A entrevista que faltava: Conheça o Jebo de Quintandona

Perde-se por um “caldinho”, entretém-se a roubar colheitas e gosta de trocar as ceroulas nos estendais. Também já estava com saudades da Festa do Caldo de Quintandona

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É a mais importante “estrela”, palavras do próprio, da Festa do Caldo de Quintandona, que começa hoje e termina domingo. É com a sua prisão que a festa inicia e, nesta entrevista, conta como vive o evento.

A sua história, perdida no tempo, veio a lume nos últimos anos. Começa com a mãe, “uma velha que de tão feia que era, nunca havia casado”. Com vergonha da troça do povo, a velha desapareceu para os montes em redor da aldeia e “vivia do que colhia, e do que conseguia roubar”. Ia observando os moradores de Quintandona “que a tinham desprezado e ia lançando esconjuras e feitiços a todos”.

Mas a velha tinha um sonho: ser mãe. Por isso, procurou uma bruxa e fez um acordo, trocando a alma por um filho. “Ao fim d’ano, assim como as burras, a velha deu à luz, mas ao invés de uma criança pariu uma criatura medonha!!! Um jebo!!! Um filho da noite que sem obedecer a nada nem a ninguém, era o terror dos habitantes das redondezas. O que de dia colhiam, de noite ele roubava. O que ao sol semeavam à lua ele estragava. E saltava de telhado em telhado, uivava, grunhia, e à noite, mesmo cansados, ninguém dormia”, reza a lenda do Jebo de Quintandona, meio humano, meio diabo.

Foto: DR/Festa do Caldo de Quintandona

Foi então que “o mais velho dos velhos da aldeia” se lembrou que “com a segurança de um caldo quente e forte cuja receita ainda é um segredo, era possível lançar as cordas e apanhar qualquer criatura do demo”.

Assim fizeram e o Jebo foi levado à justiça do povo, dando origem a três dias de festa. Ao fim, decidiram soltar o Jebo, “porque perceberam que o bicho não tinha culpa de nada, era a sua natureza”.

É por isto que, todos os anos, em Quintandona, se prepara “um caldo mágico” e se prende o Jebo.

Perfil

Nome: Jebo de Quintandona 

Idade: 230 Solesticios 

Naturalidade: Quintandona 

Casado/Filhos: com esta cara? 

Profissão: Jebo

Tropelias favoritas realizadas durante o ano: Trocar ceroulas e combinações de um estendal de um vizinho para o estendal do vizinho do lado 

Comida/bebida favoritas: Caldo, Sopas secas e mijo de Jebo 

O que fez durante os últimos dois anos de pandemia e sem Festa do Caldo? Sentiu-se mais livre ou também usou máscara? Aproveitou para fazer férias?

Fiz vida quase normal, mas ao início confesso que não gostava de ouvir “parece que anda aí um bicho chinês que mata” e eu pensava ” eu não sou chinês nem nunca na vida matei ou sequer aleijei alguém!”. Depois lá percebi que não era de mim que falavam.

Máscara usei sempre que eu sou Jebo, mas cumpro a lei. E férias é coisa que quem vive no campo não sabe o que é. Mas é verdade que já sentia falta de toda esta agitação em Setembro. 

Durante o ano, entretém-se a roubar as colheitas? 

Claro, alguém tem que o fazer, é ninguém o faz melhor do que eu, sou profissional e levo isto bem sério. 

O que sente durante os três dias em que é mantido preso para a Festa do Caldo? Acha que a população não lhe reconhece o valor, afinal é uma das estrelas do evento?

Eu diria que sou a maior estrela! Tudo bem que andam por aí uns artistas das cantigas, com gaitas e bombos armados ao pingarelho, mas a única estrela aqui sou eu. E não me chateia nada estar preso estes trÊs dias, sempre descanso um bocadinho. E verdade seja dita, os meus captores dão aquele ar de duros e vingadores na sexta-feira, mas sou tratado a sopas secas, caldo e vinho todo o fim-de-semana. Tu tá lá calado que não há melhor tratamento. 

Foto: João Paulo Monteiro

Sente-se sozinho apesar de rodeado de milhares de pessoas ou há tempo para confraternizar, mesmo dentro da jaula, e deitar o olho aos espectáculos?

Aos espectáculos nem por isso, que aquilo às vezes é uma chinfrineira que Deus me ajude. Mas há sempre moças bonitas de um lado para ou outro, um regalo para os olhos. 

Tem provado o Caldo? A qualidade tem-se mantido?

O Caldo é a minha perdição, houvesse alguém para o cozinhar todos os dias e todos os dias eu comia um caldinho. 

E o mijo de Jebo? Acha piada a ter uma bebida com o seu nome? Está a pensar em processar por uso indevido?

Já pensei nisso, mas depois aquelas tratantes dos comoDEantes vêm com falinhas mansas e garrafas desse néctar e quando dou por mim já é segunda-feira e não me lembro de mais nada. 

Foto: João Paulo Monteiro

Já fez as pazes com a sua mãe ou culpa-a pelo que é?

A Senhora minha Mãe não tem culpa de nada. Eu andava zangado com ela, mas era mais aziamentos da juventude. Apesar de ela não aprovar a vida que levo, somos uma família. 

Sente-se mais humano ou mais diabo? 

Quando me souber explicar a diferença entre um e outro diga-me e já lhe posso responder. Por enquanto, não vejo muita diferença entre os dois. 

Tem amigos em Quintandona?

Eu quero pensar que todos os meus vizinhos são meus amigos, bons amigos. Temos as nossas desavenças, mas quem as não tem? Eles sabem que eu estou sempre lá para eles e sei que com eles posso contar. 

Apesar de tudo, gosta da Festa do Caldo? Está ansioso pelo regresso?

Estou em pulgas (e as pulgas geralmente também estão mim), mal posso esperar que comece.

Nota: O Jebo de Quintandona é uma personagem à qual o comoDEantes – Grupo de Teatro, uma das entidades organizadoras da Festa do Caldo, dá vida.