Afinal são dois os projectos que visam instalar centrais fotovoltaicas na freguesia de Campo e Sobrado, em Valongo.
O primeiro esteve em consulta pública no final do ano passado e está agora em fase de análise. O segundo está actualmente em consulta pública no Portal Participa, até 23 de Janeiro.
São em tudo idênticos, até o estudo de impacte ambiental foi elaborado pela mesma empresa e no mesmo período. O primeiro, a Central Solar Fotovoltaica de Valongo I, é um investimento, de 14,2 milhões de euros que abrange cerca de 51 hectares (área vedada), em terrenos contíguos, estimando os promotores que sejam produzidos 43,258 GWh/ano tendo como destino de ponto de entrega a sub-estação de Fânzeres. Se for aprovada, a central será construída em 12 meses e deverá ter uma vida útil de 30 anos. A Câmara de Valongo já se tinha mostrado contra e deu parecer negativo, invocando “fortes impactes negativos, nomeadamente biológicos, hídricos, paisagísticos e patrimoniais, que podem atingir significância muito elevada e carácter permanente”.
O agora em consulta pública, a Central Solar Fotovoltaica de Valongo II, segundo o resumo não técnico do Estudo de Impacte Ambiental (EIA), visa também o aproveitamento de energia solar para produção de energia eléctrica, estando previsto que a central faça a ligação à sub-estação de Valongo, sendo para isso necessária a construção de um troço de linha eléctrica aérea de média tensão de aproximadamente 2,7 quilómetros. “A área de implantação do projecto, com aproximadamente 34,30 hectares (área vedada), desenvolve-se a norte/noroeste da povoação de Valongo e a este da auto-estrada A41”, lê-se. A estimativa é de que sejam produzidos 45,389 GWh/ano de energia. A proposta é da empresa Singular Sphere, Lda, que à semelhança da Compatiblespirit, Lda, autora do outro projecto, tem sede na mesma morada, em Sintra. Ambos os estudos de impacte ambiental foram feitos pela mesma empresa, a Matos, Fonseca & Associados.
Contactada, a Câmara de Valongo argumenta que este segundo projecto não cumpre o Plano Director Municipal (PDM) e que “os impactos ambientais, paisagísticos e patrimoniais previsíveis sobrepõem-se aos alegados benefícios para o município”, pelo que promete utilizar “os meios legais de que dispõe, nomeadamente munindo-se das normas que regem o PDM, tendo sempre em vista os interesses do Município e dos munícipes”.
APA diz que projecto é “susceptível de provocar impactes negativos significativos no ambiente”
Segundo o estudo elaborado pela Matos, Fonseca & Associados, entre os meses de Setembro de 2021 e Abril de 2022, haverá “impactes negativos” sobre a fauna e “impactes paisagísticos com significado”.
Mas destaca que, “do ponto de vista sócio-económico, este é um projecto que tem a nível local e regional impactes na economia com alguma relevância”. “Em primeiro lugar, o arrendamento das terras, o qual constitui uma renda fixa durante 30 anos para os proprietários e, em segundo lugar, também a nível local e nacional, um investimento de mais de 14 milhões de euros, fundamentalmente, através da captação de capitais externos, constituindo assim um impacte económico extremamente importante e significativo”, lê-se. Defende ainda que o aumento da produção de energia eléctrica a partir da energia solar, renovável, “contribuirá para reduzir a produção de energia com base em combustíveis fósseis, reduzindo ao mesmo tempo a dependência energética nacional”, pelo que esta central fotovoltaica “vai ao encontro da política energética nacional”.
“Embora se justifiquem algumas preocupações ambientais, estas serão francamente minimizadas pela adopção das medidas de minimização identificadas e propostas neste EIA, pela adopção de uma correcta gestão ambiental na fase de construção do projecto, bem como pela monitorização prevista para a fase de exploração”, concluem os responsáveis pelo estudo.
Dos anexos, consta o parecer emitido pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Para aquela entidade trata-se de um “projecto susceptível de provocar impactes negativos significativos no ambiente, pelo que se entende que deve ser sujeito a procedimento de avaliação de impacte ambiental”.
A APA consultou o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e a Associação de Municípios Parque das Serras do Porto, pela proximidade à Zona Especial de Conservação (ZEC) de Valongo e à Paisagem protegida Regional Parque das Serras do Porto. A Associação de Municípios realçou que “um projecto desta envergadura implica impactes significativos” e que os painéis fotovoltaicos “marcariam indelevelmente um território que tem trabalhado e investido de forma muito evidente na promoção de infra-estruturas verdes que valorizem a paisagem, o património e o usufruto sustentável da natureza”.
Já a Câmara de Valongo, apesar de não ter sido consultada pela APA, enviou um parecer, refere aquela entidade, apontando “impactes significativos, nomeadamente, impactes biológicos, hídricos, paisagísticos e patrimoniais” que podem “atingir significância muito elevada e carácter permanente, com a destruição de habitats e valores naturais e patrimoniais suplantando todos os benefícios do projecto”.
“Os impactos ambientais, paisagísticos e patrimoniais previsíveis sobrepõem-se aos alegados benefícios para o município”
Ao Verdadeiro Olhar, o município sustenta que “este projecto não cumpre o que está preceituado no Plano Director Municipal (PDM) de Valongo”. “Pela sua dimensão e localização, consideramos que este projecto põe em causa importantes valores patrimoniais do nosso concelho, nomeadamente estruturas mineiras de época romana, lousíferas e um geo-sítio”, dando exemplo de património arqueológico e até de caminhos medievais existentes. “Na área identificada para a implementação do projecto ocorrem muros de pedra seca, em xisto, bem como outras estruturas de lousa e granito, associados à delimitação e demarcação de parcelas de terreno, caminhos, marcas identitárias do património vernacular local”, acrescenta ainda a resposta enviada.
Para a autarquia o facto de este projecto, muito semelhante ao já apresentado, estar previsto para “uma área praticamente contígua”, vai “ampliar” as consequências negativas, no que toca “à fragmentação de habitats e aos valores patrimoniais em presença no concelho”. Além disso, “interfere directamente com percursos dos circuitos de Trail, de BTT e de Contemplação, não sendo possível a sua manutenção com a implementação do projecto no terreno” e “são também preocupantes os impactos na fauna e flora locais, onde há várias espécies que importa proteger”.
“Há, obviamente, um fundado receio quanto à implementação deste projeco neste local, exactamente na proximidade do Parque das Serras do Porto e da Zona Especial de Conservação de Valongo, áreas que exigem uma cuidada estratégia de gestão ambiental, a qual pode sair gravemente comprometida com a implementação de projectos desta dimensão e duração, mesmo que sejam na fronteira dessas áreas sensíveis, porque sempre afectam negativamente os habitats e os serviços de ecossistemas num raio considerável”, sobretudo numa altura em que município tem trabalhado “afincadamente ao longo dos últimos anos” com vista à preservação e valorização deste território nas suas mais diversas vertentes.
A Câmara de Valongo frisa ainda que com os dados disponíveis, não é possível “prever adequadamente quais as medidas de recuperação ambiental e paisagística previstas após a fase de exploração, ou desactivação da instalação, constituindo essa omissão um forte factor negativo”.
“Consideramos, pois, que os impactos ambientais, paisagísticos e patrimoniais previsíveis sobrepõem-se aos alegados benefícios para o município. A autarquia utilizará os meios legais que dispõe, nomeadamente munindo-se das normas que regem o PDM, tendo sempre em vista os interesses do Município e dos munícipes”, garante a autarquia valonguense.
“As energias limpas são o caminho, mas não pondo em risco o nosso património ambiental, nomeadamente da drenagem, impermeabilização, protecção e erosão dos solos, afectando a taxa de infiltração de água pluvial, ao criar uma barreira física que irá promover a escorrência superficial dado o equipamento e sistema de fixação preconizado no projecto, que terá implicações no abastecimento e manutenção das redes hidrográficas, na fauna e flora locais”, salienta o município.
O Verdadeiro Olhar tentou obter uma reacção da União de Freguesias de Campo e Sobrado, mas até agora não houve resposta.