“A geringonça não foi um parêntesis”, disse o ministro Pedro Nuno Santos quando instado a comentar o atual momento político.
É mais ou menos assim que nos sentimos depois do chumbo do governo e da dissolução do parlamento anunciada ontem pelo presidente da república. Mesmo que não o quisesse fazer, Marcelo evidenciou nas palavras proferidas que não era este o caminho que queria, mas não conseguiu disfarçar uma vontade subjacente às suas palavras. Marcelo Rebelo de Sousa quer o bloco central de novo no poder. Não fosse assim e não teria passado quase todo o tempo a culpar o PC pela não aprovação do orçamento. Mais do que isso só o garrote que colocou no CDS escolhendo a data de 30 de janeiro para a realização das eleições. Nessa altura, Francisco Rodrigues dos Santos já não será, formalmente, presidente do CDS. Com esta data para as eleições o que se adivinha é ver os centristas a passar mais tempo em guerrilhas internas do que a falar para o país. A tentativa de estrangulamento definitivo do CDS parece não lhe deixar mais espaço para respirar no futuro quadro parlamentar.
Do PC, pese embora a campanha que está em curso para o responsabilizar exclusivamente por esta “crise política”, é urgente perceber que nunca lhe poderão ser imputadas todas as responsabilidades. O governo, o Bloco e o PS, também membros da geringonça, não tinham o direito de condenar os comunistas pelo voto contra o orçamento.
Contudo, o que se pede ao PC neste momento é mais importante do que a aprovação de um orçamento. Se não caísse agora, o governo cairia no próximo.
O que se pede aos comunistas é que deixassem de ser o partido que é: o partido que nunca abdica do essencial da defesa dos direitos dos trabalhadores e que soube sempre que os interesses do capital nunca serão compatíveis com os direitos do trabalho.O que se pede aos comunistas portugueses é que, passado quase 50 anos sobre o fracasso do eurocomunismo, alinhassem na mesma estratégia para, como aconteceu à totalidade dos partidos comunistas na europa, desaparecesse. Somos dos que pensam que este Partido Comunista, mesmo com todas as ortodoxias que lhe conhecemos, é fundamental para a defesa de quem trabalha e, por isso,fundamental para a democracia.
Posto isto, e perante a evidência de que o PS será o partido mais votado em 30 de janeiro, só nos resta reforçar o voto à esquerda. Se o PS já tem os votos que cheguem para ser o maior partido e se, como nós pensamos, maiorias absolutas só favorecem que está no poder, resta-nos estabelecer para nós próprios as tais linhas vermelhas de que, quem é de esquerda, não pode prescindir.
Estas são as nossas:
-não votamos em partidos que não defendam o investimento nos serviços públicos de educação, saúde e proteção social.
– não votamos em partidos que inviabilizem o ponto anterior.
– não votamos em branco nem anulamos o voto. É não afirmar a nossa capacidade para defender o que é óbvio.
– só votamos no PS se fizer aquilo que ficou de fazer desde 2015. Avanços na contratação coletiva, na exclusividade dos profissionais do SNS (com as devidas compensações salariais e de progressão nas carreiras), investimento publico estratégico que apoie sobretudo uma alteração profunda das caraterísticas da nossa economia e, particularmente, no apoio à industria capaz de gerar mais valias, nomeadamente através das exportações e reestruturar as carreiras dos trabalhadores em funções públicas, tomando em conta que, sobretudo nos últimos 20 anos, sistematicamente perderam poder de compra.
-só votamos no PC, se não apresentar mais exigências num futuro orçamento para além das que apresentou neste que chumbou.
– só votamos no BE se se aproximar mais das posições do PS , sobretudo se não se exceder nas exigências futuras para poder regressar á condição de partido de protesto. Mais razões do que as que levaram o Bloco a reprovar este orçamento são caminho por onde não caminho.
– Se não estiverem seguros quanto à confiança que têm em cada partido, façam pim-pam-pum entre aqueles partidos atrás referidos, mas só entre esses.
Seria mais fácil escrever uma crónica mais aglutinadora e consensual, sobretudo agora que a maré está de feição para a direita – é o que dizem-, mas ser democrata implica isso mesmo. Não ter medo de fazer escolhas e escolher aqueles que, pensamos, estão mais por nós do que contra nós. Simples.