A polémica com o aterro da Rima, em Lustosa, Lousada, veio a público em Maio do ano passado quando se soube que que estavam lá a ser depositadas milhares de toneladas de resíduos importados, alegadamente de Itália. A Câmara Municipal acabou por interpor uma providência cautelar para travar o processo, que acabou por ser travado por uma medida mais generalizada do Governo quando suspendeu a importação de lixos com destino a aterro.
Foi, hoje, apresentado, em reunião de executivo, o relatório da comissão técnica independente criada para acompanhar este processo. A conclusão foi que os resíduos “não eram perigosos” e cumpriam os requisitos legais. As amostras mostram que eram sobretudo resíduos de plástico, papel e têxteis.
Mas, os vereadores do PSD consideraram o documento “superficial e pouco rigoroso” e estranharam a presença de pequenas quantidades de “resíduos perigosos nas amostragens”, algo considerado normal pela comissão.
“Não há qualquer garantia que as amostras recolhidas para análise são efectivamente as que vieram de Itália”
Arlindo Matos, professor da Universidade de Aveiro e coordenador da comissão, explicou que as análises foram feitas por um laboratório acreditado, concluindo que os resíduos eram sobretudo papel, plástico, têxteis e alguma matéria orgânica. “O Instituto Ricardo Jorge desde logo eliminou qualquer hipótese de transmissão de Covid-19, até porque os resíduos tinham dois a três meses e foram alvo de tratamento mecânico e biológico”, destacou o perito. Também não tinham cheiros.
“Chegamos à conclusão que os resíduos não eram perigosos e cumpriam com as normas estabelecidas na lei”, sustentou.
Entre eles foram encontrados uma seringa e um frasco de medicamentos vazios, componentes considerados perigosos, mas os resíduos têm de ser encarados como um todo, realçou. “Todos os resíduos urbanos têm pequenas quantidades de componentes perigosos”, frisou. Também a presença de metais pesados, em doses residuais como crómio, ou o facto de o carbono orgânico dissolvido ultrapassar os limites previstos não são dados que devam alarmar, concluiu.
Numa longa intervenção, o vereador Leonel Vieira, do PSD, lembrou que a comissão foi pedida pela oposição e que não deve ser lido apenas o relatório, mas também as actas e as “entrelinhas”. O autarca deu como exemplo o facto de o relatório ter sido devolvido pela comissão ao laboratório, duas vezes, por causar dúvidas.
Elencou ainda preocupações ligadas ao conteúdo significativo de materiais pesados, ao facto de o nível de carbono orgânico dissolvido exceder o limite estabelecido e de revelar “a existência de resíduos perigosos, apesar de ser numa percentagem pequena”.
Apoiando-se nas declarações da própria comissão, Leonel Vieira sustentou que “o laboratório convidado para realizar as análises aos resíduos depositados no aterro da Rima não merece grande credibilidade”. Pôs ainda em causa a sua escolha, perguntando quem encomendou o estudo afinal.
Por outro lado, o vereador do PSD lamentou que não tenham sido analisados os lixiviados do aterro. “Perdeu-se uma oportunidade para se saber que tipo de resíduos têm sido ali depositados”, disse. Acusou ainda a Rima de ter orientado e “condicionado” a investigação por não ter autorizado a recolha de amostras das águas a partir dos piezómetros localizados em torno do aterro, de ter obstaculizado o trabalho e de tentar esconder alguma coisa, não cedendo, por exemplo, o relatório ambiental anual. A crítica estende-se à Câmara de Lousada que, segundo o relatório, apesar de ser accionista da Rima não facultou qualquer documento à comissão.
Leonel Vieira pôs ainda em causa as amostras recolhidas. “A Rima não apresentou os documentos referentes ao transporte e depósito em aterro dos resíduos provenientes de Itália o que põe em causa todas as análises laboratoriais e as que foram realizadas no local. Não há qualquer garantia que as amostras recolhidas para análise são efectivamente as que vieram de Itália. Ou seja, a comissão acreditou no que o funcionário da Rima lhes disse”, argumentou.
O social-democrata falou ainda dos resíduos perigosos encontrados, uma seringa sem agulha e um frasco de medicamentos. “O laboratório não valoriza a existência de carbono orgânico nem os resíduos perigosos encontrados. Ou seja valoriza tudo que não é perigoso e relativiza tudo que é perigoso”, criticou.
“Podemos afirmar com alguma tristeza que este relatório é superficial, pouco rigoroso e conclui precipitadamente quando refere que os resíduos provenientes de Itália cumprem os critérios para a deposição em aterro, isto depois de verificarem a existência de resíduos perigosos nas amostragens, mesmo que seja em pequenas quantidades”, concluiu.
“A Rima não podia ter recebido aqueles resíduos à nossa revelia”
Pedro Machado falou em perplexidade e lembrou que a comissão não foi constituída para analisar a história do aterro, mas apenas para a análise dos resíduos vindos de Itália. “Não vamos misturar assuntos”, apelou.
Sobre as suspeições levantadas, Arlindo Matos esclareceu que apesar de não ter sido apresentada documentação todas as evidências, quando foi feita a recolha das amostras, apontavam para resíduos de proveniência estrangeira. Sobre a escolha dos laboratórios indicou que foi feita com base nas sugestões dos envolvidos na comissão e pela disponibilidade do mesmo em realizar o trabalho. A análise dos lixiviados, proposta pelo PSD, reflectiria uma história e não o efeito de um determinado resíduo, assim como os piezómetros. “Para o problema em aberto era irrelevante”, disse o perito. Apontou ainda a ligeireza de Leonel Vieira. “Tentamos ser tão rigorosos quanto possível. Nós não produzimos informação, analisamos a informação que nos foi entregue”, realçou.
O presidente da Câmara de Lousada anunciou que vão pegar no documento e pedir esclarecimentos à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte.
“Acho que devíamos fazer tudo ao nosso alcance para fechar aquele aterro. Aquela gente não é de confiança”, apelou o vereador do PSD.
“A Rima não podia ter recebido aqueles resíduos à nossa revelia. Foi uma quebra de confiança irremediável”, respondeu Pedro Machado, lembrando que a meta do aterro não era a importação de resíduos, mas servir as indústrias da região.
“Este relatório mostra que não havia motivo para tanto alarme. Percebo que as conclusões não eram as esperadas”, disse ao PSD.
O Verdadeiro Olhar tentou ouvir a Rima sobre as críticas do PSD, mas ainda não obteve resposta.