José Manuel Ribeiro veio, por estes dias, afirmar que António Costa teve o seu momento Kennedy. A comparação falha em quase tudo. O triste momento JMR é representativo da mediocridade que grassa nos nossos políticos.
José Manuel Ribeiro veio, por estes dias, afirmar que António Costa teve o seu momento Kennedy. Fê-lo em artigo de opinião no Jornal de Notícias e insistiu em direto para um canal cabo da TV.[1] Para fundamentar a posição, o presidente da Câmara de Valongo afirmou que António Costa pediu aos portugueses, olhos nos olhos, que – individualmente, nas suas famílias, nas escolas, nas empresas, nos serviços públicos – mantenham o país a funcionar, comparando estas palavras com aquelas que o Presidente Norte-americano, John F. Kennedy proferiu, e que já fazem parte da cultura popular: Não pergunte o que o seu país pode fazer por si. Pergunte o que você pode fazer pelo seu país.
A comparação falha em quase tudo. Quer no contexto em que as palavras foram proferidas, quer no sentido em que as palavras foram proferidas.
Desde logo, o discurso de Kennedy foi proferido na sua tomada de posse, em 20 de janeiro de 1961. O discurso não foi improvisado, contando com uma preparação de dois meses.[2] As palavras de Costa foram proferidas num contexto de crise, de emergência, num momento em que se exigem decisões concretas e capazes dos governantes.
Depois, em 1961, Kennedy não proferiu as palavras para responsabilizar a população. Efetivamente, foi esse o propósito de António Costa. À imagem do que fez com a polémica relativa à app STAYAWAY Covid, o primeiro-ministro teve como prioridade desresponsabilizar-se. O objetivo do discurso de António Costa, corroborado pelo Presidente da Câmara de Valongo, é passar o ónus do estado da situação para a população, ao invés de assumir a falta de preparação e planeamento com que o momento que estamos a passar foi antecipado.
Ao contrário do que quer dar a entender José Manuel Ribeiro, que se fica por uma análise supérflua que não passa das indicações dadas pela cultura popular, o discurso de Kennedy visava, essencialmente, responsabilizar-se a si mesmo, enquanto Presidente que acabava de ser eleito. O discurso começava assim: Hoje observamos, não a vitória de um partido, mas a celebração da liberdade, simbolizando tanto um fim como um início, significando tanto renovação como mudança.[3] E, enquanto admitia que o sucesso do país dependia mais dos cidadãos do que de si mesmo,[4] o Presidente Norte-americano, após o trecho transcrito por José Manuel Ribeiro, concluía: Finalmente, sejam cidadãos da América ou cidadãos do mundo, exijam de nós os mesmos standards de força e sacrifício que nós vos pedimos.[5] Pena é que José Manuel Ribeiro se tenha esquecido, ou não conheça este trecho!
José Manuel Ribeiro, quer pelo papel que desempenha quer pelas reiteradas tentativas de se aproximar do poder central, poderia colocar-se numa posição de afirmação como figura de referência do concelho na política nacional. Porém, não o consegue fazer. Infelizmente, Valongo não tem na sua história recente qualquer autarca, deputado ou governante, de qualquer quadrante, que tenha feito a diferença e a quem nos possamos voltar como referência. Faltam figuras de projeção nacional. O triste momento JMR é representativo da mediocridade que grassa nos nossos políticos.
[1] https://www.jn.pt/opiniao/convidados/o-momento-kennedy-de-antonio-costa-12986089.html
[2] Speeches that changed the world (Quercus Publishing Ltd, 2007), pág.141
[3] Tradução livre. No original: We observe today not a victory of party but a celebration of freedom, symbolizing an end as well as a beginning, signifying a celebration as well as change.
[4] Na vossas mãos, meus caros concidadãos, mais do que nas minhas, irá residir o sucesso final ou o falhanço do nosso caminho – tradução livre. No original: In your hand, my fellow citizens, more than mine, will rest the final success or failure of our course.
[5] Tradução livre. No original: Finally, whether you are citizens of America or citizens of the world, ask of us here the same high standards of strength and sacrifice which we ask of you.