Uma tradição com 192 anos voltou, na tarde de sexta-feira da semana passada, a ser cumprida. Um andor com mais de 22 metros de altura foi carregado por 80 homens pelas principais ruas de Torno, em Lousada. A assistir estiveram, como de costume, milhares de pessoas vindas de todo o Norte do País. “Há também quem venha de Coimbra e de outras localidades mais a Centro”, refere Álvaro Faria, membro da comissão de Festas da Senhora da Aparecida há 15 anos consecutivos.
Muitas vêm cumprir promessas – queimam membros do corpo humano feitos em cera – mas a maior parte vem para ver o andor com 1500 quilos e que faz, em duas horas, um percurso com cerca de 1,5 quilómetros. Uma tarefa árdua, mas para a qual não faltam voluntários.
Festa tem um orçamento de 150 mil euros
A festa começa a ser preparada meses antes de 14 de Agosto, dia maior da Senhora da Aparecida, com a constituição de uma comissão com 15 elementos, que fica responsável por organizar o evento e, sobretudo, por angariar dinheiro suficiente para não defraudar as expectativas dos lousadenses, mas também dos milhares de visitantes. Álvaro Faria integra este grupo há 15 anos consecutivos. Diz que o faz por gosto, mas também porque não é fácil convencer a população a participar naquele que é o maior cartão-de-visita da freguesia do Torno. Ao VERDADEIRO OLHAR revela também que a festa da Senhora da Aparecida tem um orçamento a rondar os 150 mil euros. Grande parte serve para pagar o fogo-de-artifício, que rivaliza em duração e intensidade com as festas da vila de Lousada, as chamadas Grandiosas que terminaram recentemente. Outra fatia importante destina-se à procissão e aos seus andores. “Se pagássemos o valor justo, tínhamos de disponibilizar cerca de dez mil euros. Mas os armadores são da terra e fazem um preço especial”, refere Álvaro Faria.
Andores fazem percurso de quilómetro e meio, mas que demora duas horas a ser feito
A procissão é o momento alto de uma festa que se prolonga por cinco dias. Sempre ao dia 14 de Agosto, as ruas de Torno enchem-se de milhares de pessoas – há quem avance cem mil, mas esse é um número impossível de confirmar – para ver passar os andores de grandes dimensões que caracterizam esta romaria. São três, o maior com mais de 22 metros de altura, e saem da capela sempre às 18h00. “Vão ao encontro da procissão que sai da igreja. Depois dão a volta à freguesia. É um percurso com cerca de quilómetro e meio e que demora cerca de duas horas a fazer”, explica Álvaro Faria. No final, os 80 homens que carregam o principal andor têm de voltar a subir as escadas de acesso à capela para, no adro, pousar o peso de 1500 quilos que acabaram de transportar.
Há famílias que transportam andor há cem anos consecutivos
Lista de espera para carregar andor grande
Transportar o principal andor da Senhora da Aparecida não é uma tarefa fácil. É preciso transportar uma estrutura com mais de 22 metros de altura e com 1500 quilos de peso por um percurso marcado pelas subidas e descidas íngremes. Nada, no entanto, que impeça que, todos os anos, o andor grande, como é conhecido, tenha 80 homens a carregá-lo. E teria mais se tal fosse possível. “Não faltam homens interessados em levar o andor. Aliás, é necessário proceder à inscrição dos interessados, pois não é possível que todos peguem no andor”, esclarece Álvaro Faria.
Por outro lado, realça ainda Álvaro Faria, há homens que têm, ano após ano, o seu lugar reservado. “Há famílias que têm a tradição de pegar no andor. Nalguns casos, já é um membro da terceira geração que vai a carregar”, revela o membro da comissão de festas. A família Futuro é um dos exemplos. António e o filho Fábio têm, todos os anos, a companhia dos primos Eduardo e Francisco no cumprimento da tradição familiar. “Há mais de cem anos que a nossa família pega no andor. O meu avô carregava o andor sempre no mesmo sítio e esse lugar agora é meu”, afirma António Futuro. Aos 48 anos, António garante que vai carregar o andor “enquanto tiver forças”, mas já tem assegurada a continuação do legado da família. “Eu venho pela fé e também porque é uma tradição da família”, frisa o filho Fábio, de 25 anos.
Na frente do andor grande segue, igualmente, Eduardo Futuro, de 33 anos. “O meu avô e o meu pai pegaram no andor. Agora, é a minha vez”, justifica. Francisco Futuro, três anos mais velho, também não permitirá que ninguém fique com o seu lugar, que está marcado com uma chapa cravada numa das pegas do andor.
O andor grande conta ainda com a colaboração dos “homens das cordas”. São estes que, através de cordas presas ao andor, fazem com que este mantenha o equilíbrio e não cai. Aliás, este tipo de acidente – que só terá acontecido uma vez ao longo de 192 anos – é o grande receio da comissão de festas.
Quem não tiver lugar no andor grande, pode sempre transportar um dos outros dois andores que também marcam esta romaria. Estas estruturas são mais pequenas, mas necessitam, cada uma, de 40 homens a carregá-las. Ao todo, a organização acredita que mais de 170 pessoas sejam envolvidas no transporte dos principais andores da Senhora da Aparecida.
Recorde registado no livro do Guinness
A discussão em torno do maior andor do mundo é grande e gera sempre controvérsia. Às certezas dadas pelos lousadenses há sempre exemplos apresentados um pouco por todo o país. Certo é, no entanto, que o andor grande da Senhora da Aparecida está registado no livro do Guinness como o maior do planeta. O registo foi feito em 2007 e, sustenta a comissão de festas, continua sem ser batido. “O andor da Senhora da Aparecida mede 20,60 metros”, pormenoriza Álvaro Faria.
Senhora da Aparecida em números
150 mil é o orçamento da romaria
1500 quilos pesa o maior dos andores
80 homens transportam a estrutura
22,60 metros é a altura do andor grande
15 elementos constituem a comissão de festas
3 andores de grandes dimensões integram a procissão