Nas salas de reservas do Museu Municipal de Penafiel há “de tudo, como na farmácia”, brinca Maria José Santos, directora do espaço, numa visita guiada. Na realidade, existe mesmo o mobiliário doado da antiga farmácia do fundador, Abílio Miranda, que até já deu origem a uma exposição. Mas há muito mais do que isso. É uma vasta colecção, muito heterogénea, de milhares de peças, relativa à etnografia, arqueologia e história local, que dava para fazer vários “outros museus”, mas que permanece quase sempre escondida dos olhos dos visitantes, sendo apenas mostrada em exposições temporárias ou actividades do serviço educativo (ou em alguns vídeos publicados nas redes sociais desde a pandemia).
Nos 1200 metros quadrados, existem desde tractores e alfaias agrícolas, até antigos baús e ferros de engomar, peças de cerâmica (resultado de escavações no concelho), têxteis (como as vestes antigas da Figura da Cidade, do Corpo de Deus), máquinas de costura, ferramentas de carpintaria e marcenaria, regadores de metal, formas de sapateiros, uma colecção de brinquedos, chaves e até, imagine-se, uma armadura ou mesmo o primeiro computador da Câmara Municipal de Penafiel. Quase todas as peças foram doadas.
Todos estes objectos têm de ser alvo de inventariação e conservação. Um trabalho “invisível” que decorre diariamente, nos bastidores, e que exige muito aos 16 funcionários deste espaço museológico que completa, hoje, 17 de Abril, 75 anos de existência.
Desde que se mudou para as instalações definitivas, na Rua do Paço, em 2009, o Museu de Penafiel já foi visitado por cerca de 200 mil pessoas.
“Não temos nenhum tesouro nacional”
O Museu de Penafiel é um espaço dedicado ao território e identidade do concelho, assumindo-se como um verdadeiro guardião da história local. “Não temos nenhum tesouro nacional. Estes objectos não são particularmente singulares ou raros. Na maioria, são objectos comuns do quotidiano desta comunidade que vamos preservando”, realça a directora, Maria José Santos.
Em muitos casos, as pessoas só se aperceberam que tinham em casa peças ‘de museu’ quando viram a colecção exposta, na altura em que o museu veio para a casa definitiva, no Largo da Ajuda. “Há objectos corriqueiros que as pessoas não valorizam e depois vão-se perdendo. Quando o museu abriu aqui, tivemos um boom de doação de alfaias”, dá como exemplo.
“A colecção é muita vasta e heterogénea e está em permanente aumento, sobretudo pela colecção de arqueologia. Há um fluxo constante de entrada de peças”, revela a directora do equipamento.
A colecção tem várias componentes, tendo-se iniciado com o espólio antigo recolhido por Abílio Miranda, mentor e fundados do Museu, farmacêutico de profissão, “que trocava muitas vezes medicamentos por peças de valor histórico e arqueológico, conseguindo assim juntar um considerável espólio que mais tarde daria origem ao acervo inicial”.
Mas 99% das peças, quer da colecção quer das reservas, são fruto de doações ao Museu. “Muito raramente compramos o que quer que seja”, garante Maria José Santos. Quando acontece é algo pontual, por exemplo, para completar uma colecção de moedas. Noutros casos foi adquirida uma caixa de engraxador, oferecida ao engraxador da cidade, para trocar pela antiga, mas ainda em uso, que passou a integrar o espólio. São ainda guardiões de objectos que têm propriedade privada.
“Este museu tem uma particularidade, não trabalhamos só os objectos da colecção material. Somos um museu de identidade, mas também de território. A relação umbilical com o Castro do Monte Mozinho é prova disso mesmo. Para nós, a colecção é, não só os objectos materiais e físicos que estão nas reservas e na exposição aberta ao público, mas o próprio território e o seu património, arqueológico, edificado, vernacular e imaterial”, esclarece a directora do Museu. Caso do trabalho feito para a classificação da celebração das Endoenças de Entre-os-Rios, inscrita no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, que querem replicar com o Corpo de Deus.
Trabalho “de bastidores” é fundamental
Quando há novas peças, os objectos entram pela “sala de sujos”, onde, por exemplo, se confirma se as madeiras estão infectadas. São alvo de limpeza, marcação, medição e descrição das características, informação que é vertida na ficha de inventário, “o cartão de cidadão”. Antes esta ficha era em papel, agora é já informatizada. Cada elemento é também fotografado e a cada um é atribuído um número. É isso que permite encontrar a peça entre os milhares que ocupam as prateleiras do espólio do Museu. De outra forma, seria “impossível saber onde está cada uma”, reconhece Maria José Santos.
São 15 mil, as peças já inventariadas, mas há mais, a que se junta um acervo documental de 9000 espécimes, desde cartografia e desenho, mas sobretudo fotografia. São vários museus dentro de um museu, admite a directora.
Só na reserva de arqueologia há milhares de fragmentos recuperados de escavações, como as do Monte Mozinho.
O principal trabalho é evitar a degradação dos objectos. Durante todo o ano há conservação preventiva regular para verificar o estado das peças. À segunda-feira, dia de encerramento do Museu de Penafiel, é feita a manutenção e limpeza da colecção que está patente ao público. Quando é necessário enviam para restauro.
Ana Azeredo e Lúcia Pacheco, auxiliares de técnico de museografia, ajudam em todo o processo, desde que a peça chega ao Museu até que vai para reserva ou exposição, desde a limpeza à medição e marcação, entre outros. “Todas as peças têm a sua história e são bonitas”, garantem. Já quando se fala de arqueologia, além da fotografia da peça é, muitas vezes, feito um desenho, “que revela pormenores que a foto não guarda”. Rita D’Alte, aluna de mestrado em Arqueologia, está, por estes dias, a desenhar peças de cerâmica. “A nossa colecção é aberta ao estudo. Têm-se produzido imensos trabalhos sobre a nossa colecção. Sozinhos não conseguimos estudar milhares de peças”, refere a directora do Museu de Penafiel.
Todo este trabalho de bastidores, de preservação e conservação, assim como de inventariação dos objectos, “invisível” para os visitantes, é o que faz de um museu, museu. “Esse trabalho é inventariação é fundamental. Precisamos de conhecer a colecção que temos à nossa guarda, a história dos objectos, zelar pela preservação e, sempre que possível, comunicá-los, que é o papel do museu”, descreve Maria José. Ao todo, o Museu de Penafiel conta com 16 funcionários, uma equipa “relativamente jovem, dinâmica, muito especializada e tecnicamente formada” que trabalha em rede, colaborando de forma permanente.
Estas peças, “escondidas” nas reservas, só vêem ‘a luz do dia’ pontualmente. São usadas em exposições temporárias e, no último domingo de cada mês, um dos objectos integra o programa para famílias. Também desde a pandemia, começaram a ser divulgados vídeos de um minuto sobre a história e curiosidades sobre as peças. Isto permite “mostrar a diversidade da colecção”.
O próximo passo é disponibilizar o inventário online, para que qualquer um possa consultar a história dos objectos que constituem a colecção do Museu de Penafiel.
75 anos de história
Constituído formalmente a 17 de Abril de 1948, o Museu Municipal de Penafiel tem como missão a “identificação, classificação, protecção, preservação, investigação, valorização e divulgação do património cultural móvel, imóvel e imaterial do Município de Penafiel, salvaguardando-o para as futuras gerações”.
Passou já por três casas. Funcionou, inicialmente, no rés-do-chão do edifício da Biblioteca Municipal (Palacete do Barão do Calvário), seguindo-se, em 1990, a ocupação de um espaço da Rua Conde Ferreira (hoje Loja do Cidadão). Foi aí que se manteve até à mudança definitiva de instalações, para a Rua do Paço (no Largo da Ajuda), em 2009. Ocupa o palacete dos Pereira do Lago, edifício recuperado pelos arquitectos Fernando Távora e Bernardo Távora. Só aí passou a beneficiar “de uma ampla área de exposição e serviços que permitem acolher visitantes e utentes com qualidade”.
A exposição permanente deste espaço museológico conta com 1.250 metros quadrados de área de exposição, com cinco salas temáticas dedicadas à Identidade, ao Território, à Arqueologia, aos Ofícios e à Terra e Água. Ao todo são 995 os objectos expostos.
Trata-se de um serviço polinucleado que integra, além do núcleo sede, quatro núcleos museológicos externos, de gestão directa ou partilhada: o Castro do Monte Mozinho; o Moinho da Ponte de Novelas; o Engenho de Sebolido e a Aldeia de Quintandona.
O espaço museológico já foi várias vezes premiado. Destaque para o facto de, em 2010, ter sido distinguido com o Prémio de Melhor Museu Português, atribuído pela Associação Portuguesa de Museologia, sendo, também nesse ano, nomeado para o European Museum of the Year Award, do Forum Europeu dos Museus. Integra ainda o The Best in Heritage Excellence Club desde 2013, da Associação Europeia do Património.
“Ao fim destes anos, conseguimos comprovar a importância deste Museu no coração do centro histórico. É um motor de desenvolvimento social, cultural e económico”, acredita Maria José Santos.