Um título de jornal de há anos «Quanto custa ser cristão?» não tratava da heroicidade dos actos de virtude, mas do custo propriamente económico: quantos euros custa ser cristão? Se a resposta fosse uma quantia irrisória, o autor concluía que a religião não valia grande coisa, não tinha impacto na vida.
Muitos discordam. Acham que o cristianismo é simultaneamente importante e barato, a ponto de terem ficado ofendidos com a última Encíclica do Papa Francisco que, em resumidas contas, apresenta a factura de ser cristão.
Não se pode dizer que a linguagem do Papa seja particularmente dura. O problema é outro. Quem assistiu à Missa nesta semana ficou muito mais surpreendido com os Evangelhos em que Jesus fustiga com veemência os fariseus e os escribas: «hipócritas», «assassinos», «filhos de assassinos»… Em face destes termos, não há razão para estranhar a linguagem vigorosa do Papa Francisco em favor dos pobres. As primeiras Encíclicas sociais, há mais de um século, soavam muito mais violentas! Ou as ameaças terríveis e a ironia amarga do Apóstolo S. Tiago:
– «Ai de vós, ricos! Chorai e gemei por causa das desgraças que virão sobre vós. As vossas riquezas apodreceram e vossas roupas foram comidas pela traça. O vosso ouro e vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem dará testemunho contra vós e devorará as vossas carnes como fogo. Entesourastes para os últimos dias! Eis que o salário que defraudastes aos trabalhadores que ceifavam os vossos campos clama, e os gritos dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos. Tendes vivido em delícias e em dissoluções sobre a terra, e saciastes os vossos corações para o dia da matança! Condenastes e matastes o justo, e ele não vos resistiu» (S. Tiago 5, 1-6).
O estilo da nova Encíclica de Francisco não segue esta tradição de linguagem forte, mas o conteúdo é igualmente interpelante. O tom até é simpático e o título sugestivo: «Fratelli Tutti» (todos somos irmãos). O problema desta Encíclica é que retoma os apelos, frequentes neste pontificado, a tomar a sério a parábola do bom samaritano, aquela em que Jesus nos confronta com um homem ferido, estendido por terra (Lucas 10, 25-37):
– «Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores que, depois de o despojarem e encherem de pancadas, o abandonaram, deixando-o meio morto».
Deduz-se que havia falta de policiamento na estrada de Jerusalém para Jericó, mas Jesus ignora a questão, para considerar apenas as reacções dos transeuntes:
– «Descia por aquele caminho um sacerdote que, ao vê-lo, passou ao largo. Do mesmo modo, também um levita passou por aquele lugar e, ao vê-lo, passou adiante. Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte, tirando dois denários, deu-os ao estalajadeiro, dizendo: “Trata bem dele e, o que gastares a mais, pagar-to-ei quando voltar”».
A história é bonita, tanto mais que os samaritanos eram gente mal considerada pelos judeus e este samaritano gastou tempo e dinheiro a socorrer um judeu. O problema da parábola é que Jesus conclui: «Vai e faz tu também o mesmo».
Houve protestos de pessoas chocadas com a Encíclica, mas não é justo atribuirmos ao Papa a culpa de uma parábola de Jesus. Até agora, muitos cristãos evitavam o assunto considerando que se tratou de um problema específico de quando não havia automóveis e a estrada de Jerusalém para Jericó não era asfaltada.
No fundo, se me é permitido traduzir a Encíclica com uma expressão bem portuguesa, ela diz-nos que colocar-se fora da parábola é «desculpa de mau pagador», desculpa de quem não quer pagar. A factura não é pequena mas não se vê alternativa.
É verdade que a Encíclica também diz que, se formos generosos, isso nos faz crescer e enriquecer (nº 89). Também Cristo o dizia. A pergunta é se esse enriquecimento nos interessa e se vamos confiar nessa promessa. Qual o preço de ser cristão?