A independência de Portugal comemora-se anualmente no dia 1 de Dezembro, sem grande entusiasmo. Num recanto aconchegado da capital, discursam três ou quatro personalidades, comparecem uns populares patriotas e espreitam os turistas. Que é aquilo? Que faz ali aquela meia dúzia de pessoas com gravata? Há muitos anos que a cerimónia deixou de ser notícia e a maioria dos lisboetas ignora aquela tradição.
Na história que se ensinava nas escolas há umas décadas, a Restauração da Independência, a 1 de Dezembro de 1640, parecia uma gesta gloriosa, devida à clarividência de um punhado de heróis. Hoje, passada essa época em que se atribuía carácter divino à soberania nacional, sabe-se melhor o que aconteceu: a Catalunha e a Andaluzia revoltaram-se contra o domínio de Castela e o Rei de Espanha teve de escolher. Como optou pela Catalunha, o parêntese aberto em 1581 fechou-se em 1640 e Portugal voltou a ser independente. E assim se conservou, até hoje.
A história é feita de diferenças, de independências e de amizades. Faz parte do plano divino que cada pessoa, cada família, cada cidade, cada nação, tenha o seu próprio estilo. Pedro Aguiar Pinto, promotor de um conhecido blogue intitulado «Povo», inspirou-se numa frase da radiomensagem de Pio XII no Natal de 1944: «O povo opõe-se à massa, vive da liberdade e da consciência de cada um». De facto, a verdadeira multidão não é a massa indistinta – marchando ao estilo das paradas comunistas, com fatos de macaco da mesma cor. Num povo livre, a espontaneidade individual harmoniza-se com o contributo dos outros para enriquecer o conjunto.
Santo Agostinho notou que cada espécie animal actua invariavelmente de maneira uniforme. Conhecem-se os pássaros pela forma dos seus ninhos, os animais pelas suas tocas, mas as construções humanas são todas diferentes. Porquê? A razão é que Deus nos criou livres para que a diversidade acontecesse. Nas sociedades humanas, a uniformidade é o fruto da preguiça, da desistência de fazer render os próprios talentos. As mentes catalogadas, repetitivas, são asfixiantes. Não sentimos uma rejeição instintiva quando entramos num bairro em que todos os edifícios são iguais? Numa praça em que todas as pessoas vestem da mesma maneira?
Há uma razão para não dar valor à cópia de uma obra de arte. É verdade que, com um pouco de técnica, é possível pintar quadros iguais às maiores obras-primas, esculturas indistintas das melhores esculturas do mundo. Há cópias tão perfeitas que os próprios especialistas ficam com dúvidas sobre qual das versões é verdadeira. Fazer um museu com peças copiadas seria baratíssimo… Contudo, Deus não nos criou livres para fazermos cópias mas para sermos originais. Cada um de nós está chamado a dar um contributo singular, que só ele pode dar.
Alguns amigos recordam um almoço com S. Josemaria Escrivá, Fundador do Opus Dei, que, sendo espanhol, no final, brindou com eles por Aljubarrota, símbolo da independência portuguesa. Do ponto de vista dele, foi graças a essa independência que a mensagem do Evangelho se estendeu-se por mais regiões do mundo. Realmente, a visão dos santos supera a perspectiva dos pequenos interesses, acolhe a diversidade das pessoas e das sociedades como fonte de riqueza espiritual e cultural. Os santos vêem o mundo com os olhos de Deus e, também por isso, Deus revê-Se neles.
Foi este um dos temas da viagem apostólica do Papa Francisco a Myanmar:
– «Que belo, ver os irmãos unidos. Unidos não significa iguais. A unidade não é uniformidade (…). Cada um tem os seus próprios valores, as suas riquezas e também as suas carências. (…) A paz constrói-se com o coro das diferenças».
– «A paz é isto: a harmonia, a harmonia. Neste nosso tempo, experimentamos uma tendência mundial para a uniformidade, para fazer tudo igual. Isso é matar a humanidade. É uma colonização cultural. Temos de compreender a riqueza das nossas diferenças e perceber que dessas diferenças surge o diálogo».
– «Não devemos ter medo das diferenças. Um é o nosso Pai. Nós somos irmãos. E se discutimos, discutamos como irmãos. Estimemo-nos como irmãos. Penso que só assim se constrói a paz. Procurai construir a paz. Não vos deixeis uniformizar pela colonização cultural. A verdadeira harmonia divina faz-se com as diferenças».
Resumindo tudo isto, algumas agências de comunicação noticiaram que o Papa se tinha esquecido de falar de paz em Myanmar.