A crise permanente e o Presidente que a alimenta

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Na semana passada, o país foi, mais uma vez, surpreendido com o anúncio da queda do Governo. Portugal, contra todas as expectativas e contra o que seria desejável para qualquer democracia estável, prepara-se para ir novamente a votos. E é preciso dizê-lo com toda a clareza: isto não é normal, nem aceitável.

Num período de apenas seis anos, os portugueses foram chamados a escolher um Governo por quatro vezes. Quatro eleições legislativas em seis anos. Um país europeu, com instituições maduras, deveria ter governos que durassem o tempo natural de uma legislatura: quatro anos. Mas em Portugal parece impossível manter estabilidade governativa, e isso tem custos enormes para o país, para a economia, para o funcionamento do Estado, para os cidadãos e para a confiança das pessoas nas instituições democráticas.

A primeira pergunta que devemos fazer é: de quem é a culpa desta instabilidade crónica?

No nosso entender, há um responsável maior por este estado de permanente turbulência: o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

O Presidente que devia ser um fator de estabilidade e de equilíbrio entre órgãos de soberania é, na verdade, o grande alimentador desta crise política constante. Marcelo dissolveu a Assembleia Legislativa da Madeira, dissolveu a Assembleia Legislativa dos Açores e já dissolveu por três vezes a Assembleia da República. Fez cair um Governo que tinha uma maioria parlamentar estável, dissolveu outro que, goste-se ou não, tinha uma maioria absoluta, saída de eleições democráticas recentes e, agora, dissolve mais um.

Pior do que isso, temos um Presidente da República que intervém em tudo, todos os dias, sobre todos os temas, e que não respeita os limites institucionais que deveriam reger a sua magistratura de influência. Marcelo fala sobre tudo, opina sobre tudo, emite juízos sobre as ações dos governos, sejam eles do PS ou da coligação AD. E quando o Presidente da República age como comentador permanente e como pivô da vida política nacional, o resultado só pode ser este: instabilidade atrás de instabilidade.

Mas também não podemos ignorar o comportamento do Primeiro-Ministro. Se é verdade que o Presidente é o principal responsável pela sucessão de crises políticas, é inegável que desta vez o próprio Luís Montenegro deu o empurrão final. Confrontado com a ameaça de uma Comissão Parlamentar de Inquérito que poderia pôr a nu os problemas os seus problemas pessoas, Montenegro decidiu fugir para a frente, apresentando uma moção de confiança que sabia, à partida, que seria chumbada e que abriria a porta à queda do Governo.

Ou seja, colocou os seus interesses pessoais, a sua sobrevivência política, à frente dos interesses do país. Se é grave um Presidente da República alimentar crises, não é menos grave um Primeiro-Ministro precipitar a queda do próprio Governo apenas para se tentar escapar a um escrutínio político que é normal e saudável em democracia. O país não pode continuar a ser refém dos jogos pessoais e partidários de quem deveria estar a governar.

Com a dissolução do Parlamento e a convocação de novas eleições, Portugal caminha, de novo, para o desconhecido.

E o mais grave é que, seja o PS ou a AD a vencerem as eleições, o mais provável é que nenhum partido consiga garantir uma maioria parlamentar estável. Ou seja, tudo aponta para que, depois de mais umas eleições, o país fique novamente amarrado à dificuldade de formar governo e à ameaça permanente de novas eleições.

Isto não é governar um país. Isto é brincar com as instituições, com o Estado e, sobretudo, com a vida das pessoas.

O cenário que temos pela frente é preocupante. E aquilo que mais se exigia ao Presidente da República — ser o garante da estabilidade, o árbitro imparcial e sereno do sistema democrático — é exatamente o que Marcelo Rebelo de Sousa não tem sido.

Com ele, o país passou a viver em estado permanente de campanha e de crise política. E, agora, com o Primeiro-Ministro a preferir a fuga para a frente ao invés da responsabilidade democrática, os portugueses ficam mais uma vez à mercê da irresponsabilidade política de quem devia servir o país e não apenas os seus próprios interesses.

Por isso, quando agora se fala tanto em estabilidade, é bom que se diga: com este Presidente, e com políticos que colocam a sua carreira à frente do país, não há, nem haverá, estabilidade possível.

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