Enquanto, nas nossas cidades, o barulho das vozes humanas está a ser substituído pela presença de cães e gatos, a Igreja considera que isto é um sinal de alerta de que algo está a correr muito mal nas sociedades ocidentais: neste mês de Janeiro, o Papa Francisco atacou directamente o tema, que lhe parece importante.
Poucos meios de informação referiram as palavras do Papa, mas alguns publicaram as reacções dos lobbies animalistas à sua análise. Os animalistas protestaram porque não entendem que a Igreja dê mais valor a uma criança do que a outro bicho: todos os bichos têm os mesmos direitos! Nalgumas redes sociais, por exemplo no Twitter, durante alguns dias os protestos contra o Papa ultrapassaram o número de mensagens relacionadas com a Covid ou os grandes temas da política.
Médicos psiquiatras que acompanham crianças contam-me que lhes começaram a chegar ao consultório numerosos rapazes e raparigas, pré-adolescentes, com problemas graves de identidade, porque não sabem se são rapazes ou raparigas.
Ao mesmo tempo, a grande maioria da população de muitos países do mundo ocidental ignora o que seja a família. Há trinta anos, era só nos países escandinavos que, quando a generalidade das crianças nascia, os pais já não viviam em conjunto. Hoje em dia, essa estatística verifica-se generalizadamente, também em Portugal. Isto é, a maioria dos rapazes e raparigas ignora o que sejam as responsabilidades familiares e não tem a maturidade necessária para ter filhos. Em muitos casos, a consciência desta impreparação leva as pessoas a evitar casar-se e a evitar ter filhos, mas às vezes são surpreendidas pela realidade e não sabem o que fazer com uma criança que surge.
Percebe-se que as experiências educativas em curso no mundo ocidental estão a deixar marcas profundas. Ao banalizar o sexo, o corpo e as relações humanas, ao eliminar o sentido de responsabilidade e a capacidade de compromisso, este tipo de educação está a destruir as novas gerações e, diz o Papa, afecta as raízes da sociedade: «Em vez de filhos, as pessoas querem cães e gatos. E a pátria sofre».
Fala-se de «Inverno demográfico», de desequilíbrios económicos que inviabilizam a médio prazo o sistema de segurança social. Isso é grave, no entanto, não é o que mais preocupa o Papa. «A paternidade é a plenitude da vida de uma pessoa» e, diz ele, «vivemos numa época de orfandade, numa civilização órfã». Há demasiado «egoísmo»: «quantos casais só querem um filho!… É uma tragédia!» — sublinha o Papa.
Por um lado, as sociedades tornaram-se demasiado complicadas, o trabalho e os meios de subsistência criam uma enorme insegurança. Por outro lado, a pressão social exige tantos requisitos materiais para uma vida normal, que os pais dificilmente conseguem garantir aos filhos esse tipo de vida considerada normal. É evidente que caímos numa ratoeira que gera infelicidade. Por isso a Igreja tem alertado as sociedades da abundância para que, se não forem capazes de se desprender de tanta carga supérflua, afundam-se numa imensa frustração e perdem o melhor da vida.
— «Se não podeis ter filhos, pensai em adoptar uma criança. É um risco, sim: ter um filho é sempre um risco, seja um filho natural, ou adoptado. Mas é mais perigoso não ter filhos». Um homem ou uma mulher que voluntariamente «não desenvolvem o sentido da paternidade e da maternidade carecem de qualquer coisa principal».
Em parte, esta crise humana —tragédia, como o Papa a classificou— está a ser promovida pela «teoria de género», que algumas vezes Francisco considerou uma forma violenta de ditadura. Este delírio ideológico, que está a ser ensinado nas escolas de alguns países, está a perturbar de tal maneira as novas gerações que muitas crianças se sentem inseguras sobre se são rapazes ou raparigas, não distinguem entre uma pessoa e um bicho, chegam à adolescência sem capacidade de assumir responsavelmente um compromisso familiar.
Não seria bom mudar radicalmente o nosso sistema educativo?