecer da ERSAR é apenas a primeira etapa deste negócio com a concessionária das águas de Paços de Ferreira. Depois do parecer do regulador, é necessário que o Tribunal de Contas dê o visto favorável e que a Câmara Municipal consiga um empréstimo do Fundo de Apoio Municipal. Se tudo isto não acontecer até 30 de Setembro de 2016, o aditamento ao contrato de concessão ficará sem efeito e o preço da água manter-se-á.
Recorde-se que o Memorando de Entendimento entre a Câmara Municipal de Paços de Ferreira e a ADPF – Águas de Paços de Ferreira, SA foi aprovado em 28 de Dezembro de 2015, na Assembleia Municipal, com os votos favoráveis da bancada do Partido Socialista e a abstenção do PSD, e prevê, segundo o presidente da Câmara Municipal, a redução de 50% no preço da água ao domicílio. Em compensação, a Câmara Municipal paga à concessionária 50 milhões de euros. Na altura, Humberto Brito, satisfeito com a aprovação, afirmou que com isto “se encerra um capítulo doloroso para a vida colectiva dos cidadãos deste concelho”.
Câmara vai pagar mas não fica como accionista
Até há pouco tempo, o grupo AGS detinha 17 empresas, entre elas a Águas de Alenquer, Águas de Cascais, Águas de Barcelos, Águas de Gondomar, Águas do Sado e Águas de Paços de Ferreira. A 23 de Junho de 2014, a agência noticiosa Bloomberg, que citava a televisão japonesa NHK, noticiava que um grupo nipónico havia comprado 14 das empresas do universo AGS. De fora deste acordo ficavam as Águas de Paços de Ferreira, Águas de Barcelos e Águas de Marco de Canaveses. Por 14 das 17 empresas do grupo AGS, o grupo japonês pagou 10 mil milhões de ienes, cerca de 72 milhões de euros. O Memorando de Entendimento aprovado na última Assembleia Municipal prevê um pagamento de 50 milhões de euros apenas pelo reequilíbrio, sem que a autarquia se torne accionista da empresa.
Isto é ainda mais relevante porque a mais emblemática promessa eleitoral de Humberto Brito era a remunicipalização do contrato de abastecimento de água.
Em Agosto de 2011, o executivo municipal encomendou um estudo à consultora Premivalor Consulting sobre as consequências económicas e jurídicas de um possível resgate da concessão. Nesse estudo, a que o VERDADEIRO OLHAR teve acesso, a consultora chega à conclusão que “o resgate da concessão terá um impacto negativo aproximado de 80 milhões de euros para a CMPF, decorrendo da soma da indemnização e da assunção da propriedade da organização”. Ou seja, por menos de 80 milhões de euros a Câmara Municipal de Paços de Ferreira teria resgatado a concessão.
AGS Paços de Ferreira vai receber 50 milhões de euros
O ponto n.º3 da Cláusula 3.ª do Memorando de Entendimento prevê que o município pague à concessionária a quantia de 50 milhões de euros, sendo que 35 milhões de euros serão pagos assim que o negócio esteja concretizado e os restantes 15 milhões de euros serão pagos em prestações de 1 milhão de euros por ano durante 15 anos, com inicio em 2018, actualizados anualmente de acordo com Índice de Preços no Consumidor.
De acordo com os dados recolhidos pelo VERDADEIRO OLHAR, a Águas de Paços de Ferreira tem actualmente um passivo de 32 milhões de euros, sendo que 23 milhões de euros são dívida aos bancos e 9 milhões de euros a fornecedores. Com este contrato, e apenas com o recebimento da primeira parte, a AGS de Paços de Ferreira consegue liquidar todas as suas dívidas e ainda fica com uma liquidez de 3 milhões de euros.
O preço da água poderá nunca baixar
O documento aprovado em Dezembro passado está assente em pressupostos que podem fazer com que o negócio nunca se realize. Depois de assinado, terá que ser feito um aditamento ao contrato de concessão que será enviado para a ERSAR, a entidade que regula este tipo de concessões. Falta saber se a ERSAR aceita a redução do preço da água para valores muito abaixo dos recomendados por esta entidade. O VERDADEIRO OLHAR consultou um jurista que põe a hipótese da ERSAR entender que estes 50 milhões de euros são um financiamento ao munícipe na tarifa da água e recusar o negócio. Legalmente, apenas as tarifas sociais podem ser financiadas.
Depois da entidade reguladora, o documento terá que passar pelo Tribunal de Contas que, para além das questões financeiras e jurídicas, irá analisar o impacto futuro dos contratos.
Por fim, mas o mais importante, a Câmara Municipal irá recorrer ao Fundo de Apoio Municipal (FAM) para conseguir um empréstimo que lhe permita liquidar o passivo municipal e ainda pagar à AGS de Paços de Ferreira.
A redução do preço da água acontecerá apenas quando todas estas condições estiverem reunidas. Mas não só. O ponto 4 da 11.ª Cláusula prevê que tudo isto (o parecer da ERSAR, o visto do Tribunal de Contas e o empréstimo do FAM) ocorra no máximo até ao dia 30 de Setembro de 2016. Se assim não for, o aditamento ao contrato de concessão fica sem efeito.
Baixa o preço da água, sobem todos os impostos e taxas municipais
Não há bela sem senão. Para pagar os 50 milhões de euros à AGS de Paços de Ferreira, a Câmara Municipal vai ter que recorrer ao empréstimo do FAM. Caso seja concedido o referido empréstimo, o FAM obriga a que todos os impostos e taxas municipais subam para os valores máximos permitidos por lei. O IMI passará imediatamente para a taxa máxima, a comparticipação no IRS não poderá descer e todas as taxas municipais, seja de resíduos, licenciamentos, etc., terão que passar para os valores máximos definidos na Lei.