Raro. Adjectivo que caracteriza algo que não é comum nem frequente, algo de extraordinário. É de pessoas extraordinárias que falamos esta semana.
No dia 29 de Fevereiro é assinalado o Dia das Doenças Raras. Trata-se de doenças, na sua maioria, graves, crónicas e debilitantes. Estima-se que 6 a 8% da população mundial seja portadora de uma doença rara, ou seja, aquelas que têm uma prevalência inferior a 5 casos em 10 000 pessoas. Em Portugal, serão entre 600 a 800 mil os casos de portadores destas patologias.
Na região existem vários casos. A Maria João, o Tiago e o Toni são três desses exemplos de quem aprendeu a viver “um dia de cada vez”.
- Maria João Vasconcelos, Doença de Wilson
- Tiago Silva, Mucopolissacaridose Tipo VI – Síndrome de Maroteaux-Lamy
- “O pequeno Toni”, Distrofia Muscular de Duchenne
O que é uma doença rara?
Mas o que é afinal uma doença rara? As doenças raras são aquelas que têm uma prevalência inferior a 5 em 10 000 pessoas (na União Europeia). Devido à escassez de registo dos doentes raros há apenas estimativas quanto a números. Mas entre 6 a 8% da população será portadora de uma patologia considerada rara. Segundo a Organização Mundial de Saúde, serão cerca de 400 milhões de pessoas. Já a Comissão Europeia indica existirem entre 27 e 36 milhões de pessoas com doença rara na Europa.
Além de baixa prevalência estas doenças têm um nível elevado de complexidade. Estima-se que existam entre 5.000 e 8.000 doenças raras diferentes. A maioria não tem cura. Há apenas tratamentos para melhorar a qualidade e esperança de vida do doente. “A cada semana, serão descritas cinco novas doenças a nível mundial, pelo que o número total de doenças raras é cada vez maior”, explica a Linha Rara, da Raríssimas – Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras, ao VERDADEIRO OLHAR.
A maioria das doenças raras tem uma expressão clínica grave e incapacitante, associando multideficiência (deficiência motora, sensorial ou intelectual), e sendo responsáveis por 35% da mortalidade em crianças com menos de um ano de idade. “Por outro lado, algumas doenças raras não são impeditivas do normal desenvolvimento intelectual, apresentando evolução benigna e até funcional, se diagnosticadas e tratadas atempadamente”, sustentam.
Existe um desconhecimento generalizado sobre o tema
Criada em 2009, a Linha Rara divulga informação sobre doenças raras, com indicação de patologias, centros médicos e especialidades, ajudas técnicas e apoios sociais, entre outros, e promove os direitos e a melhoria de qualidade de vida dos portadores, procurando criar oportunidades de partilha de experiências. E são muitas ainda as dúvidas por esclarecer em relação às doenças raras. “Concretamente, no ano de 2015, do total de pedidos de informação e apoio relacionados com uma determinada doença rara, 15% dizia respeito à sua prevalência e ao seu enquadramento enquanto patologia considerada rara”, adiantam os responsáveis por esta linha de apoio. Entre 2009 e 2015, a Linha Rara recebeu 10.770 pedidos de informação e apoio. 38% destes contactos visavam encontrar informação cientificamente validada sobre uma determinada doença rara.
“Existe um desconhecimento generalizado sobre o tema. O facto de estas doenças serem raras significa que os próprios profissionais – médicos, enfermeiros, terapeutas, técnicos sociais, professores, etc. – possuem, em regra, escassez de informação, o que dificulta o adequado encaminhamento dos doentes e dos seus cuidadores para as respostas disponíveis”, referem os técnicos da Linha Rara.
A falta de um registo nacional de doenças raras impede calcular, com certezas, a incidência ou prevalência das doenças. A Raríssimas é uma das associações que está a tentar que isso seja uma realidade.
É preciso consciencializar a sociedade
A Raríssimas foi fundada em 2002 e tem como missão apoiar doentes, famílias e todos aqueles que lidam directa ou indirectamente com uma doença rara. E também divulgar informação e sensibilizar para estas doenças.
Além da Linha Rara, esta Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras tem centros de terapias de habilitação e reabilitação direcionados para crianças, jovens e adultos portadores de doenças raras – Centros raríssimos, na Maia, Pico e Tavira; a Casa dos Marcos (Moita), a primeira casa dedicada ao cuidado da pessoa com doença rara, com Lar Residencial, Residência Autónoma, Centro de Actividades Ocupacionais, Unidade Clínica e Unidade de Reabilitação abertas à comunidade, Unidade de Cuidados Continuados e Centro de Formação; e a Quinta dos Marcos, um equipamento social com modelo assistencial semelhante ao da Casa dos Marcos, que constituirá uma resposta inovadora às necessidades comunicadas por doentes portadores de patologia rara, suas famílias, cuidadores e amigos da zona norte do país. A Raríssimas tem também novas delegações no Algarve, em Viseu e na Madeira que vão criar centros de terapias.
Segundo Joaquina de Magalhães Teixeira, vice-presidente da direcção da Raríssimas, faz sentido existir um Dia da Doença Rara já que é preciso “consciencializar a sociedade”. “Há muito ainda a ser feito e quanto mais divulgação e informação for divulgada mais estaremos a contribuir para minimizar/colmatar as lacunas existentes”, acredita.
Diagnóstico difícil e poucos apoios
O diagnóstico destas doenças pode ser muito difícil, demorando entre 8 e 12 anos, em média. “Actualmente já existem novos exames que permitem obter mais facilmente o diagnóstico que não existiam há 13 anos atrás quando o meu filho nasceu. Andamos 2 anos a consultar vários especialistas por todo o país e encontramos a resposta em Espanha”, recorda a também mãe de um menino com doença rara. “A notícia do diagnóstico é sempre chocante pois nunca é uma boa notícia. No meu caso concreto ter o diagnóstico foi de certa forma apaziguador – “ o que não tem remédio, remediado está” – no sentido de que agora já sabíamos com o que lidar”, conta Joaquina de Magalhães Teixeira.
Quanto aos apoios dados às famílias, a vice-presidente da Raríssimas afirma que por muitos que sejam nunca são suficientes. “Não existem apoios específicos para as doenças raras mas sim para a deficiência. Torna-se muito complicado para o doente quando a doença rara não se traduz numa deficiência visível pois acabam por não ter quaisquer direitos aos escassos subsídios que existem”, dá como exemplo. “São necessárias mais respostas para estas famílias, principalmente na fase adulta, bem como mais apoios para as Instituições que os acolhem”, frisa. Até porque, em quase todos os casos, os doentes precisam de reabilitação, ajudas técnicas, medicação, alimentação específica, fraldas e produtos de higiene/cuidado, tornando-se incomportável para a maioria dos orçamentos familiares. “A Raríssimas tem vindo a criar cada vez mais projectos e parcerias de modo a reduzir substancialmente os encargos para as famílias como é o caso do projecto ‘Olha por mim’”, que permite apadrinhar o plano de reabilitação de meninos raros.
Joaquina de Magalhães Teixeira, vice-presidente da direcção da Raríssimas – Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras, mãe de um menino com doença rara
“Quando decidimos ‘amar em vez de amargurar’ tudo se torna mais fácil”
Quando é que descobriu que o seu filho tinha uma doença rara?
O Gonçalo tem 13 anos. Tive o diagnóstico – Sindrome de Angelman – no Hospital El Nino Jesus, em Madrid, tinha ele 2 anos.
Como é que reagiram?
Depois de 2 anos de muita angústia e sofrimento, causados por um dia-a-dia muito difícil – o Gonçalo não comia (tendo sido necessário fazer uma gastrostomia – alimentação por sonda), não dormia e estava sempre muito instável -, chegar ao diagnóstico, apesar de “duro”, acabou por nos trazer a paz interior que necessitávamos para arregaçar as mangas e traçar um futuro.
Porque é que decidiu juntar-se à Raríssimas?
Cheguei à Raríssimas como mãe em 2004 quando tive o diagnóstico do meu filho e foi deveras reconfortante sentir que havia alguém que nos compreendia, que sabia o que era ter um filho com uma doença rara, com tudo o que isto acarreta. Chegar à Raríssimas foi encontrar um porto de abrigo. Ultrapassada a fase da revolta e tendo estado sempre envolvida nas atividades da Raríssimas, senti que também eu poderia dar o meu contributo e ajudar outros filhos como o meu, outras mães como eu… Em 2006, fundei a Delegação Norte da Raríssimas e tomei posse como vice-presidente da direcção nacional.
Estou na Raríssimas para ajudar a criar respostas adequadas para os doentes raros, como a Casa dos Marcos, a funcionar já há 2 anos na Moita, e a Quinta dos Marcos, que será edificada brevemente na Maia. São projectos cujo investimento ultrapassam os 10 milhões de euros cada, centros de recursos para as doenças raras únicos no mundo, congregando no mesmo espaço valências sociais, médicas, reabilitação, investigação e formação.
Torna-se mais fácil lidar com a situação ao longo do tempo?
Sim, de certa forma vai ficando mais fácil no sentido que adquirimos experiência e outra serenidade para lidar com as situações. Uma vez ultrapassada a revolta e quando decidimos “amar em vez de amargurar” tudo se torna mais fácil. Afinal de contas é tudo uma questão de ver as coisas por uma perspectiva diferente. Não considero que seja menos feliz por ter um filho deficiente, muito antes pelo contrário, somos bem mais felizes pois aprendemos a relativizar muita coisa e dar importância ao que realmente merece. Estes filhos especiais dão-nos muito mais do que possa julgar o comum dos mortais…
Ajudar os outros ajuda-a a si também?
Sem dúvida! A melhor forma de nos ajudarmos é ajudar os outros. Apesar de tudo somos uma família unida. Tive outro filho (e correu tudo lindamente, tem hoje 9 anos) e temos capacidade para poder dar uma boa qualidade de vida ao Gonçalo. Infelizmente muitas famílias com filhos raros não têm essa sorte, não bastando já a adversidade a que foram submetidas, há a separação quase sempre do casal, as dificuldades económicas, a falta de recursos adequados, a falta de informação ou de capacidade para aceder à mesma… É para mim uma dádiva poder ajudar estas mães e estes meninos e são deveras recompensadoras as palavras de apreço que recebo…
Que conselho daria a alguém que acabou de descobrir que tem uma doença rara ou que um familiar tem uma patologia deste género?
Em primeiro lugar, que nos contacte para que possamos ajudar e dar o melhor aconselhamento /encaminhamento possível. Que não se conforme e que se informe. Emocionalmente, que não desanime. Que consiga encontrar a força e paz interior para lidar com as adversidades: viver, literalmente, um dia de cada vez!
Alguns casos que já conhece
– Igor Andrade, Síndrome de Costello
O pequeno Igor Andrade tem síndrome de Costello. É uma das doenças mais raras do mundo, afectando apenas 350 pessoas. O menino, que vive em Paredes, foi diagnosticado aos sete meses. Em Portugal, são conhecidos apenas mais dois casos para além do de Igor. Com três anos e meio, apresenta um subdesenvolvimento motor. “É muito pequeno, não anda e tem de ser alimentado por um cateter porque não consegue mastigar a comida. Também tem problemas ósseos e é mais susceptível de ter cancros”, explicam os pais. A síndrome de Costello é uma doença incurável, degenerativa e que obriga a que os pacientes tenham um acompanhamento permanente.
– Cristina Sousa, Sindrome de Peutz-Jeghers
Em 2013 demos-lhe a conhecer o caso de Cristina Sousa, lousadense que sofre de Sindrome de Peutz-Jeghers. Foi diagnosticada com apenas 9 anos. É uma doença, hereditária e rara, que provoca o surgimento de pólipos, sobretudo a nível gastrointestinal (intestino delgado, grosso e estomago), que têm que ser retirados já que há um risco acrescido de progredirem para um tumor maligno. Cristina Sousa já enfrentou vários internamentos, cirurgias e o cancro da mama. Uma das filhas também é portadora desta síndrome rara.
-Ana Sofia, sindopatia mitocondrial e Doença de Pompe
Ana Sofia vive em Lousada, tem seis anos, e é portadora de uma doença rara, uma sindopatia mitocondrial e Doença de Pompe. Têm sido realizadas várias campanhas de solidariedade para ajudar a família e a menina. A incidência da Doença de Pompe é de 1 em cada 40.000 nascimentos e, poder-se-á extrapolar que a sua prevalência mundial estará algures entre os 5.000 e os 10.000 casos.
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