Verdadeiro Olhar

Valongo tem projecto que cuida de quem cuida de doentes com alzheimer

Portugal tem cerca de um milhão de pessoas que se dedicam a cuidar daqueles que mais amam a troco de nada. É um trabalho de 24 horas por dia, sete dias por semana e, na maioria dos casos, com desconhecimento sobre qual a melhor forma de tratar os seus familiares. O amor ensina-os e, ao fim de alguns anos, a sabedoria alia-se a um desgaste físico e psicológico que toma conta destas pessoas. E chegam a um estado de exaustão difícil de reverter.

É aqui que entra o IDDA, Intervenção Domiciliar na Doença de Alzheimer, um projecto gratuito, de intervenção social na área das demências e que tem como objectivo atenuar o desgaste e isolamento social do cuidador informal. Funciona através de uma rede de voluntários que acompanham e respondem às reais necessidades de quem abdica da sua vida por amor.

Diogo Francisco é psicólogo clínico e o pai deste projecto que nasceu em Abril passado e que, neste momento, conta com uma equipa de 36 voluntários, com idades que vão desde os 20 até aos 68 anos.

Em entrevista ao Verdadeiro Olhar, o psicólogo destaca que o IDDA “promove o descanso do cuidador informal, ao mesmo tempo que trabalha com o doente”, sobretudo ao nível da “estimulação cognitiva”. Quer isto dizer, que é “uma área de intervenção completa”. Os voluntários deslocam-se a casa do doente, de forma gratuita, sendo que depois intervêm conforme as necessidades, que se podem traduzir “numa ou três visitas por semana”, depende dos casos.

Foi em 2011 que Diogo Francisco se apaixonou pela área da demência, depois de uma passagem pelo Centro de Dia, para doentes de alzheimer S. João de Deus, do Hospital Conde Ferreira. Desde então, tem tentado apoiar os doentes que sofrem com estas patologias. Em 2017 apresentou um projecto, no âmbito do Orçamento Participativa Jovem, em Valongo, onde o foco eram os doentes com alzheimer e sua reabilitação.

Depois de desenvolver esta ideia no concelho, repensou o alvo, porque percebeu que, ao fim de alguns anos, são os cuidadores informais o elo mais frágil de todo este processo. Porque “vivem isolados, porque perderam por completo as relações com o exterior e a rede de amigos”, estando completamente descolados do “seu eu”.

Ora, o psicólogo percebeu que esta é que deveria ser a “área de intervenção” feita em paralelo com o doente.

É verdade que o estatuto do cuidador informal foi aprovado em 2019, mas a pandemia agravou uma situação que contabiliza décadas de fragilidades. Muitos são aqueles que olham para o lado e só vêm angústia, desespero e dificuldades.

Diogo Francisco subscreve a ideia de que esta franja da sociedade “tem poucos ou nenhuns suportes”. Apesar da alteração da lei, a verdade é que “são escassas as pessoas que conseguem algo do Estado”. Por isso, estas equipas criadas em Valongo fazem todo o sentido. Além de permitirem que os cuidadores “tenham um tempo para si e possam sair de casa, por exemplo”, também incidem sobre o doente, através da “estimulação cognitiva”. Funcionam como “uma bomba de oxigénio”, para ambas as partes, sobretudo para os cuidadores, de forma a que estes “reaprendam a viver e tenham tempo para si”, sublinha o também formador na área da comportamental. O projecto está de portas abertas a todos aqueles que precisarem e “nunca vira as costas a ninguém”, garante o mentor da ideia.

Neste momento, o IDDA dá apoio a dez famílias de Valongo, mas a ideia é chegar, até ao final do ano, “às 50 e conseguir uma rede de 100 voluntários” que têm que ter como único requisito “motivação para quererem ajudar os outros”. Pretende-se apenas que este grupo seja heterogéneo. Aliás, Diogo Francisco conta que se uma das voluntárias, por exemplo, sabe fazer tapetes de arraiolos e bordados. Ora, uma das pacientes trabalhava nesta área. Assim sendo, e porque “a comunicação com o doente de alzheimer é feita, essencialmente, com diálogos que reportam ao passado”, estas sinergias “são uma mais valia”, porque a “estimulação cognitiva é muito mais eficaz”.

O IDDA desloca-se sempre ao domicílio, onde a actuação destas equipas e tratamento são muito mais eficientes. Porque “ao retirarmos as pessoas de casa, do seu espaço, onde desconhecem as cores e sombras, só estaremos a potenciar a doença”. Para além disso, “a estimulação e impacto é muito maior com o doente sozinho do que numa intervenção em grupo ou num contexto de bata branca e hospital”.

Outro dos problemas comuns dos cuidadores tem a ver com o luto. Depois de cinco, dez ou 15 anos a cuidarem de alguém, “como é feito esse trajecto?”. Porque não é fácil regressar ao mercado de trabalho ou à vida depois de uma entrega tão longa e desgastante. 

Diogo Francisco reconhece que “é um caminho difícil”. Mas se houver uma intervenção prévia, quando o inevitável acontecer, “será mais fácil a pessoas “reconstruirem-se” e recomeçarem.

O IDDA é um projecto que conta com o apoio do Portugal Inovação Social, uma iniciativa pública que mobiliza cerca de 150 milhões de euros do Fundo Social Europeu, no âmbito do Acordo de Parceria Portugal 2020. Para além disso, conta com a ajuda da Câmara Municipal de Valongo que, “desde a primeira hora”, se associou a esta ideia, explicou o psicólogo. Aliás esta intervenção de três anos custa cerca de 74 mil euros, sendo que 30 por cento são verbas do município. Também a Associação Viver Alfena apoia esta ideia e está a dinamizá-la.

Em Portugal devem existir cerca de 200 mil pessoas com demência e o número, até 2050, deverá triplicar. Por cada cuidador informal que surge, há uma família que é obrigada a destruturar-se e, muitas vezes, a anular-se. Tudo por amor. Sim, porque ser cuidador informal é um acto de amor pouco recompensado em Portugal e que, em muitos casos, pode terminar de forma trágica. Em Valongo, graças ao projecto IDDA, há esperança e para aqueles que se anulam para cuidarem de quem amam. E fica a certeza de que haverá uma vida para além da morte.

O contacto com o IDDA pode ser feito através do mail apoio@nullidda.pt ou pelo contacto 934561212.