Se pensarmos no global da Medicina e das suas muitas especialidades médicas e cirúrgicas, a Medicina Geral e Familiar não é apenas mais uma… não sendo mais nem menos importante, ocupa um lugar muito particular na estrutura dos cuidados de saúde atuais.
A relação entre os cidadãos e o sistema de saúde começa no contato imediato com os serviços que prestam cuidados básicos. Assim, pretende-se que os Cuidados de Saúde Primários sejam a primeira linha de contato das pessoas com os serviços de saúde, assegurando os cuidados essenciais e a orientação na resolução dos seus problemas, bem como a referenciação para outros níveis de cuidados.
O que torna única a atuação do médico de família, distinguindo-o dos demais profissionais, prende-se com o fato de este prestar cuidados centrados na Pessoa (e não na doença) e no seu contexto, estabelecendo uma relação de um para um, que vai sendo construída ao longo dos anos devido à continuidade do seguimento.
A abordagem ao doente é sempre feita de um modo global, tendo em atenção as suas dimensões física, psicológica, social, cultural e existencial. Pretende-se que a sua atuação seja abrangente, dando resposta a problemas agudos e crónicos, sempre na tentativa de promover a saúde e o bem-estar dos utentes.
Num mundo em que os recursos não são ilimitados, o médico de família tem importantes responsabilidades na gestão dos cuidados de saúde, devendo contudo manter um espírito crítico e atuar na defesa do melhor interesse do seu utente.
No momento atual vemos médicos com listas de 1800, 1900 e quase 2000 utentes. A adicionar a toda a atividade clínica, soma-se um sem número de procedimentos administrativos e burocráticos que preenchem um dia de trabalho já de si pesado. Para cumprir tudo isto temos de trabalhar com computadores obsoletos e programas informáticos que quando funcionam pouco ajudam, e quando não funcionam (mais vezes do que o desejável) lançam o caos nas unidades de saúde.
Ao médico de família são atribuídas constantemente novas competências (associadas à utilização de novos programas, ao preenchimento de novos formulários ou à realização de mais consultas), por decreto das estruturas superiores, sem que para isso recebam qualquer formação específica ou tempo adicional.
Aos clínicos mais velhos pedem que colaborem na formação de internos mas esse esforço formativo não é pedido a todos por igual. Este mês realizam-se as provas finais do internato de Medicina Geral e Familiar com a formação de cerca de 300 novos médicos de família a nível nacional. Destes jovens médicos de um amanhã de incerteza, quase metade (147) fizeram o seu internato na zona Norte, aqui se estabeleceram e formaram a sua família ao longo destes anos de formação mas menos de 50 devem ter colocação no próximo concurso. Aos restantes 100 jovens médicos é-lhes pedido que abandonem os seus projetos (e os seus doentes) e rumem a outras áreas do país, nomeadamente à zona de Lisboa e Vale do Tejo, para ocupar vagas ditas “carenciadas”, sob o pretexto de “solidariedade nacional”.
Aos que ficam pede-se que integrem cada vez mais utentes nas suas listas, numa tentativa de encapotar a falta de clínicos para dar resposta a toda a população. O cansaço, a desmotivação e a falta de perspetivas leva a que todos os anos, muitos médicos abandonem o serviço nacional de saúde. Só nos últimos 4 anos, mais de 1000 jovens médicos portugueses abandonaram o país em busca de melhores condições laborais.
Cada região deveria avaliar e tentar encontrar as medidas de incentivo mais adequadas para a fixação de médicos numa fase mais precoce da sua formação, quando a mobilidade é mais fácil e quando todo o futuro ainda está por construir. Não faz sentido andarmos a formar médicos para exportar nem para suprir as necessidades de outras áreas que não contribuem igualmente para a formação.
É também preciso entender que dar mais doentes a um médico família não é sinónimo de dar médico de família a mais doentes. O trabalho assistencial de qualidade não pode ser assegurado a listas de utentes destas dimensões.
Tentar prestar os melhores cuidados a todos, com os constrangimentos atuais não é tarefa fácil.